segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O eterno recomeço da História




Quem viveu durante a paz da “guerra fria” que se seguiu à Segunda Guerra Mundial logo no fim dos anos 40 do século passado e que só terminou com o fim da União Soviética em 1991 terá, certamente, sentimentos algo contraditórios relativamente ao presente. Durante aquele período de tempo histórico, havia uma clivagem política, económica e social evidente: de um lado estava o capitalismo simbolizado pelos EUA que tinha criado uma aliança defensiva militar, a NATO, e do outro estava o campo socialista dirigido pela URSS, que tinha igualmente uma aliança militar com os outros países governados por partidos comunistas.
O império soviético acabou por cair por exaustão, incapaz de acompanhar o tremendo desenvolvimento económico do mundo capitalista. Esse fim acabou com um mundo bipolar, criando expectativas sobre uma unificação mundial sob um mesmo sistema, havendo mesmo quem sugerisse que se assistia então ao “fim da História”. Nada de mais errado. Depois de um período de alguma acalmia, o mundo pareceu ter acelerado no sentido de uma globalização que tem vários aspectos contraditórios.
A pobreza no mundo sofreu uma diminuição acentuada, tendo sido puxadas milhões de pessoas para dentro do limiar da sobrevivência. Por outro lado, essa mesma globalização veio retirar trabalho dos países economicamente mais desenvolvidos, diminuindo aí o crescimento de bem-estar que se verificava continuamente desde os anos 50.
A globalização só se tornou possível pelo grande desenvolvimento das tecnologias de informação, que estabeleceram redes interligadas por todo o mundo. Se as redes sociais são um sinal dessa ligação que todas as pessoas podem verificar diária e pessoalmente, algo muito mais relevante para o mundo se passa através das ligações informáticas. Os fluxos financeiros que antes demoravam dias a concretizar-se, passaram a ser instantâneos, com muitos milhões de euros a dar literalmente a volta ao mundo em cada segundo.

Esta rapidez de transferência de verbas astronómicas tornou o seu controlo muito difícil, se não mesmo impossível na sua totalidade. O mundo financeiro transformou-se rapidamente, tendo a banca de investimento, tornada altamente sofisticada e especulativa, invadido a banca clássica de retalho, com consequências devastadoras como vimos na crise financeira de 2008.
Mas, paralelamente à diminuição mundial de pobreza, todas estas transformações têm sido acompanhadas por uma gigantesca operação de transferência de dinheiro das classes médias para um reduzido grupo de empresas e personalidades hiper-milionárias, precisamente à conta do desenvolvimento das tecnologias de informação. Aparecem assim a Microsoft, a Amazon, a Google, o Facebook e mais meia-dúzia de empresas que actuam a nível global e sugam quantidades impressionantes de dinheiro do resto da economia de uma forma praticamente automática, através de programas informáticos a que ninguém hoje em dia pode fugir.
Os nascidos na última vintena do século XX ou já no século actual têm referenciais políticos que nada têm a ver com os do período da “guerra fria” que, no entanto, ainda são os de muitos dos que a viveram. Estão neste caso muitos dos políticos actuais e ainda alguns que, sendo mais novos, militam em partidos espartilhados nos limites antigos capitalismo/socialismo ou mesmo direita/esquerda que não fornecem respostas adequadas aos novos tempos.
E a verdade é que se estão novamente a criar as condições para uma sensação generalizada de injustiça que pode conduzir a revoltas muito sérias pelo mundo, principalmente no chamado mundo desenvolvido. Essas revoltas não serão já conduzidas por elites politizadas como sucedeu há cem anos, mas caracterizar-se-ão por uma organização inorgânica e violência anárquica nas ruas. Aliás, quer as manifestações dos coletes amarelos em França, quer o ressurgimento de movimentos ditos neo-nacionalistas ou populistas um pouco por todo o lado são um sinal claro de que nos subterrâneos das nossas sociedades algo poderá estar a germinar e que não será bonito de se ver quando surgir à luz do dia. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Janeiro de2019

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