De uma forma ainda algo
encapotada, a questão da regionalização vai sendo reintroduzida na agenda
política nacional. Vem um pouco à boleia da chamada “descentralização” aprovada
pelo actual governo e que consiste, basicamente, na transferência, para os
municípios, de determinadas competências que hoje são governamentais. Contudo,
as propostas de transferência não foram acompanhadas do envelope financeiro
necessário para que as autarquias possam exercer as novas competências, embora
se prometa que tal se fará mais tarde. Não estando essa despesa prevista no
Orçamento Geral do Estado a desconfiança sobre o processo de financiamento é
inteiramente legítima. Umas por essa razão, outras por não concordarem com as
próprias competências a transferir, uma parte das autarquias recusou a “oferta.
Não certamente por acaso, já se começou a ouvir falar na necessidade de criação
de taxas para tornar sustentáveis as novas competências das autarquias. Ora, tratando-se
de transferência de competências hoje asseguradas e se as autarquias vão ser
compensadas financeiramente para as receber, a que propósito é que os cidadãos
vão suportar ainda mais impostos/taxas?
Todo este processo é um mau
indicador para a discussão da regionalização, que começa a aflorar. Como é
sabido, a criação de regiões administrativas encontra-se prevista na própria
Constituição de 1976. Já houve uma tentativa para criar as regiões em 1998 mas
o respectivo referendo, obrigatório por revisão constitucional de 1997, não foi
vionculativo devido à elevada abstenção; de qualquer forma, a rejeição da
proposta de criação de 8 regiões administrativas por mais de 60% dos votantes
deu uma boa indicação do que os portugueses pensavam então sobre a proposta que
tinha sido aprovada pelo PS, PCP e PEV na Assembleia da República.
As perguntas a fazer pelos
portugueses e que terão de ser respondidas serão: quais são realmente os
obstáculos que têm impedido o crescimento da nossa economia nos últimos trinta
anos, em particular desde o início do século? A regionalização é uma solução
para esses problemas? Será mesmo a melhor solução, isto é a mais eficiente?
Relativamente ao ordenamento do território, há hoje necessidade de criar um
patamar intermédio entre o Estado central e os Municípios e as CIM’s?
Na realidade, o ordenamento do
território não parece hoje precisar de um patamar de decisão política
intermédio. O país já está dotado de um número de equipamentos muito superior
às necessidades pelo que a economia de escala deveria ter sido adoptada há
trinta ou quarenta nos, estando hoje ultrapassada, por excesso. Quando se fala
em regiões pensa-se sempre na distribuição de fundos europeus. Pois bem, mesmo
aí a questão essencial não é espacial e sim funcional. A economia é que
necessita de financiamento porque, com as actuais dívidas monstruosas ao
estrangeiro, o capital é a principal carência do país. Bem podemos alindar as
vilas e cidades que não será isso que criará riqueza, nem atrairá populações
para as zonas interiores.
A criação das regiões
administrativas não irá, por si, resolver os problemas graves que temos a nível
de justiça, de educação, de saúde, de produção económica, de competitividade,
não constituindo, portanto, um ganho de eficiência a nível nacional. Nem sequer
trará a reforma administrativa de que o país necessita a nível de municípios e
freguesias. Tal como não resolverá os problemas do actual sistema eleitoral,
que promove o afastamento dos eleitores dos seus representantes.
As regiões administrativas iriam
criar um novo nível de decisão política, afastando ainda mais os decisores
nacionais dos problemas concretos e das populações. De caminho resolveriam,
isso sim, o problema dos numerosos políticos que hoje já não encontram lugar no
sistema e que teriam acesso a toda uma nova oferta de lugares que se abriria. E
que, não tenhamos dúvidas, necessitaria de mais dinheiro dos impostos, só para
existir.
Por outro lado não deixa de ser
significativo que, mesmo prevista na Constituição, a regionalização administrativa
nunca foi concretizada. E isso devia acender as luzes vermelhas da prudência e
levar a perguntar sobre os verdadeiros motivos que levam a levantar esta
questão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Março de 2019