segunda-feira, 3 de junho de 2019

Beautiful South - Les Yeux Ouverts

Ainda sobre as europeias


Uma escassa semana após as eleições europeias, a política habitual tomou conta do país, mais parecendo que aquelas nunca existiram. Em poucos dias, a realidade trouxe-nos a prisão de dois presidentes de Câmara, a Autoridade Fiscal foi literalmente para a estrada atacar os contribuintes, os meios aéreos para os incêndios vão ser adjudicados por ajuste directo e ex-governantes vão a Tribunal testemunhar a favor do ex-Primeiro Ministro com quem trabalharam, alterando notoriamente anteriores declarações feitas em processos judiciais.
Contudo, os resultados das eleições são suficientemente interessantes para que se justifique que, também nestas linhas, nos debrucemos sobre eles.
Desde logo, a abstenção. Foi, mais uma vez, muito elevada. Todos ouvimos os responsáveis políticos, desde o Presidente da República aos líderes partidários afirmarem que “é necessário combater a abstenção”, apelando à consciência dos eleitores e chegando a afirmar que, quem não vota, não tem “direito” a reclamar depois. Como se a abstenção fosse uma doença e não a manifestação exterior da doença de que os actores políticos são os únicos responsáveis. Votaram mais 30.000 eleitores do que nas europeias anteriores tendo, ainda assim, a percentagem da abstenção subido para uns 68,6%. Isto é, os números foram empolados por um recenseamento automático dos inscritos nos consulados que fez com que, num país com 10,3 milhões de habitantes, haja mais de 9,2 milhões de eleitores.
As esquerdas, e com razão, embandeiraram em arco com os resultados, em particular o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda. Se os pouco mais de 50% obtidos pelos partidos que apoiam o actual governo são um sinal importante do estado de espírito dos eleitores que votaram, os resultados obtidos por cada um dos partidos não são assim tão famosos. Se não, vejamos. O PS subiu apenas 1,93% relativamente à tal “vitória poucochinha” de 2014. O BE teve uma subida notável relativamente a 2014, mas ainda assim ficou percentualmente abaixo do resultado eleitoral das legislativas de 2015. Já o PCP, preferiu negociar com o PS a reversão das privatizações dos transportes em troca da aprovação dos Orçamentos de Estado a manter o eleitorado que historicamente opta pela defesa intransigente da coerência ideológica; o negócio correu mal e o partido viu fugirem-lhe quase metade dos votos, numa derrota que poderá ser histórica.
Sobre as direitas, a soma do PSD com o CDS e os novos Aliança e Iniciativa Liberal regista um aumento 3,1% relativamente a 2014 obtendo uma soma de 30,8% que, no entanto, compara com os 50% das esquerdas. Os resultados péssimos do PSD e do CDS traduzem uma posição muito difícil para as eleições de Outubro exigindo todo um novo conjunto alternativo de propostas e não apenas uma nova forma de comunicar. Poderíamos até ser levados a crer que o que se passou no país na semana a seguir às eleições facilitaria o trabalho do PSD e do CDS, mas o quase silêncio não augura grande coisa.
Resta o resultado notável do PAN (se é histórico, se verá em Outubro) que, ao obter mais 112 mil votos, terá recolhido boa parte dos 218 mil votos deixados livres pelo quase desaparecimento eleitoral de António Marinho Pinto.
Muito já foi dito sobre a falta de discussão de temas europeus nestas eleições. Na realidade, as preocupações da generalidade dos portuguese sobre a União Europeia resumem-se aos fundos europeus, e foi só disso mesmo que boa parte dos candidatos falou. Parece tomarem como adquiridas todas as vantagens trazidas pela União, como seja a inexistência de fronteiras e a livre circulação de mercadorias e pessoas que possibilita a tantos portugueses a liberdade de procurar emprego melhor fora do país. Mas, como prova o Brexit e o surgimento de nacionalismos, nada é permanente e é necessário ter consciência de que, se queremos continuar a ter a União Europeia, temos que lutar por ela por mais asneiras que os políticos façam.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 3 de Junho de 2019

Agustina

Os jornais dizem que Agustina morreu. Não acreditem. Um grande artista nunca morre. Está para sempre em nós e em quem vier a seguir.


Costa, um homem de sorte

No dia seguinte a Costa informar o país de que o combate à corrupção será uma das prioridades do governo PS, a Justiça descobre uma "teia" de corrupção e enfia dois presidentes da Câmara e o presidente de um grande hospital público na cadeia. Mostra, assim, que Costa tem razão na definição de prioridades e tem sorte em acertar no melhor momento para o fazer. O facto de serem todos do partido de S. Exª não lhe tira razão, antes pelo contrário. Evidentemente.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

ESTA CRÓNICA NÃO É SOBRE “JOE” BERARDO


Metade do país ficou muito escandalizada com a prestação do Sr. José Manuel Berardo numa comissão na Assembleia da República. A outra metade diz-se chocada e pede mesmo que lhe sejam retiradas as condecorações que em tempos os presidentes da República Ramalho Eanes e Jorge Sampaio lhe atribuíram.
Na realidade, o Sr. José Manuel Berardo é aqui apenas a ponta visível de um iceberg, que se tornou demasiado visível na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos. Seja pela personalidade própria do senhor, seja porque está à vontade para se portar como bem quiser, seja onde for, mesmo na casa da Democracia por entender que tem os políticos na mão, percebe-se que o chocante para grande parte da classe política foi a forma da participação, quando o que verdadeiramente importa é o seu conteúdo.
E o conteúdo, verdadeiramente, não é novidade para ninguém. Trata-se de mostrar o ambiente político-económico que dominou Portugal sensivelmente entre os anos 2005 e 2011 com dois pólos situados, respectivamente, na presidência do Conselho de Ministros e na sede do BES. Estes dois pólos estavam, aliás, tão ligados entre si que até um ministro, no caso o da Economia (et pour cause,,,) ganharia em simultâneo pelos dois lados, pelo menos até desrespeitar a Assembleia da República (em plenário) ao fazer corninhos a um Deputado e assim perdoando, no desrespeito, todos os Berardos que se lhe seguissem.
Os casos e as personagens ligadas a tudo o que se passou nesse tempo são tantos, que a dificuldade é a da escolha, dentro das linhas disponíveis.
A OPA sobre a PT lançada pela SONAE em 2006 foi a primeira grande batalha que à primeira vista seria financeira numa pura base de capitalismo mas que, na realidade, constituiu uma defesa de um certo “capitalismo de estado” perante o perigo de fuga de poder. Aqui se juntaram Salgado, Bava e Granadeiro à Caixa e a Sócrates numa dita “luta contra a destruição da PT”, numa conjugação de interesses que, em grande parte, constituem hoje o cerne da “Operação Marquês”. Berardo saiu da AG que ditou o fim da OPA a ser aplaudido pelos trabalhadores da empresa como herói. Tudo o que se seguiu foi mau demais para ser verdade, com a venda da VIVO à cabeça.

É hoje pacífico ter havido uma verdadeira tomada de poder dentro do maior banco privado português, o BCP. Essa operação foi meticulosamente preparada, havendo fundadas suspeitas de participação do próprio Banco de Portugal no complot. Vários investidores foram “convidados” pela CGD a tomarem posições accionistas relevantes naquele banco, com financiamento para a operação dado pela Caixa a 100%, tendo como garantia apenas as próprias acções compradas. No caso do Sr. José Manuel Berardo, o dinheiro emprestado pela Caixa foram cerca de 400 milhões de Euros, a que se juntaram mais quase 600 milhões do BES e do próprio BCP. Depois disto, aquelas acções do BCP passaram a valer pouco mais de 100 milhões, assim se percebendo o actual sentimento do Sr. Berardo sobre a operação. Entretanto, os administradores da CGD Santos Ferreira e Armando Vara que lhe tinha emprestado o dinheiro tinham-se passado para a administração do BCP, vá lá saber-se por que artes do demónio
O que verdadeiramente importa é que tudo isto se saldou numa perda de valor para a economia portuguesa como não há memória desde as nacionalizações do 11 de Março de 75 e que os portugueses pagam com os seus impostos. A empresa portuguesa mais valiosa, que era a PT, desapareceu, a Cimpor está nas mãos de um fundo das forças armadas turcas depois de ter andado pela célebre Camargo brasileira, o BCP passou por uma crise que quase o fez desaparecer, o grupo GES/BES desapareceu, a ONGOING implodiu, etc. etc. etc.
O Sr. José Manuel Berardo foi apenas um peão no meio de todo um conjunto de golpes palacianos que, ao tirar a sua fatia do bolo, em vez de ficar com a prenda das mais-valias do dinheiro que lhe meteram nas mãos, ficou apenas com a fava das dívidas do quase completo desaparecimento do valor das acções que o financiaram para comprar. É por isso que esta crónica não é sobre ele, que foi apenas o espertalhão a quem desta vez correu tudo mal e que anda apenas a tentar safar o que é seu, da maneira que sabe.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Maio 2019