Uma escassa semana após as
eleições europeias, a política habitual tomou conta do país, mais parecendo que
aquelas nunca existiram. Em poucos dias, a realidade trouxe-nos a prisão de
dois presidentes de Câmara, a Autoridade Fiscal foi literalmente para a estrada
atacar os contribuintes, os meios aéreos para os incêndios vão ser adjudicados
por ajuste directo e ex-governantes vão a Tribunal testemunhar a favor do
ex-Primeiro Ministro com quem trabalharam, alterando notoriamente anteriores
declarações feitas em processos judiciais.
Contudo, os resultados das
eleições são suficientemente interessantes para que se justifique que, também
nestas linhas, nos debrucemos sobre eles.
Desde logo, a abstenção. Foi,
mais uma vez, muito elevada. Todos ouvimos os responsáveis políticos, desde o
Presidente da República aos líderes partidários afirmarem que “é necessário
combater a abstenção”, apelando à consciência dos eleitores e chegando a
afirmar que, quem não vota, não tem “direito” a reclamar depois. Como se a
abstenção fosse uma doença e não a manifestação exterior da doença de que os
actores políticos são os únicos responsáveis. Votaram mais 30.000 eleitores do
que nas europeias anteriores tendo, ainda assim, a percentagem da abstenção
subido para uns 68,6%. Isto é, os números foram empolados por um recenseamento
automático dos inscritos nos consulados que fez com que, num país com 10,3
milhões de habitantes, haja mais de 9,2 milhões de eleitores.
As esquerdas, e com razão,
embandeiraram em arco com os resultados, em particular o Partido Socialista e o
Bloco de Esquerda. Se os pouco mais de 50% obtidos pelos partidos que apoiam o
actual governo são um sinal importante do estado de espírito dos eleitores que
votaram, os resultados obtidos por cada um dos partidos não são assim tão
famosos. Se não, vejamos. O PS subiu apenas 1,93% relativamente à tal “vitória
poucochinha” de 2014. O BE teve uma subida notável relativamente a 2014, mas
ainda assim ficou percentualmente abaixo do resultado eleitoral das
legislativas de 2015. Já o PCP, preferiu negociar com o PS a reversão das
privatizações dos transportes em troca da aprovação dos Orçamentos de Estado a
manter o eleitorado que historicamente opta pela defesa intransigente da
coerência ideológica; o negócio correu mal e o partido viu fugirem-lhe quase
metade dos votos, numa derrota que poderá ser histórica.
Sobre as direitas, a soma do
PSD com o CDS e os novos Aliança e Iniciativa Liberal regista um aumento 3,1%
relativamente a 2014 obtendo uma soma de 30,8% que, no entanto, compara com os 50%
das esquerdas. Os resultados péssimos do PSD e do CDS traduzem uma posição
muito difícil para as eleições de Outubro exigindo todo um novo conjunto
alternativo de propostas e não apenas uma nova forma de comunicar. Poderíamos até
ser levados a crer que o que se passou no país na semana a seguir às eleições
facilitaria o trabalho do PSD e do CDS, mas o quase silêncio não augura grande
coisa.
Resta o resultado notável do
PAN (se é histórico, se verá em Outubro) que, ao obter mais 112 mil votos, terá
recolhido boa parte dos 218 mil votos deixados livres pelo quase
desaparecimento eleitoral de António Marinho Pinto.
Muito já foi dito sobre a
falta de discussão de temas europeus nestas eleições. Na realidade, as preocupações
da generalidade dos portuguese sobre a União Europeia resumem-se aos fundos
europeus, e foi só disso mesmo que boa parte dos candidatos falou. Parece
tomarem como adquiridas todas as vantagens trazidas pela União, como seja a
inexistência de fronteiras e a livre circulação de mercadorias e pessoas que possibilita
a tantos portugueses a liberdade de procurar emprego melhor fora do país. Mas,
como prova o Brexit e o surgimento de nacionalismos, nada é permanente e é
necessário ter consciência de que, se queremos continuar a ter a União
Europeia, temos que lutar por ela por mais asneiras que os políticos façam.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 3 de Junho de 2019
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