Acabada a fase de
pré-campanha que, como disse o Presidente da República, durou mais de um ano,
entramos agora na fase da campanha eleitoral propriamente dita. É aquela em que
os candidatos a deputados visitam feiras e centros de dia, mostrando-se e
distribuindo sorrisos e simpatia tentando assim obter mais algum voto que ainda
esteja disponível para pescar. Na realidade, as escolhas de cada um dos
cidadãos votantes estarão já feitas na sua esmagadora maioria, incluindo
aqueles que engrossam o tristemente grande pelotão dos abstencionistas.
A pré-campanha
caracterizou-se por duas características principais. A primeira por ter sido
morna, com uma algo estranha atitude quase conciliatória entre os diversos
actores que se encontraram nos debates, com a excepção notória do divórcio
político entre o PS e o BE. Depois, três aspectos cruciais nas profundidades da
política nacional, por motivos vários e diferentes para cada um dos
protagonistas, são deliberadamente calados ou mesmo escondidos ao povo
português, assim generalizadamente mantido numa ignorância que, no mínimo, se
pode considerar oportunista.
Em primeiro lugar,
continua a narrativa sobre o governo anterior que “veio com a troika”, mãe de
todas as desgraças. Ainda por cima, esse governo, certamente por gosto de
maldade, foi ainda além da troika. Omite-se que o governo foi escolhido pelo
povo português depois de o governo socialista ter chamado a troika e com ela
ter acertado um plano de resgate financeiro. O que é ocultado aos portugueses é
que a própria troika, ao chegar e verificar a realidade das contas do Estado,
encontrou “buracos” escondidos que ascendiam a cerca de trinta mil milhões de
euros, atirados pelo anterior governo para debaixo do tapete de empresas
públicas e dívidas ocultas. Perante a emergência, o governo de então tinha dois
caminhos: ou renegociava com a troika mais um empréstimo a adicionar aos 78 mil
milhões do plano de resgate, o que significaria uma hecatombe dado o estado de
emergência, ou encontrava maneira de resolver internamente mais esse problema.
O que foi feito, com o tal “brutal aumento de impostos”. Apesar disso, o país
começou a recuperar e logo no fim de 2013 recomeçou a crescer e em 2014 o
desemprego começou a diminuir. O conhecimento destes factos tem importância
política, por desfazer mitos sempre prejudiciais.
O segundo aspecto
que permanece escondido aos portugueses é a existência do chamado Pacto
Orçamental. Na realidade, desde 2013 que os orçamentos nacionais têm que ir à
Comissão Europeia antes de entrarem em vigor. O primeiro Orçamento do actual
governo, no início de 2016, voltou para trás e foi radicalmente alterado para
ser conforme às regras orçamentais europeias. Começou aí o controlo do défice
que agora é assumido como um êxito e, nesse aspecto, ainda bem. Só que o método
para lá chegar, esse já não interessa à Comissão Europeia para quem, com uma
grande dose de cinismo, só interessa aquele número final. Os graves problemas
decorrentes da falta de investimento público e da própria manutenção de
equipamentos cruciais e infra-estruturas são do foro nacional e os srs.
Comissários não têm nada a ver com isso. Tal como não se preocupam com listas
de espera para cirurgias ou consultas, nem com escolas sem pessoal auxiliar,
nem com tribunais com a chuva a entrar pelo telhado.
O terceiro aspecto
é o sucesso dos juros baixos da nossa dívida pública que, em
determinados prazos,
chegam a ser negativos. Omite-se que tal facto se deve unicamente à acção do
BCE que, com os chamados “estímulos à economia”, baixa os juros e mantém-nos
artificialmente perto de zero. Esta acção prolongada no tempo, mantendo-se a
nossa dívida num patamar de 120% em conjunto com um crescimento anémico da
economia, traduz-se numa ficção perigosa a que urge fugir. O que está a
acontecer é que a riqueza portuguesa está a cair paulatinamente a caminho do
último lugar europeu, a produtividade diminui e o ordenado médio dos
portugueses aproxima-se cada vez mais do ordenado mínimo nacional.
A manutenção da
ignorância acerca de matérias com esta importância para a nossa vida colectiva
como país integrante de uma União, com grande probabilidade irá criar as
condições para o desenvolvimento de populismos e extremismos que, como é
sabido, radicam sempre na ignorância e no desconhecimento da realidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Setembro de 2019