segunda-feira, 6 de abril de 2020

PEDIMOS DESCULPA POR ESTA INTERRUPÇÃO, A ECONOMIA SEGUE DENTRO DE MOMENTOS


A prorrogação do «estado de emergência» por mais 15 dias (por ora) mostrou-se uma necessidade evidente, dado que a evolução da pandemia COVID 19 aconselha à manutenção do distanciamento social com as necessárias consequências a nível de famílias e de empresas.
Para além dos aspectos sanitários, os primeiros a ter em conta nesta luta contra uma epidemia generalizada, e que exigem uma capacidade humana, material e de organização excepcionais, o confinamento das pessoas às suas residências tem consequências tremendas a nível da economia. Tem e vai ter durante muito tempo.
Na realidade, o tele-trabalho consegue diminuir um pouco as consequências para muitas empresas, mas há muitos sectores onde tal não é possível. Os transportes de pessoas estão praticamente parados e o turismo e restauração também, tal como grande parte da indústria e do comércio.
As medidas governamentais são importantes, mas consistem essencialmente em dilatar prazos de pagamento e em definir as condições de lay-off, em que as empresas deverão assegurar 30% dos ordenados reduzidos até um máximo de €1.905 e a seg. social 70%. Contudo, o Estado continua a exigir o pagamento de IRS às famílias. Neste momento, cerca de meio milhão de trabalhadores estão já em lay-off e dezenas de milhares perderam mesmo os seus empregos. Tudo isto torna muito difícil compreender, e mesmo aceitar, que o Governo tenha publicado no passado dia 20 de Março o Dec.-Lei n.º 10-B/2020 que aumenta os salários dos funcionários públicos. Esta publicação aprofunda a diferença patente entre a situação dos funcionários públicos que neste momento de crise nacional têm assegurada a manutenção de emprego e ainda por cima têm aumentos de vencimentos.

A queda do produto decorrente da paragem económica dependerá naturalmente do tempo que durar a luta contra a pandemia e de quanto tempo demorará o regresso das pessoas aos seus postos de trabalho. A análise das curvas epidemológicas da COVID 19 permite prever, numa visão muito optimista, que lá para meados de Maio a situação poderá reverter e começar a regressar-se a uma normalidade possível. As últimas previsões do Banco de Portugal relativas à queda do PIB em 2020 variam entre os 3,7% e os 5,7% com o desemprego a atingir os 10%. Há, no entanto, muitos analistas que contrariam estas previsões apontando para uma queda do produto próxima dos 20%.
Estamos, portanto, a caminhar para uma situação alarmante que exigirá muito dinheiro para, em primeiro lugar diminuir a sua extensão, e em seguida para conseguir uma recuperação. Não nos podemos esquecer da dívida portuguesa de 250.000 milhões de euros, ao fim de 5 anos de crescimento, que condiciona a capacidade de resposta do país. Se a União Europeia flexibilizou as exigências em termos de défice que, devido ao combate à epidemia e suas consequências, poderá agora ultrapassar os 3%, ainda assim Portugal não tem condições financeiras para sozinho, responder à crise que enfrentamos.
Assim se compreende melhor a resposta inabitual de António Costa às declarações insultuosas do ministro das Finanças holandês. A exigência, por parte dos países do Sul da Europa dos chamados eurobonds ou mesmo dos coronabonds específicos para a actual situação, choca de frente com as posições dos países do Norte da Europa que os recusam liminarmente, até porque os seus governantes estão limitados pelas vontades dos seus eleitorados. Por outro lado, o Sr. Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade veio esclarecer que, mesmo que os eurobonds fossem aprovados politicamente, o que nem é o caso, nunca seria possível montá-los em menos de três anos. Resta, portanto, a utilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade, retirando-lhe parte do carácter de austeridade, de que ninguém quer ouvir falar.
A recuperação económica vai ter que se verificar, mas não vai ter a chuva de dinheiro europeu que seria proporcionada pelos eurobonds em que as condições dos empréstimos seriam ditadas pelas condições financeiras dos países do norte cujas economias representam 70% do produto europeu e não pelas nossas próprias condições. Nesta situação, o Norte não é de facto solidário para com o Sul, mas não podemos esquecer que, pelo seu lado, os países mediterrânicos representam mais de 70% da dívida europeia. Estamos perante um cenário difícil mas, ao contrário de muitos, estou convencido que a União Europeia vai sair mais forte desta crise, assim os seus líderes se mostrem capazes. Porque, como alguém disse antes, «só a crise traz verdadeiramente mudança».
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Abril de 2020

Análise dos apoios governamentais para defrontar o COVID-19

Do Observador, artigo de Abel Mateus.

A ignorância de Miguel Sousa Tavares sobre a Holanda

Já todos percebemos que o ministro das Finanças holandês disse umas barbaridades sobre  a Espanha, o que levou António Costa a tomar as dores de Espanha como suas e dizer também umas barbaridades (cá fora, porque na reunião ficou caladinho).
Do blogue Impertinências, retirei este comentário sobre o artigo que esta semana Miguel Sousa Tavares escreveu no Expresso sobre o assunto, demonstrando uma falta de cultura que impressiona:

«Eis o que escreveu na sua coluna habitual no semanário de reverência um MST ressabiado porque «os holandeses, os novos-ricos da Europa, actuando como gauleiters da Alemanha» não parecerem disposto a subsidiar a prodigalidade greco-latina através dos coronabonds:
«E, já agora, tirando o “Século de Oiro” da pintura holandesa, abrangendo o último quartel do século XVI e a primeira metade do século XVII, o que deu a Holanda à Europa? Van Gogh, na pintura, e Johan Cruyff, no futebol, são as únicas excepções. De resto, e sobretudo comparando com a Espanha e a Itália, nos últimos quase 400 anos, eles não deram à Europa um escritor, um músico, um compositor, um arquitecto, um estadista, um economista, um cientista, um automóvel, um desenho de sapatos, um filme inesquecível, uma marca de vinho, uma receita de cozinha, uma nova borboleta..
Começo por «novos-ricos» que me parece pouco ajustado a um povo que, desde pelo menos o século XVII, quando aqui abundava a pobreza mais absoluta fora da corte, tem um nível de riqueza muito acima dos habitantes da jangada de pedra.

O "Século de Oiro" foram vários séculos, em que encontramos Bosch, Brueghel o Velho, Hals, Rembrandt, Vermeer e muitos outros. Depois disso, para além de van Gogh (e não Van Gogh), com projecção internacional, lembro assim de repente Escher, Mondrian e de Kooning.

No futebol, além de Cruyff, lembro assim de repente Marco van Basten, Dennis Bergkamp, Ruud Gullit e Ronald Koeman.

É certo que a literatura holandesa não produziu grandes escritores. Em contrapartida produziu Erasmo e Espinoza. Ah, e produziu vinte Prémios Nobel, a maioria em Física e Química, mas também dois em Economia (Jan Tinbergen e Tjalling Koopmans).

É certo que, para além do contemporâneo Gustav Leonhardt, a Holanda também não produziu grandes nomes na música. Em contrapartida, é sede para dez das 500 maiores empresas globais, como Royal Dutch Shell, EXOR, Airbus, ING, Randstad, Heineken, Rabobank. Por acaso, também por lá têm sede fiscal várias empresas portuguesas do PSI-20 (que por acaso só tem 18 empresas cotadas).

Em matéria de arquitectos de topo também só me estou a lembrar de Rem Koolhaas. E quanto a estadistas não recordei nenhum além de Johan De Witt,

É certo que além dos seus 17 Nobel em Física, Química e Medicina, não se encontram grandes cientistas. Em contrapartida é o 9.º país com mais patentes, Portugal é o 39.º (World Intellectual Property Indicators 2019).

Concedo que não me ocorre automóvel, desenho de sapatos, filme inesquecível, marca de vinho, receita de cozinha e borboleta que possa ser atribuída a holandeses e nestas matérias encontramos do lado português o vinho do Porto (que até pode ter sido inventado pelos ingleses...), o bacalhau à Gomes de Sá e as ameijoas à Bolhão Pato.»

Doc Rossi - Java d'amour on Corsican Cetera

segunda-feira, 30 de março de 2020

IMPLOSÃO VIRAL


É muito fácil identificar a actual situação provocada pela pandemia COVID-19 devida ao vírus SARS-CoV-2 como um estado de guerra e essa tem sido a base de análise para a compreensão e tentativa de antevisão das possíveis consequências dos dias que estamos a viver para as famílias, empresas e trabalhadores.
Esta é porém uma guerra muito diferente. Enquanto nas guerras clássicas dois ou mais contendores combatem entre si, normalmente com utilização de explosivos nesta, por enquanto, não se combate o inimigo, apenas nos escondemos e fugimos dele enquanto aguardamos por armas que possam abater a pandemia, isto é, vacinas. E, em consequência, assistimos às mais variadas implosões.
Desde logo, a implosão sanitária. A actual epidemia mundial veio adicionar-se às doenças que existem normalmente. Quem atender à comunicação social, parece que, de repente, deixou de haver doenças cardio-vasculares, cancros, diabetes, etc.etc. Nada de mais errado. O que acontece é que o sistema de saúde tem que dar resposta às doenças agora “normais” e a esta nova COVID-19. Se, como sabemos, já anteriormente havia problemas para o SNS responder em tempo às diversas solicitações, neste momento assistimos a uma verdadeira aflição de que a falta de vacinação corrente é apenas um exemplo. E quem está na frente de ataque, o pessoal da saúde desde os médicos aos condutores de ambulância, todos se encontram a trabalhar muito para lá das condições normalmente exigíveis e todos devemos ter consciência desse facto. Acresce que o número de profissionais de saúde infectados é já grande, sendo fácil admitir que cresça imenso, o que trará dificuldades de resposta crescentes.
Depois, a implosão social. Como ainda não temos como combater o SARS-CoV-2, a solução imediata é confinar as pessoas ao máximo, minimizando os contactos pessoais. Desde as quarentenas em casa, à limitação de circular nas ruas, ao tele-trabalho quando possível, tudo se tenta para dificultar a propagação inter-pessoal do vírus. Nos contactos sociais assiste-se mesmo ao surgimento de novas maneiras de cumprimento, já que os beijos e simples cumprimentos de mão estão completamente arredados do comportamento aceitável. O receio de que já sejamos portadores do vírus sem o saber e a possibilidade de sermos infectados em qualquer lugar e a qualquer momento apesar das precauções instala um medo colectivo que, se durar o que se prevê, poderá trazer implicações sociais muito graves. Já se ouvem por aí teorias cabalísticas de a Terra a vingar-se do Homem e outras semelhantes, só faltando mesmo a tese do «castigo divino». Devemos consciencializar-nos de que ao longo da história da Humanidade já houve várias pandemias e que nunca como hoje houve capacidade de resposta científica, sanitária e mesmo humanitária como estamos a assistir neste momento, rejeitando milenaristas e profetas do apocalipse, em geral.
A implosão económica é já um facto e ninguém pode prever as consequências. A paragem começou pela educação, seguida pelas viagens e rapidamente alastrou a restaurantes, desportos e inúmeras indústrias. Não há modelos económicos para a situação de estancar de repente o consumo e a produção económica, sem que se conheça a duração dessa situação. Quer o Governo, quer a União Europeia estão a preparar apoios às empresas que se vêem na situação de pagar os vencimentos dos seus empregados, prestações sociais e impostos, sem haver produção nem vendas, esperando-se que as soluções se venham a mostrar eficazes. Sob pena de se entrar numa recessão profunda generalizada.
Como se sabe, nas guerras a verdade é a primeira vítima. Ao contrário do que se vê na China onde teve início esta pandemia, os regimes democráticos têm a vantagem de, mesmo em situações de emergência, garantirem a liberdade de expressão. Além, claro, da existência de partidos de governo e de oposição, com as obrigações que se esperam inerentes a cada uma das posições, agora ainda com mais exigência.
O que se dispensa é políticos a tentar disfarçar a realidade com optimismos desajustados ou críticas injustas e inoportunas tentando aproveitar a situação para fazer passar as suas opções ideológicas. Antes pelo contrário, é preciso evitar uma implosão da verdade que induziria inevitavelmente a implosão democrática, e garantir a confiança dos cidadãos para o que se está a fazer os quais, a seu tempo, tirarão as suas conclusões sobre o que se passou. Numa realidade muito diferente da que conhecemos até há poucas semanas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Março de 2020