É muito fácil
identificar a actual situação provocada pela pandemia COVID-19 devida ao vírus SARS-CoV-2
como um estado de guerra e essa tem sido a base de análise para a compreensão e
tentativa de antevisão das possíveis consequências dos dias que estamos a viver
para as famílias, empresas e trabalhadores.
Esta é porém uma
guerra muito diferente. Enquanto nas guerras clássicas dois ou mais contendores
combatem entre si, normalmente com utilização de explosivos nesta, por
enquanto, não se combate o inimigo, apenas nos escondemos e fugimos dele
enquanto aguardamos por armas que possam abater a pandemia, isto é, vacinas. E,
em consequência, assistimos às mais variadas implosões.
Desde logo, a
implosão sanitária. A actual epidemia mundial veio adicionar-se às doenças que
existem normalmente. Quem atender à comunicação social, parece que, de repente,
deixou de haver doenças cardio-vasculares, cancros, diabetes, etc.etc. Nada de
mais errado. O que acontece é que o sistema de saúde tem que dar resposta às
doenças agora “normais” e a esta nova COVID-19. Se, como sabemos, já
anteriormente havia problemas para o SNS responder em tempo às diversas
solicitações, neste momento assistimos a uma verdadeira aflição de que a falta
de vacinação corrente é apenas um exemplo. E quem está na frente de ataque, o
pessoal da saúde desde os médicos aos condutores de ambulância, todos se
encontram a trabalhar muito para lá das condições normalmente exigíveis e todos
devemos ter consciência desse facto. Acresce que o número de profissionais de
saúde infectados é já grande, sendo fácil admitir que cresça imenso, o que
trará dificuldades de resposta crescentes.
Depois, a
implosão social. Como ainda não temos como combater o SARS-CoV-2, a solução imediata
é confinar as pessoas ao máximo, minimizando os contactos pessoais. Desde as
quarentenas em casa, à limitação de circular nas ruas, ao tele-trabalho quando
possível, tudo se tenta para dificultar a propagação inter-pessoal do vírus.
Nos contactos sociais assiste-se mesmo ao surgimento de novas maneiras de
cumprimento, já que os beijos e simples cumprimentos de mão estão completamente
arredados do comportamento aceitável. O receio de que já sejamos portadores do
vírus sem o saber e a possibilidade de sermos infectados em qualquer lugar e a
qualquer momento apesar das precauções instala um medo colectivo que, se durar
o que se prevê, poderá trazer implicações sociais muito graves. Já se ouvem por
aí teorias cabalísticas de a Terra a vingar-se do Homem e outras semelhantes,
só faltando mesmo a tese do «castigo divino». Devemos consciencializar-nos de
que ao longo da história da Humanidade já houve várias pandemias e que nunca
como hoje houve capacidade de resposta científica, sanitária e mesmo
humanitária como estamos a assistir neste momento, rejeitando milenaristas e
profetas do apocalipse, em geral.
A implosão
económica é já um facto e ninguém pode prever as consequências. A paragem
começou pela educação, seguida pelas viagens e rapidamente alastrou a
restaurantes, desportos e inúmeras indústrias. Não há modelos económicos para a
situação de estancar de repente o consumo e a produção económica, sem que se
conheça a duração dessa situação. Quer o Governo, quer a União Europeia estão a
preparar apoios às empresas que se vêem na situação de pagar os vencimentos dos
seus empregados, prestações sociais e impostos, sem haver produção nem vendas,
esperando-se que as soluções se venham a mostrar eficazes. Sob pena de se
entrar numa recessão profunda generalizada.
Como se sabe,
nas guerras a verdade é a primeira vítima. Ao contrário do que se vê na China
onde teve início esta pandemia, os regimes democráticos têm a vantagem de,
mesmo em situações de emergência, garantirem a liberdade de expressão. Além,
claro, da existência de partidos de governo e de oposição, com as obrigações que
se esperam inerentes a cada uma das posições, agora ainda com mais exigência.
O que se
dispensa é políticos a tentar disfarçar a realidade com optimismos desajustados
ou críticas injustas e inoportunas tentando aproveitar a situação para fazer
passar as suas opções ideológicas. Antes pelo contrário, é preciso evitar uma
implosão da verdade que induziria inevitavelmente a implosão democrática, e
garantir a confiança dos cidadãos para o que se está a fazer os quais, a seu
tempo, tirarão as suas conclusões sobre o que se passou. Numa realidade muito
diferente da que conhecemos até há poucas semanas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Março de 2020
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