segunda-feira, 21 de setembro de 2020

AMIZADE

 


Tempos estranhos estes, em que o afastamento entre as pessoas passou a ser regra e, mais que isso, mesmo obrigação legal. Meses e meses sem contactos pessoais o que, para além de consequências psicológicas evidentes, provocará alterações sensíveis no próprio funcionamento da sociedade, já que o Homem sempre foi um animal gregário. Famílias que se fecham em casa sem se visitarem. Famílias que deixam de ir ao restaurante para evitar contágio. Viagens de turismo que não se fazem e familiares que não se visitam. As consequências económicas são de todos conhecidas por evidência imediata, já as outras não, só se descobrirão mais tarde.

Mas, mesmo nestas condições sociais de isolamento pessoal há algo que resiste, porque está para além da distância e do tempo: a amizade. Desde bancos de escola onde alegrias e jogos infantis criaram relações simples e inocentes mas duradouras para a vida, até mesas de café onde discussões e conversas sobre tudo e mais alguma coisa nos levaram a conhecermo-nos melhor e aos outros, passando por férias de verão mais animadas, muitas situações ao longo da vida nos levaram a criar relações especiais com outras pessoas. Relações de amizade que, tantas vezes, acontecem entre pessoas muito diferentes em feitios, interesses imediatos, quase como se assim se obtivessem equilíbrios que acabam por tornar cada um melhor e mais receptivo à diferença, através da compreensão do outro. Relações que funcionam, tantas vezes, como estabilizadores emocionais durante as crises mais ou menos sérias que todos acabamos por ter ao longo da vida.

Quando reencontramos amigos verdadeiros, sentimo-nos como se o tempo não tivesse passado desde o último encontro. Ainda que se tenham passado dezenas de anos, é possível e mesmo frequente que a conversa seja retomada no ponto em que então ficou, como se tivesse acontecido há poucos dias. Comigo já aconteceu. Aqueles amigos que já nos deixaram para sempre mantêm-se de tal forma vivos na memória dos afectos que, quando nos lembramos deles, é possível recordar com exactidão palavras, frases, entoações, expressões. Nada disso desaparece da nossa memória e também tal me acontece em relação a amigos que já não estão fisicamente entre nós. Precisamente o contrário daquelas outras amizades que, por serem meramente circunstanciais, se evaporam para evitar situações difíceis. Como dizia Confúcio: para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça; no sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.


A amizade séria pressupõe um respeito pelo outro, mas é também uma manifestação de confiança ilimitada. Não tem a ver com o amor ou a paixão, sendo antes disso uma relação estável, que autoriza uma dádiva mútua sem nada exigir e que se mantém com a passagem do tempo. Devo dizer que já encontrei pessoas que nunca tiveram amizades, tiveram colegas e, eventualmente amores e desamores, mas nunca sentiram essa sensação de poder confiar totalmente em alguém como amigo e só posso lamentar que tenham perdido na vida algo de tão importante.

Esta crónica não nasceu do acaso. Foi suscitada pela surpresa de, mesmo em situações de confinamento pandémico, ser possível verificar como amizades pessoais de muitos anos se mantêm vivas de uma forma absolutamente espantosa e com uma capacidade de dádiva e de preocupação cuidadosa que revelam aspectos tantas vezes escondidos mas bem vivos. Redescobertas sempre agradáveis de fazer e que nos levam a recordar ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY:

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Setembro de 2020

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Aquela janela

 Coloquei ali em baixo a canção "aquela janela virada pró mar" de Tristão da Silva. Tenho um particular afecto por esta canção. É, talvez, uma das minhas memórias musicais mais antigas, de ouvir na telefonia em miúdo. Fazia-me sonhar com o mar. Não me poderia passar pela ideia que um dia também seria marinheiro, ainda que por poucos anos. Hoje ouça-a como memória também desse tempo de ondas, espuma e sensações que só o mar alto nos pode transmitir. Memórias.

Tristão da Silva - Aquela janela virada p'r'ó mar

A REALIDADE E A SUA PERCEPÇÃO

 Do blogue IMPERTINÊNCIAS:

"A razão universal é a evolução natural ter conduzido o homo sapiens a um enviesamento da percepção da realidade que o leva a acreditar no que confirma as suas crenças e os seus pré-conceitos. Por isso, a partir do momento que um político ganha a confiança do seu eleitorado este tende a acreditar em tudo e isso é aproveitado por políticos manipuladores que apelam não à razão mas à emoção."

 

Assim se justifica o apoio a Sócrates perante todas as evidências, tal como o actual suporte a Costa, mesmo apoiando Luis Filipe Vieira .

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

UM PAÍS QUE NÃO É PARA IDOSOS

 


Para choque de muita gente, a pandemia Covid 19 veio destapar uma realidade que se encontrava bem escondida ou, talvez, deliberadamente esquecida pela maioria das pessoas. De repente parece que os portugueses acordaram para as condições em que vivem grande parte dos seus mais velhos. Os chamados «lares da terceira idade», designação as mais das vezes eufemística para designar verdadeiros depósitos de velhos vieram a mostrar-se como altamente permeáveis ao vírus SARS-CoV-2, havendo actualmente mais de 30 desses lares com surtos activos e tendo, em consequência, morrido até hoje mais 720 pessoas.

O sucedido no Lar da Misericórdia em Reguengos de Monsaraz não pode ser esquecido e muito menos calado, mas apenas como exemplo do que se passa pelo país e que necessita urgentemente de ser objecto de atenção e de actuação dos responsáveis pela Segurança Social. Descobriu-se com espanto geral e infelizmente também com notória fuga às responsabilidades por quem devia ter outra atitude, que muitos dos idosos que morreram no surto verificado naquele lar terão sido vítimas de falta de cuidados sanitários e médicos e não directamente da acção do vírus. Mas é muito provável que o que aconteceu naquele lar se tenha verificado um pouco por todo o país, embora só ali tenha saltado para a comunicação social, pelas razões conhecidas.

Todos sabemos do progressivo e rápido envelhecimento da população portuguesa e das consequências que tal facto vai trazer ao sistema da segurança social, se o sistema vigente não for radicalmente alterado. Acresce que as actuais soluções de apoio a lares sociais não são, do ponto de vista puramente humano, aceitáveis e ainda menos desejáveis. Isto falando dos lares legais porque, pelo que vamos vendo, o número de instalações ilegais, sem qualquer controlo nem fiscalização, é enorme.

Os idosos são colocados nos lares, perdendo grande parte da sua vontade própria, sendo sujeitos a rotinas que os reduzem a utentes comandados e sem espaços ou actividades pessoais. Todos já constatámos como os utentes dos lares dispõem generalizadamente de quartos para duas pessoas, com camas próprias mas sem secretárias nem sofás onde possam desenvolver trabalhos ou ler na intimidade. Os dias são passados colectivamente, a ver televisão em conjunto havendo apenas, quando as há, uma ou outra saída igualmente colectiva. Por razões de facilidade e economia de gestão, os utentes são mesmo impedidos de ir ao seu próprio quarto durante o dia. Nestas condições, ainda que entrem nas instituições com algumas capacidades pessoais, os idosos rapidamente se transformam em velhos que apenas aguardam pela chegada da hora inevitável. As excepções a esta regra são raras, de louvar, mas são isso mesmo: excepções

Muitas das instituições que gerem lares de terceira idade pertencem à chamada economia social e prestam um papel essencial que o Estado vai apoiando com um suporte financeiro insuficiente. Também nesta área social, talvez dizendo melhor, principalmente nesta área, a pobreza infiltra-se insidiosamente por todos os interstícios do sistema. As instituições que recebem utentes apoiados pela Segurança Social sabem bem que a contrapartida que recebem do Estado é insuficiente para cobrir os custos, pelo que têm de ir buscar a outras origens o necessário para que aqueles utentes sejam tratados de uma forma pelo menos digna.

A pandemia mostrou esta realidade e seria bom que a sociedade, como um todo, aproveitasse para alterar o paradigma dos idosos em Portugal, indo observar o que se faz em muitos países europeus, já que tem de ser esse o nosso actual termo de comparação. O Estado, através da Segurança Social, e as inúmeras entidades que intervêm nesta área devem encontrar alternativas ao actual estado de coisas, de forma clara e pensando fundamentalmente na dignidade dos utentes das instituições.

Tornou-se vulgar, quando se fala do número de mortos com ou pelo vírus, acrescentar: ah, mas tinham oitenta e tal ou noventa e tal anos, como se essa idade fosse um anátema e não um prémio pela vida que se levou, contribuindo para se obter tudo aquilo de que os jovens de hoje, que serão os idosos de amanhã, usufruem. Os idosos têm, pela própria evolução da vida, maiores fragilidades, exigindo por isso mesmo mais cuidados e não abandono criminoso. A idade não é algo que se deva esconder e a dignidade humana deve existir até ao momento final. O exemplo dado pelo Papa João Paulo II que, em vez de esconder a degradação da sua condição física, a assumiu publicamente contrasta de forma absoluta com a atitude de Hemingway que, perante a falta de pulsão sexual resolveu o problema indo buscar a caçadeira ao armário e acabando com a vida. Mas, se virmos bem, em ambos os casos tratou-se de assumir o seu destino, ao contrário da tristeza degradante dos lares de 3ª idade portugueses.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Setembro de 2020

Nos cornos da covid: DO VERÃO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

 Convém irmos vendo o que acontece na realidade. Ninguém pergunta por isto ao Ministério da saúde? Porquê?



Nos cornos da covid: DO VERÃO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO: Para vossa reflexão, eis uma análise sobre o morticínio de Verão, a verdadeira "pandemia". A covid, ao pé do que anda a acontecer,...

A vigarice é barata

Soube-se hoje que uma deputada por Castelo Branco acordou com o Tribunal pagar mil euros em troca de ser arquivado um processo por falsificação de documentos.

Portanto o Procurador da República propôs, o Juiz aceitou e a sra. deputada lá se vê livre do processo, que não da vergonha, porque isso pressupõe aceitar que é culpada. Bem, isso era se tivesse vergonha. Nisto andaram todos mal, quanto a mim.

Depois queixem-se de que os portugueses não confiam na Justiça e acreditam que os políticos são todos uns malandros.

Isto numa altura em que o Primeiro- Ministro mostra publicamente ter confiança num indivíduo dirigente do futebol que está a contas com a Justiça por centenas de milhões, enquanto dizia que «à política  o que é da política e à justiça o que é da justiça» quanto ao seu antigo chefe e camarada Sócrates.

Vá lá a gente tentar entender...


 


 

domingo, 13 de setembro de 2020

POLÍTICA E FUTEBOL

 António Costa e Fernando Medina decidiram aceitar o convite de Luis Filipe Vieira para participarem na comissão de honra da sua recandidatura à presidência do clube de futebol Benfica.

António Costa, que se saiba exerce as suas funções primo-ministeriais em exclusividade. O mesmo acontece com Fernando Medina na presidência da Câmara de Lisboa. Já nenhum deles participa na Quadratura do Círculo, isto é, pertence à respectiva cooperativa.

Agora vêm defender que a sua presença na referida comissão se faz a título pessoal nada tendo a ver com as respectivas funções institucionais. Para este efeito não são as mesmas pessoas que exercem aquelas funções. Serão outras, portanto.

E uns jornalistas vão catar num suposto regulamento ético do Governo, para saber se Costa o está a infringir. Mais um frete, claro.

Será preciso muito para perceber que ambos meteram a pata na poça por duas razões?

Em primeiro lugar, política e futebol não casam, devem ser estanques. Por uma questão óbvia de limpeza sanitária do espaço público.

Em segundo lugar, porque a pessoa que estão a apoiar se chama Luis Filipe Vieira. O que lhes devia ter tocado umas campainhas, ao receberem o convite. Por causa de eventuais vigarices de dinheiro que correm pelos tribunais. Muito dinheiro. Centenas de milhões, mesmo.

Mais uma vez cito Rodrigo da Fonseca:

«Nascer entre brutos, viver entre brutos, morrer entre brutos, é triste»