terça-feira, 27 de abril de 2021

Diário de Coimbra

 


KAMOV

 Sobre os negócios espantosos do Siresp e dos Kamov, Henrique Raposo escreveu já em 2017, no Expresso diário (nota: os bichos continuam no chão e ninguém pergunta nada a A. Costa):

«Como relembrou o jornalista Filipe Santos Costa no Expresso, o ministro António Costa e o secretário de estado Rocha Andrade adjudicaram o Siresp em 2006 quando tinham todas as cartas para extinguir o ruinoso negócio. Aliás, Costa e Rocha Andrade rasgaram o contrato original que vinha do governo Santana com base num parecer mais do que negativo da PGR. No entanto, renegociaram o Siresp nas bases técnicas e financeiras que se conhecem. Rocha Andrade volta a ser personagem no negócio dos Kamov, que é obscuro do princípio ao fim. Os Kamov foram contratados à Rússia (primeira perplexidade) e contra pareces técnicos (segunda perplexidade); os aparelhos foram entregues muito fora do prazo e "sob reserva" (terceira perplexidade). "Sob reserva" queria dizer que os aparelhos ainda não podiam funcionar - o que levou a nova espera de dois a t rês anos por aparelho. E aqui entra a quarta e derradeira perplexidade: apesar dos atrasos e falhas, apesar do consórcio já estai· em incumprimento, Rocha Andrade suavizou as penalizações da empresa (15% do valor possível) e aceitou pagai· mais cedo. No final deste festim de impunidade patrocinado por Costa, o Estado teve de alugar outros meios aéreos devido à inoperacionalidade dos Kamov, em 2007 tudo foi acelerado através de ajuste direto e a empresa criada por Costa para gerir os helicópteros (Empresa de Meios Aéreos) foi considerada pelo Tribunal de Contas como um exemplo de desperdício. Resta dizer que os Kamov continuam no chão, não voam.»

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Querida Baixa de então

 


Esta não é uma crónica sobre nostalgia, embora esteja seguro de que vai provocar alguma ou mesmo muita nalgumas pessoas. Sucede que numa destas noites sonhei com situações que se passaram comigo em duas lojas que se situavam na Baixa e que já não existem há muito. Quando acordei dei por mim a lembrar-me de mais algumas dessas lojas e devo confessar que fui atacado por uma enorme saudade.

Resolvi recordar aqui algumas dessas lojas, sem qualquer pretensão de rigor nem de ser exaustivo, já que se há algo que nos prega partidas é a memória, pelo que peço desde já desculpa pelas falhas que houver no texto. Certo é que de todas as lojas que vou referir guardo uma outra recordação pessoal, seja por alguma compra, seja pela interacção com os lojistas.

Vou, pois, convidar-vos a fazer uma piscina pelo canal e quem tiver mais de 50 anos percebe o que eu quero dizer com este convite. Quem não tiver…pergunte a alguém mais velho.

Ao lado da estátua de Joaquim António de Aguiar, o simpático «mata-frades» nascido ali bem perto, existia uma loja de tecidos, o «Novais», onde era possível escolher os tecidos das calças e dos casacos ou mesmo dos fatos, que se mandavam fazer um pouco mais à frente na Ferreira Borges no alfaiate Serafim ou no alfaiate Abito na Sá da Bandeira. Ainda na Portagem, lá estava a Hilda, casa de fotografia do Sr. Varela Pécurto que um dia, nos anos oitenta, foi comigo no helicóptero da BT da GNR fotografar as filas dos pontos de trânsito nevrálgicos de Coimbra, era eu funcionário autárquico.

Quando se queria comprar um «LP» havia a Valentim de Carvalho logo à entrada da Ferreira Borges onde a aparelhagem Rotel permitia ouvir com a maior qualidade. Mais adiante a discoteca da Novalmedina tinha a D. Adelina que tudo conhecia de filmes e músicas, principalmente de esquerda, claro…Na Visconde da Luz o Neves dos Vidros tinha o primeiro andar onde os pequenos estúdios permitiam fazer audição prévia dos discos e onde até o filho do dono, o saudoso Dr. Neves da Costa chegou, quando jovem, a ajudar na escolha.

O Arcádia e a Brasileira eram os cafés de excelência de Coimbra onde no primeiro se reunia a intelectualidade e a política e no segundo, além do café e conversa, se podia ir dar umas tacadas de bilhar no piso superior. Já na Central ia-se comer um éclair de chocolate e no Nicola do Sr. Abelha subia-se ao primeiro andar para comer uma meia torrada acompanhada por um galão depois de a Mãe ter ido ao cabeleireiro Salão Azul, mesmo em frente, escola da maioria dos cabeleireiros de hoje da nossa Cidade. Ao lado a Papelaria Cristal vendia canetas de boas marcas e lá se ia comprar a necessária régua de cálculo para as aulas de matemática do liceu.

Na Casa Amado escolhiam-se os tecidos de decoração para casa, na San Remo uma carteira e na Casa das Luvas as ditas ou outros complementos. Era sempre possível ir ver uma exposição de pintura à Galeria do Primeiro de Janeiro e, com sorte, encontrar o Mestre Mário Silva numa das suas apresentações extravagantes. E quase ao lado íamos cortar o cabelo à magnífica Barbearia Basílio com os seus enormes espelhos. Aqui coexistiam as três grandes livrarias da cidade para o mundo: a Atlântida, a Coimbra Editora e a Novalmedina.

No Último Figurino o Sr. Alfredo Coroado e o Sr. Fausto ajudavam a comprar vestuário da moda ou a escolher uma gravata de seda. Por cima, a boutique Delfieu tinha as últimas novidades mais modernas. A Loja das Gabardinas do Sr. Martins oferecia uma enorme possibilidade de escolha e o pronto-a-vestir incluía ainda ao fundo da Visconde da Luz a Nova Paris dos srs. Fonseca e Flaviano com a sua montra especial. Na Bambi no início da Rua Corpo de Deus íamos comprar as batas escolares e as sapatilhas Sanjo.

Deixando a Ferreira Borges, entrava-se na Visconde da Luz com as ourivesarias: a Patrão com o Sr. Elísio Patrão ajudado pelo Sr. Simões com ourivesaria e relojoaria incluindo a representação da Omega e em frente a Brinca igualmente com o nome da família proprietária estando quase ao lado a Santos do Sr. Santos.

O movimento de pessoas da Baixa justificava a existência do supermercado Colmeia e a Visconde da Luz fechava com a espectacular Perfumaria Galera do saudoso Sr. Ribeiro.


Fora do canal devo recordar o Carlos Camiseiro à entrada da Rua Eduardo Coelho ou “Rua dos Sapateiros” e toda a Rua Adelino Veiga ou «rua dos bazares» com o Hospital das Bonecas, o El Dorado onde o Sr.Manuel ajudava na escolha das malhas Sidney e calças de ganga de marcas variadas, o Saul Morgado que apresentava louça e vidros de todo os tipos nas galerias da cave e os bazares de Coimbra e de Lisboa que nos faziam sonhar com os comboios eléctricos e miniaturas de automóveis da Corgi Toys.

Propositadamente deixo para o fim algumas da lojas que resistiram heroicamente ao vendaval que levou tudo o que acima recordei. O Sr. Jorge Fernandes da Óptica Fernandes, o Sr. Marques da Casa dos Enxovais são queridos amigos que bem mereciam ser homenageados por uma Autarquia que defenda realmente os exemplos de cidadania, capacidade de luta por uma economia próxima e amor à Cidade. Tal como o Sr. José da Costa e o Sr. Cruz com as ourivesarias Costa e Ágata e os Braga com os seus chapéus. E porque os últimos são os primeiros, aqui presto homenagem sentida ao Sr. Cândido Carvalho e sua saudosa mulher Sra. D. Maria João da Loja das Meias (a verdadeira, a de Coimbra). Durante décadas receberam clientes sem olhar a diferenças sociais, sempre com uma simpatia e uma esmerada capacidade de acolhimento e conhecimento profissional que transformavam qualquer cliente num amigo, no que têm no filho um perfeito herdeiro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Abril de 2021

Fotos recolhidas na internet