Esta
não é uma crónica sobre nostalgia, embora esteja seguro de que vai provocar
alguma ou mesmo muita nalgumas pessoas. Sucede que numa destas noites sonhei
com situações que se passaram comigo em duas lojas que se situavam na Baixa e
que já não existem há muito. Quando acordei dei por mim a lembrar-me de mais
algumas dessas lojas e devo confessar que fui atacado por uma enorme saudade.
Resolvi
recordar aqui algumas dessas lojas, sem qualquer pretensão de rigor nem de ser
exaustivo, já que se há algo que nos prega partidas é a memória, pelo que peço
desde já desculpa pelas falhas que houver no texto. Certo é que de todas as lojas
que vou referir guardo uma outra recordação pessoal, seja por alguma compra,
seja pela interacção com os lojistas.
Vou,
pois, convidar-vos a fazer uma piscina pelo canal e quem tiver mais de 50 anos
percebe o que eu quero dizer com este convite. Quem não tiver…pergunte a alguém
mais velho.
Ao lado da
estátua de Joaquim António de Aguiar, o simpático «mata-frades» nascido ali bem
perto, existia uma loja de tecidos, o «Novais», onde era possível escolher os
tecidos das calças e dos casacos ou mesmo dos fatos, que se mandavam fazer um
pouco mais à frente na Ferreira Borges no alfaiate Serafim ou no alfaiate Abito
na Sá da Bandeira. Ainda na Portagem, lá estava a Hilda, casa de fotografia do
Sr. Varela Pécurto que um dia, nos anos oitenta, foi comigo no helicóptero da
BT da GNR fotografar as filas dos pontos de trânsito nevrálgicos de Coimbra,
era eu funcionário autárquico.
Quando se
queria comprar um «LP» havia a Valentim de Carvalho logo à entrada da Ferreira
Borges onde a aparelhagem Rotel permitia ouvir com a maior qualidade. Mais
adiante a discoteca da Novalmedina tinha a D. Adelina que tudo conhecia de
filmes e músicas, principalmente de esquerda, claro…Na Visconde da Luz o Neves
dos Vidros tinha o primeiro andar onde os pequenos estúdios permitiam fazer
audição prévia dos discos e onde até o filho do dono, o saudoso Dr. Neves da
Costa chegou, quando jovem, a ajudar na escolha.
O Arcádia e
a Brasileira eram os cafés de excelência de Coimbra onde no primeiro se reunia
a intelectualidade e a política e no segundo, além do café e conversa, se podia
ir dar umas tacadas de bilhar no piso superior. Já na Central ia-se comer um
éclair de chocolate e no Nicola do Sr. Abelha subia-se ao primeiro andar para
comer uma meia torrada acompanhada por um galão depois de a Mãe ter ido ao
cabeleireiro Salão Azul, mesmo em frente, escola da maioria dos cabeleireiros
de hoje da nossa Cidade. Ao lado a Papelaria Cristal vendia canetas de boas
marcas e lá se ia comprar a necessária régua de cálculo para as aulas de
matemática do liceu.
Na Casa
Amado escolhiam-se os tecidos de decoração para casa, na San Remo uma carteira
e na Casa das Luvas as ditas ou outros complementos. Era sempre possível ir ver
uma exposição de pintura à Galeria do Primeiro de Janeiro e, com sorte,
encontrar o Mestre Mário Silva numa das suas apresentações extravagantes. E
quase ao lado íamos cortar o cabelo à magnífica Barbearia Basílio com os seus
enormes espelhos. Aqui coexistiam as três grandes livrarias da cidade para o
mundo: a Atlântida, a Coimbra Editora e a Novalmedina.
No Último
Figurino o Sr. Alfredo Coroado e o Sr. Fausto ajudavam a comprar vestuário da
moda ou a escolher uma gravata de seda. Por cima, a boutique Delfieu tinha as
últimas novidades mais modernas. A Loja das Gabardinas do Sr. Martins oferecia
uma enorme possibilidade de escolha e o pronto-a-vestir incluía ainda ao fundo
da Visconde da Luz a Nova Paris dos srs. Fonseca e Flaviano com a sua montra
especial. Na Bambi no início da Rua Corpo de Deus íamos comprar as batas
escolares e as sapatilhas Sanjo.
Deixando a
Ferreira Borges, entrava-se na Visconde da Luz com as ourivesarias: a Patrão
com o Sr. Elísio Patrão ajudado pelo Sr. Simões com ourivesaria e relojoaria
incluindo a representação da Omega e em frente a Brinca igualmente com o nome
da família proprietária estando quase ao lado a Santos do Sr. Santos.
O movimento
de pessoas da Baixa justificava a existência do supermercado Colmeia e a
Visconde da Luz fechava com a espectacular Perfumaria Galera do saudoso Sr.
Ribeiro.
Fora do
canal devo recordar o Carlos Camiseiro à entrada da Rua Eduardo Coelho ou “Rua
dos Sapateiros” e toda a Rua Adelino Veiga ou «rua dos bazares» com o Hospital
das Bonecas, o El Dorado onde o Sr.Manuel ajudava na escolha das malhas Sidney
e calças de ganga de marcas variadas, o Saul Morgado que apresentava louça e
vidros de todo os tipos nas galerias da cave e os bazares de Coimbra e de
Lisboa que nos faziam sonhar com os comboios eléctricos e miniaturas de
automóveis da Corgi Toys.
Propositadamente
deixo para o fim algumas da lojas que resistiram heroicamente ao vendaval que
levou tudo o que acima recordei. O Sr. Jorge Fernandes da Óptica Fernandes, o
Sr. Marques da Casa dos Enxovais são queridos amigos que bem mereciam ser
homenageados por uma Autarquia que defenda realmente os exemplos de cidadania,
capacidade de luta por uma economia próxima e amor à Cidade. Tal como o Sr.
José da Costa e o Sr. Cruz com as ourivesarias Costa e Ágata e os Braga com os
seus chapéus. E porque os últimos são os primeiros, aqui presto homenagem
sentida ao Sr. Cândido Carvalho e sua saudosa mulher Sra. D. Maria João da Loja
das Meias (a verdadeira, a de Coimbra). Durante décadas receberam clientes sem
olhar a diferenças sociais, sempre com uma simpatia e uma esmerada capacidade
de acolhimento e conhecimento profissional que transformavam qualquer cliente
num amigo, no que têm no filho um perfeito herdeiro.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Abril de 2021
Fotos recolhidas na internet