Depois de anos a estagnar e perder valor, parecia que o passado glorioso tinha regressado com novas roupagens. O canal era de novo estreito para acolher tanta gente. E, para além dos numerosos turistas de todo o mundo, mas principalmente europeus, as gentes de Coimbra tinham voltado a ganhar o hábito de fazer as suas compras nas lojas da velha Baixa. E não é que os prédios do canal tinham voltado a ser habitados?
Os velhos do Restelo que sistematicamente diziam que a Baixa era irrecuperável e que os novos centros urbanos da Cidade tinham substituído para sempre aquele que tinha sido o inicial comentavam que não era nada de especial: na realidade a brutal recuperação económica do país é que tinha proporcionado as condições para o que se verificava. Claro que tinham alguma razão. Sem as condições económicas favoráveis, nem teria havido capacidade financeira para aplicar as propostas urbanísticas, nem os consumidores teriam um nível de vida capaz para poderem usufruir da oferta comercial. Ainda havia necessidade de garantir um ordenado mínimo, mas o ordenado médio dos portugueses cada vez se afastava mais daquele mínimo que andava agora pela média europeia. Os apoios decididos às empresas, principalmente as exportadoras, para a sua recuperação depois de uma pandemia do início da década de 20 em vez do habitual recurso ao betão, foi crucial para que o país conseguisse ultrapassar décadas de estagnação e deixasse mesmo de depender do turismo e dos ordenados baixos inerentes para conseguir equilibrar as suas contas.
Mas essas tinham sido as condições de contexto exteriores à Cidade. Importantes, sem dúvida, mas não suficientes para a mudança que se verificara. Para além disso, a própria Cidade tinha dado passos decisivos para que o novo presente pudesse ser favoravelmente comparado a um passado que desapareceu.
Desde logo, o comércio da Baixa foi olhado e reorganizado como se de um Centro Comercial se tratasse. A logística dos produtos das lojas foi centralizada num local escolhido junto à Estação Nova, sendo a distribuição efectuada com pequenos veículos eléctricos com acesso a todas as lojas. Um Centro Comercial sem ar condicionado, com ar mais puro e fresco embora com algumas coberturas sobre os prédios, em determinados locais estratégicos. As condições de extrema qualidade e conforto deste novo Centro Comercial Baixa de Coimbra provocaram mesmo que passasse a estar na moda ir fazer compras à Baixa. Até porque a acessibilidade foi estudada a fundo, havendo veículos de transporte público com dimensões adequadas gratuitos com ligação ao resto da Cidade. O parque de estacionamento subterrâneo construído na Av. Navarro em frente entre a Estação Nova e a Portagem foi decisivo para dinamizar o comércio e para chamar moradores para a Baixa. As esplanadas têm uma oferta diversificada e condições de conforto que as tornam apelativas, não só aos turistas, mas também aos conimbricenses das mais diversas classes sociais e grupos etários. Atrás das habituais lojas dos centros comerciais vieram várias lojas do chamado comércio de luxo, tudo ajudando a impor Coimbra como capital indiscutível da região Centro e verdadeira alternativa às metrópoles de Lisboa e Porto.
Tudo não teria sido possível sem uma inédita e profícua colaboração entre a Autarquia, a Universidade, a recuperada associação de Comerciantes e a Agência de Gestão do Comércio da Baixa que sucedeu à antiga APBC. A instalação de várias empresas de índole tecnológica na Baixa foi decisivamente apoiada por estas entidades, trazendo centenas de trabalhadores altamente qualificados, muitos deles estrangeiros que escolheram Coimbra para trabalhar, trazendo as famílias para aqui morar. Sem dúvida que a oferta da Cidade na área da Saúde foi crucial para ajudar a criar essas condições. A velhinha Praça do Comércio não fica hoje atrás, por exemplo, da Praça Real de Barcelona, quer no arranjo do espaço público, quer na utilização comercial, quer na recuperação do edificado em volta, para não falar na movimentação humana.
A criação do Fundo de investimento Coimbra Viva V foi determinante para dinamizar a recuperação do imobiliário de toda a Baixa, tendo o seu êxito radicado na experiência anterior em outros fundos, apresentando a Autarquia esta solução a nível internacional, tendo atraído investidores importantes, sempre com o apoio sustentado de estudos económicos bem elaborados e radicados na realidade.
Assim se conseguiu atrair famílias para a Baixa, num movimento contrário ao que tinha acontecido durante décadas.
Se revisitar o passado, como tive a possibilidade de fazer nestas linhas na semana passada, pode revestir-se de aspectos nostálgicos, uma viagem ao futuro permite sonhar. Mas como o futuro somos nós que aqui estamos hoje, que o construímos da forma que será, se não formos capazes de construir o melhor os únicos responsáveis seremos nós: por falta de sonho e por falta de capacidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Maio de 2021
Fotos retiradas da Internet