segunda-feira, 21 de junho de 2021

Do valor da amizade: os novos tempos

 


A nossa vida é caracterizada por fases calmas, mas também por momentos tempestuosos como as águas do mar tocadas pelo vento e ainda bem, se assim não fosse provavelmente não valeria a pena ser vivida. Mas, por vezes, a agitação das águas excede os limites do suportável e precisamos de uma acção de as acalme, tal como antigamente os marinheiros na tempestade atiravam azeite à água para acalmar a superfície. E esse é um papel que só os verdadeiros amigos estão em condições de cumprir, com dádiva e sem exigências em troca.

Tenho para mim que a capacidade de criar verdadeiras amizades é um dos aspectos essenciais da personalidade, que tem raízes na socialização desde criança e, essencialmente, dos bancos da escola. Daí o meu carinho para com as amizades que tenho desde essa altura da vida, que mantenho até hoje. Nos últimos tempos tenho sido testemunha do valor dessas velhas amizades, por boas e também tristes razões, que a vida não é só composta por momentos felizes e a morte faz obrigatoriamente parte dela, mais cedo ou mais tarde. Mas reencontrar amigos de infância que já não se viam há cinquenta anos, dar um abraço sentido e iniciar conversa como se se estivesse a continuar uma do dia anterior, é consequência de já se ter vivido todo esse tempo mas, sobretudo, sinal de que há sentimentos que nunca morrem. Nada disto será novidade para quem nasceu nos anos 50, 60 ou mesmo 70, sendo certamente o que escrevo partilhado pela imensa maioria desses leitores.

No entanto, os tempos que hoje vivemos vieram trazer novos significados à palavra amizade, mais exactamente ao termo «amigo». Por razões de estratégia comercial as redes sociais adoptaram o termo «amigo» em vez de utente ou mesmo de cliente, criando toda uma nova perspectiva de relacionamento pessoal, principalmente para quem cresce e desenvolve a sua personalidade dentro deste novo ambiente social. Amigo passa a ser quem faz parte uma lista de contactos na internet e não quem connosco partilhou sonhos e ilusões em conversas, olhares tantas vezes silenciosos mas tão significativos como aquelas. Algo que depende de contacto físico directo e não da presença num écran de computador, tablet ou telemóvel. Ainda por cima, os «amigos» são-no frequentemente por razões de educação ou simples cortesia, resultado de aceitação de pedidos de amizade através de «amigos de amigos» que não se conhecem de lado nenhum. Funciona aqui uma espécie de protocolo não escrito, que proporciona até o surgimento de perfis falsos que, através da utilização perfeitamente abusiva de um termo tão simpático como «amigo» é, tantas vezes, gerador dos mais diversos conflitos sociais.

Os telemóveis vieram substituir as agendas de papel onde tradicionalmente se apontavam os mais diversos compromissos, incluindo as datas de aniversário de pessoas amigas ou efemérides a recordar ou celebrar. Tratou-se de um avanço que evitava o trabalho anual de passar manualmente informação da agenda do ano velho para a do novo. Também aqui as redes sociais meteram a mão, ao apropriarem-se das agendas, fornecendo o serviço, à primeira vista simpático e prestimoso de informar «urbi et orbi» sobre as datas dos aniversários dos seus utentes. Como resultado, a maioria das pessoas passou a participar num rebanho de «parabenizadores» diários, tanto maior quanto mais alargado for o seu leque de «amigos» que chega frequentemente aos vários milhares. Resultado oposto é o de que, quem não autoriza que a data do seu aniversário seja pública na rede social, praticamente deixa de receber felicitações nessa data.


Estranhos tempos estes para a manifestação de amizade em que a simples lembrança dos aniversários é deixada ao cuidado das redes sociais, com o facebook à cabeça. Quem não se sujeita à tirania das redes sociais rapidamente passa à situação de ignorado social, quase pária, situação tanto mais bizarra quanto anos de convívio pessoal pareciam terem construído amizades que se poderia imaginar não soçobrarem aos negócios de compra e venda de informação sobre os hábitos e gostos dos utentes. A internet veio facilitar os contactos pessoais e de negócios a um nível global, algo inédito e positivo na história do mundo. A possibilidade de transmitir informação ou de fazer telefonemas com vídeo em tempo real é algo de um valor incalculável para a Humanidade. Mas não nos podemos deixar manipular pessoalmente por tudo aquilo com que nos acenam porque, como no mundo físico, também no mundo cibernético nem tudo o que reluz é ouro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Junho de 2021

Imagens retiradas da internet

É OBRA

 Em 145 concursos da CRESAP, o PS colocou 118 boys e girls nos lugares. O processo principal consiste em colocá-los previamente nos lugares em regime de substituição , ganhando assim currículo para os concursos. Portugal do seu habitual de séculos, só mais refinado.

 


VERÃO

 Não se nota muito pela meteorologia, mas esta madrugada começou o Verão, com a passagem do solistício de Verão.


 


quinta-feira, 17 de junho de 2021

Bazuca

 Como já escrevi antes, para receber a massa que dizem que é oferecida, Portugal vai ter que cumprir os objectivos acordados com a União. Mas não só. O empréstimo subscrito pela UE vai ter que ser pago com os custos a ratear pelo países membros, da forma que depois se verá. Mas, para os portugueses, como António Costa à cabeça, o que interessa é poder «ir ao banco buscar a massa». Depois alguém pagará: os filhos e os netos.





segunda-feira, 14 de junho de 2021

Máscaras sociais

 Uma das vantagens de uma certa idade é agradecer interiormente quando certas personagens fingem que não nos vêem ao passar por elas.

Companhias…


 Mesmo entre países, há companhias que se preferia não ter. Portugal surgiu recentemente numa listagem acompanhado pelos seguintes países europeus: Eslováquia, Eslovénia, República Checa, Polónia, Hungria, Sérvia e Montenegro. Estranha companhia, dir-se-á. E concordo inteiramente. Trata-se dos países europeus (e só escolhi estes de uma listagem muito maior a nível mundial) que desceram de categoria no índice de classificação dos regimes políticos constante do relatório de 2021 do “V-Dem Institute” da Universidade de Gotemburgo, sendo o nível superior o de «democracia liberal» e o índice mais baixo o de «autocracia fechada», que corresponde aos regimes autocráticos que nem sequer realizam eleições. No caso de Portugal o presente relatório desceu a classificação de «democracia liberal» para «democracia eleitoral», surgindo como mais o desfavorável de entre os diversos componentes observados o relativo à componente de participação.

Todos estes “rankings” valem o que valem, como se costuma dizer, mas são importantes por manifestarem pontos de vista independentes e exteriores e essencialmente por permitirem análise de factores muito concretos a que, a certa altura, não damos importância por se nos tornarem demasiado familiares.

Em Democracia, tão importantes como os resultados que ditam quais as forças políticas que irão governar um país, são os processos que lhes dão origem. Isto para além de procedimentos que colocam eleições em causa como manipulação de cadernos eleitorais ou impedimentos ilegítimos de participação nas eleições. Todos sabemos disso. Refiro-me antes a procedimentos permitidos pela Lei, mas que levam os cidadãos a não participar nos actos eleitorais. Por exemplo, os processos de escolha dos candidatos pelos directórios partidários, sem participação dos próprios militantes dos partidos. Ou a impossibilidade de escolha dos deputados pelos eleitores, já que só lhes é permitido escolher por pacotes de nomes, isto é, listas fechadas de candidatos. Ou o facto de os regimentos dos grupos parlamentares dos partidos na Assembleia da República coarctarem a liberdade de voto dos deputados.

Na realidade, o sentimento de que a Democracia se transformou numa partidocracia em que as direcções partidárias aos diversos níveis se substituem progressivamente às vontades dos cidadãos está cada vez mais difundido. Os partidos, ao longo dos anos, foram adoptando aquilo a que antigamente, e numa determinada área política, era o procedimento a que se dava o nome de «centralismo democrático» e que mais não foi sempre do que a maneira de impor a vontade do directório.

Por outro lado, a apropriação do Estado pelos partidos no poder torna-se cada vez mais óbvia e muitas vezes impeditiva do normal funcionamento da sociedade e da economia. A nomeação de militantes ex-governantes para organismos de regulação económica de cuja independência depende o normal funcionamento dos mais diversos sectores só vem acentuar o sentimento de que os partidos metem a mão em tudo, mesmo no que não deviam. As recentes transferências do ex-ministro das Finanças para Governador do Banco de Portugal e da deputada e ex-ministra dos Portos para presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes são apenas os exemplos mais recentes, e inaceitáveis, disso mesmo.

O resultado destas práticas é o progressivo afastamento dos cidadãos da vida pública, que tem duas consequências imediatas, além do enfraquecimento das instituições públicas: a abstenção e o acolhimento de propostas populistas.


Quanto aos populismos, não vale a pena salientar muito esse aspecto que está à vista de todos e falar deles só lhes dá palco. Já a abstenção eleitoral é algo de que nenhum partido gosta que se fale, mas é a resposta popular mais forte à falta de respeito pelos cidadãos e suas vontades. De uma abstenção de 8,5% nas eleições da «festa da democracia» em 1975, passou-se para 33,8% em 1995 e nas últimas eleições legislativas em 2019, já foi a «força política» mais votada: 51,4%. O PS que originou o governo que saiu destas eleições, o actual, teve 36,34% dos votos expressos, mas relativamente aos inscritos, só foi escolha de 17,6% dos cidadãos. Esta é a sua verdadeira representatividade. Todavia, isso não impede que governe sozinho como se dispusesse de uma maioria absoluta e que tome conta de todo o aparelho de Estado como se fosse sua propriedade. Tudo isto com a mais completa passividade ou mesmo conivência das oposições que se preocupam mais com a comida dos animais domésticos, com a liberalização do uso das drogas, ou com os vencimentos deste ou daquele nomeado pelo Governo, passando ao lado do verdadeiro problema, que é a governamentalização do que devia ser nacional.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Junho de 2021.

Imagens retiradas da Internet.

Estudo:  https://www.v-dem.net/media/filer_public/74/8c/748c68ad-f224-4cd7-87f9-8794add5c60f/dr_2021_updated.pdf

quarta-feira, 9 de junho de 2021