Os congressos dos partidos que ocupam o poder, em particular quando o fazem sozinhos, são sempre momentos interessantes de seguir pelo que lá é dito, pelo que fica por dizer, pela encenação e também pelas reacções posteriores que suscitam. O recente Congresso do Partido Socialista não foi excepção.
Costa fez promessas como se estivesse a vender produtos numa feira. Há quem garanta que Costa mede sempre tudo o que afirma, nunca dizendo nem menos nem mais do que pretende em cada momento. Mas, naquela circunstância, será que teve mesmo consciência do que estava a fazer ou andará já naquele distanciamento da realidade que o exercício do poder durante muito tempo por vezes produz? Para se ter uma noção do desfasamento das promessas com a realidade, digamos assim, basta atender às promessas de diminuição do IRS para as classes médias e aumento do abono de família. Em menos de uma semana, o próprio ministro das Finanças veio «explicar» aquelas medidas fazendo, na prática, um desmentido das promessas do primeiro-ministro.
O que não se disse no congresso é que Portugal está a caminhar alegremente para último país da Europa em termos de riqueza, isto é para sermos os mais pobres da União. Nem foi dito que a dívida pública cresceu 40.000 milhões desde o início da pandemia, para ser hoje de 133% do PIB. Enquanto as promessas desfilavam tal como os previsíveis compromissos com o PCP e o BE para garantir a aprovação do próximo Orçamento Geral de Estado, ficava prudentemente omitido o facto de 2.000 milhões já estarem comprometidos à partida, o que só se soube dois dias depois. O que não podia faltar era a eterna lembrança da austeridade e do desemprego nos tempos de Passos Coelho, esse malandro que os praticou por gosto, calando mais uma vez que tudo isso se deveu às políticas de Sócrates e seus governos, de que o próprio António Costa e muitos ministros de hoje faziam parte. Até houve tempo para afirmar que os «mercados» gostam deste governo, ocultando que as reduzidas taxas de juro se devem apenas às políticas actuais do BCE que já detém metade da dívida pública portuguesa e que o volume enorme desta é uma espada de Dâmocles sobre a nossa cabeça.
Já a encenação do Congresso revestiu-se de aspectos bem mais interessantes. A novela ensaiada da sucessão de António Costa no PS serviu para colocar os putativos candidatos, homens e mulheres, numa mesa à parte, como que para os colocar numa montra. E o interessante é que esses militantes se sujeitaram a isso, supostamente com agrado, com a notória excepção de Pedro Santos, que mostrou não achar graça à situação, tendo entrado mudo e saído calado do Congresso já que, como inteligente que é, sabe que é no terreno que conquista o partido e não integrado numa encenação de mau gosto. Que se saiba, apenas reagiu ao comentário de A. Costa de que a sua chegada ao Congresso com atraso se teria devido a «um furo ou adormecido». O ministro respondeu que «o secretário-geral é um brincalhão». Sendo o sec. Geral e o primeiro-ministro uma e a mesma pessoa, estamos conversados sobre o ambiente no topo do Estado.
Restam as reacções externas ao que se passou no Congresso do partido do Governo. A mais notória foi da autoria do presidente da CIP António Saraiva, usualmente tão calmo e cordato, que comparou o que se disse no Congresso à orquestra que continuava a tocar enquanto o Titanic se afundava. Conhecendo a fundo o que se passa verdadeiramente na nossa economia sufocada pelos gastos do Estado e pela dívida pública, sabe que a realidade vai desfazer todas as fantasias políticas, como aconteceu já no passado, por exemplo em 2011. Curiosamente, a comunicação social pretendeu, como mo fez o Director do Público, acalmar as ondas dizendo que nem tudo é uma maravilha nem é um desastre, salientando o meio-termo como a análise mais correcta. Só que a questão é que os sensatos a bordo do Titanic não resolveram nada: num afundamento é a tremenda realidade que se mostra, não há lugar a posições de meio termo. “Remember” Sócrates, acrescento eu.
Já Rui Rio o actual presidente do maior partido da oposição, que supostamente representa permanentemente a alternativa, decidiu falar da falta de ética por no Congresso se ter feito propaganda antes de eleições. Mas não é isso mesmo que os partidos todos fazem? Só que uns estão no poder e outros têm que fazer pela vida. O que interessa verdadeiramente em política é a substância. Vir dizer ainda que as eleições autárquicas de 2025 é que são importantes para o PSD porque mais de 60% dos eleitos socialistas têm que sair nessa altura faz algum sentido? Sim, pelos vistos até faz. O de quem se sente incapaz de convencer os eleitores e apenas espera que quem ocupa o poder se vá embora, no governo, nas câmaras e nas juntas de freguesia, numa posição política para mim completamente incompreensível.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Setembro de 2021
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