O Afeganistão é um país asiático, muito montanhoso, com cerca de 38 milhões de habitantes, limitado a Norte pelo Turquemenistão, pelo Uzbequistão e pelo Tajiquistão, que pertenceram todos à antiga URSS, a Sul e Nascente pelo Paquistão e a Poente pelo Irão. Curiosamente, a Nascente tem ainda uma estreita língua de território entre o Tajiquistão e o Paquistão que só termina numa fronteira com a China, donde ser também o Afeganistão de certa forma vizinho da grande potência asiática; servia esta estreita faixa de separação entre os antigos impérios russo e britânico que, assim, não se tocavam. É um país habitado há milhares de anos, com uma localização privilegiada para as rotas entre o oriente e o ocidente, nomeadamente as antigas chamadas «rotas da seda», tendo sido, em consequência, alvo da cobiça dos mais diversos impérios ao longo da História, desde os tempos de Alexandre o Grande, dos Mongóis, até aos impérios russo e britânico. É devido aos sucessivos insucessos destas tentativas de dominação que o Afeganistão ganhou a designação que vai no título desta crónica.
Mais recentemente, os soviéticos tentaram, a partir de 1979, conquistar o Afeganistão para a área de influência comunista tendo invadido o país numa guerra tão traumatizante para o povo russo como o foi a do Vietname para os americanos. A guerra durou dez anos, tendo terminado com a retirada definitiva em 1989, já com Mikhail Gorbachev na liderança da URSS. Não foi certamente por coincidência que o «muro de Berlim» caiu logo naquele ano e também que a própria União Soviética foi dissolvida pouco tempo depois, em Dezembro de 1991. Como consequência imediata terminou a «guerra fria» que durava desde o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945, dando-se origem a um mundo completamente diferente.
À saída dos soviéticos seguiu-se uma fase de lutas extremamente violentas entre diversos grupos de Mujahideen que terminou em 1996, quando os Talibãs conseguiram o controlo de todo o território afegão. Assim se iniciou um dos regimes mais bárbaros da actualidade, já que um fundamentalismo islâmico muito próprio dos Talibãs (ou estudantes do Islão) foi aplicado a todos os aspectos da vida individual e em sociedade. É impossível esquecer as transmissões, em directo, dos assassínios em massa levados a cabo de forma fria em estádios perante as bancadas cheias de assistência. Tal como o tratamento dado às mulheres, transformadas em meros seres inferiores com as únicas funções de reprodução e satisfação dos desejos sexuais dos homens. Muito mais haveria a dizer, mas por aqui me fico, que a mera recordação daquele regime leva qualquer pessoa normal civilizada ao vómito, lembrando apenas que todos os direitos humanos foram suspensos pelo regime Talibã que governava pelo medo total e absoluto.
O regime Talibã só terminou quando os americanos e aliados invadiram o país, na sequência dos atentados de Setembro de 2001, dado que o regime acolheu e protegeu o grupo dos seus autores sob a liderança de Bin Laden, recusando-se a entregar este último. Recorde-se que a invasão do Afeganistão de 2001 foi sancionada pelas Nações Unidas, ao contrário do que sucedeu no Iraque.
Vinte anos depois, os americanos decidem sair do Afeganistão e só se pode dizer que já não era sem tempo, ou o país passaria a ser um protectorado. A saída começou a ser preparada por Obama, negociada directamente com os Talibãs por Trump e efectuada por Biden. Seria de supor que a saída se processasse de forma organizada, não esquecendo as lições da História, mas foi um desastre que fez lembrar Saigão em 1975. O que se passou foi apenas um puro e simples abandono quer das populações, quer dos militares afegãos deixados à sua sorte, criando-se um vazio que, como seria de supor, foi imediatamente ocupado pelos Talibãs com a maior das facilidades.
Hipocrisias à vista de todos são mais que muitas: de Biden, alijando as suas óbvias responsabilidades no processo de saída, atirando as culpas para os militares afegãos e para Trump; dos europeus que, prevendo já uma vaga de refugiados, acusam os americanos de criarem esta situação, quando são incapazes de constituir umas forças armadas europeias e esperam sempre que outros (os americanos) resolvam os problemas quando necessário; hipocrisia dos que apontam a invasão de há vinte anos como a responsável pela situação e são incapazes de responsabilizar os Talibãs, apenas porque do outro lado estão os americanos ou, melhor dito, o inimigo capitalismo. E não podemos deixar de notar que, se há trinta anos o império soviético se desmoronou logo após a derrota no Afeganistão, a América também se vira agora para dentro, abandonando muitos dos que nela confiavam, evidenciando graves problemas internos que ameaçam colocar em perigo a própria Democracia americana.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Agosto 2021
Imagens recolhidas na internet
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