A Assembleia da República procede anualmente a um debate especial antes de ir de férias em Agosto, que se chama o «Debate do Estado da Nação». Debate normalmente morno, talvez porque os Deputados prevêem já o merecido descanso, depois dos trabalhos de mais um ano parlamentar.
Na realidade, o estado da Nação fica muito mais visível na altura da discussão do Orçamento de Estado, particularmente quando se dá a circunstância de o Governo ser minoritário, sem ter acordo firmado com partidos que lhe forneçam respaldo de votos suficiente para garantir a sua aprovação.
Neste ano de 2021 a discussão do Orçamento de Estado para 2022 levantou mesmo a hipótese de eleições intercalares, caso não seja aprovado. O Presidente da República avisou que seria esse o seu procedimento logo no início da discussão e, a partir daí, estabeleceu-se um clima de pré-crise política. Como António Costa tem garantido desde 2015 o apoio do PCP e do BE em diversas situações, principalmente na garantia de aprovação dos Orçamentos de Estado, os portugueses olham com algum espanto para as afirmações daqueles dois partidos colocando a fasquia muito alta para, com os seus votos, entregarem ao Governo a aprovação do OE. Razões para estas posições têm sido apresentadas várias. A começar pelos resultados das eleições autárquicas, em que o PS continuou a ser o primeiro partido autárquico, mas perdendo bastiões importantes como Lisboa, Coimbra e o Funchal. Contudo, muito piores foram os resultados dos dois partidos mais à esquerda, que sofreram derrotas importantes, que ambos sentirão como sendo consequência do apoio ao PS, durante os últimos seis anos.
Tal como aconteceu em 2011 com a crise internacional, o PS contaria com a pandemia destes últimos dois anos como explicação, ou mesmo como desculpa para os péssimos resultados da sua governação. O problema é que a realidade está a destapar-se perante os portugueses, com uma violência que nem as promessas do PRR conseguem iludir, até porque já toda a gente percebeu que estes dinheiros europeus excepcionais vão funcionar mais como orçamento suplementar do que outra coisa, para que o Estado possa gastar em investimento público o que não gasta desde 2015.
E, se a realidade era já uma evidência perante os olhares mais atentos, começa a surgir aos olhos de todos os portugueses, independentemente da sua condição social ou tendência ideológica. Os problemas gravíssimos do SNS com sintomas evidentes na deficiência generalizada de acesso a médicos de família e centros de saúde, as demissões de responsáveis médicos um pouco por todo o país, a falta de pessoal de saúde crónica nos enfermeiros que se alastra aos médicos, em suma o escandaloso número de seguros de saúde subscritos pelos portugueses e o surgimento em catadupa de oferta privada de serviços de saúde, estão à vista de todos.
Os preços dos combustíveis que toda a gente tem que utilizar, porque os transportes públicos não dão resposta às necessidades, não só de deslocações casa/trabalho mas também para as inúmeras solicitações das famílias devem-se, na sua maior parte, aos impostos arrecadados pelo Estado. Muita gente não tinha consciência disso mas, de repente, esse facto saltou para as televisões e para as capas dos jornais.
A carga de impostos pagos pelos portugueses é das mais altas da Europa. Como os ordenados médios dos portugueses, pelo seu lado, são os mais baixos de todos, o esforço fiscal dos portugueses torna-se cada vez mais insustentável.
Por fim mas não menos importante, segundo as previsões do próprio Governo, no fim dos dois mandatos de António Costa, em 2023, Portugal terá tido um crescimento anual médio de 1,5%, com uma dívida muito maior do que em 2015 em termos absolutos e mais próximo de ser o país mais pobre da União Europeia. Dois milhões e duzentos mil pobres em Portugal em 2021 constituem uma vergonha nacional colectiva.
A realidade acaba sempre por se impor à propaganda e à ficção. Os dois partidos que apoiaram o Governo de António Costa até hoje estarão conscientes do que se passa e não quererão ser eleitoralmente associados a estes resultados, pelo que aproveitam a discussão do OE para se afastar. O espectáculo não é bonito de se ver, já que não discutem o OE em si que pouca margem de manobra permite, antes apresentam propostas de política geral que deveriam constar de acordos gerais de Governo, numa chantagem evidente. O Governo encontra-se numa situação muito complicada, até porque conhece, melhor do que ninguém, a real situação do país. Mas, muito provavelmente, vai ceder em qualquer coisa, para não ficar sozinho como responsável pela situação perante umas prováveis eleições. Será uma vitória de Pirro porque, no próximo ano, o OE para 2023 esse, não será certamente aprovado.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Outubro de 2021