Ao contrário da maioria das opiniões que tenho visto expressas, penso que os debates televisivos desta pré-campanha eleitoral têm sido bastante esclarecedores sobre aquilo a que os partidos se propõem e, melhor ainda, sobre as consequências futuras das escolhas dos eleitores. Claro que o modelo de debates curtos, dois a dois não será perfeito, mas tem vantagens, uma das principais será não deixar os candidatos fugir e esconderem-se na confusão colocando-os na primeira linha sem apelo nem agravo. Já o facto de o debate entre os líderes do PS e do PSD ter tido uma duração várias vezes superior à dos restantes debates é algo que se deve lamentar, esperando que ninguém se lembre de num dia deste colocar as designações dos dois maiores partidos com letras de tamanho superior aos demais!
Comentar os debates, as diferente posições políticas e mesmo as prestações dos vários candidatos é algo que deve ser feito com algum distanciamento e independência, embora todo os cidadãos tenham as suas proximidades ideológicas ou mesmo partidárias. Mas, se há algo a que fugirei aqui é a proselitismos escondidos ou pior ainda, disfarçados, que o respeito por quem me lê não autorizaria nunca.
Dos debates realizados, várias conclusões se podem tirar. Começando pelos partidos da ex-geringonça, tornou-se evidente um passa-culpas pelo chumbo do OE que levou à realização destas eleições antecipadas. PCP e BE tudo fizeram para tentar responsabilizar o PS por isso, mas não me parece que com grandes resultados: ao fim e ao cabo foram eles que, com o seu voto contra, precipitaram o que está a suceder. Já o PS pela voz de António Costa joga no voto útil ao responsabilizar os ex-parceiros, mas não só. Embora António Costa nunca o venha a reconhecer….et pour cause, o resultado da governação da geringonça não é brilhante. Seis anos depois da opção política que lhe deu a hipótese de governar, é possível perceber que boa parte das opções políticas tomadas o foram pela necessidade de garantir o apoio parlamentar do PCP e do BE e não por decisões posições políticas firmes. Basta ouvi-lo hoje classificar as propostas do BE, por exemplo, como sendo meras bravatas ideológicas…
À esquerda o Livre com Rui Tavares surge com uma voz europeísta credível, em claro contraponto com as posições claramente anti-europeístas de comunistas e bloquistas. Costa poderá contar com ele para governar, se for eleito. Já o PAN depois do sucesso das eleições anteriores parece ter perdido fulgor, em boa parte pelas contradições da sua líder no que respeita a actividade empresarial e truques usados, tornados públicos. Sem contar com propostas que soarão estranhas à esmagadora maioria dos portugueses como a proibição da caça e mesmo da pesca desportiva, algo absolutamente disparatado. Mas o PAN, de forma oportunista, coloca-se claramente à disposição para formar maioria, seja à direita, seja à esquerda, o que é ainda mais chocante.
O Chega entrou nos debates, como é habitual com André Ventura, com muito gás e de forma assertiva. Sucedeu, no entanto, que no decorrer dos vários debates, se foi percebendo claramente que as suas propostas concretas são limitadas, reduzindo-se a alguns «sound-bites» muito populistas que vão claramente contra a evolução cultural dos portugueses, levando à descida contínua da sua eventual atracção eleitoral. O discurso de André Ventura teve, no entanto, uma consequência evidente: os partidos da esquerda radical, e não só, que durante anos usaram o discurso anti-fascista contra os partidos da direita, PSD e CDS, têm agora outro alvo em que as acusações aparecem mais credíveis, deixando de certo modo estes partidos mais livres para fazerem as suas propostas, sem que surjam as habituais acusações de neo-liberalismo ou outras.
A Iniciativa Liberal ainda dá os primeiros passos na cena política portuguesa, mas o caminho que está a percorrer augura um papel importante futuro, talvez não tanto pelas suas propostas concretas nestas eleições, mas pelo aplanar das posições contrárias ao liberalismo que a esquerda foi montando na sociedade com muita eficácia ao longo dos anos. Francisco dos Santos do CDS surgiu nestes debates com uma energia que terá surpreendido muita gente e que talvez tenha estancado a transferência de votos para o Chega e para a IL que se vinha a sentir.
Rui Rio mostrou mais uma vez que é na altura crucial dos debates que se sente mais à vontade. Não hostilizando em excesso os partidos da esquerda e mostrando, nos debates com os partidos da direita, que o voto útil no seu partido é a posição mais eficaz para retirar o PS da governação. Foi no debate com Costa que se mostrou mais interventivo e capaz de evidenciar a diferença das suas propostas relativamente às socialistas que assumem a continuidade, com Costa a apresentar o OE 2022 chumbado como a sua arma para o futuro.
A esquerda e a direita surgem mais uma vez, mas agora com mais alternativas, como essenciais à democracia, talvez não como duas faces da mesma moeda, mas como o emaranhamento das partículas definido por Schrödinger em que se sabe em cada momento onde está o conjunto mas não se podendo prever com exactidão a posição concreta de cada um dos dois constituintes, a matéria e a anti-matéria. E só depois do facto concreto, neste caso as eleições, se saberá da posição real de cada um dos constituintes: esquerda e direita.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Janeiro de 2022
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