segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Coimbra, uma marca?

Antes de tudo, foi a geografia que ditou a sua localização, em tempos demasiado remotos para que se date com precisão o início do seu povoamento. Mas os fenícios terão subido o rio desde a foz até onde seria possível a navegação, precisamente onde começavam as montanhas. E, certamente por razões de segurança, nesse primeiro monte se começaram a instalar os diversos povos que haveriam de por ali viver. Com os romanos começamos a ter indícios claros do que se passava, e depois, a partir dos muçulmanos, a História já nos esclarece sobre o que se foi passando em Coimbra até aos nossos dias. Aqui começou a História de Portugal, por ter sido a sua primeira capital e aqui nasceu e acabou por se estabelecer a primeira e por séculos, para o bem e para o mal, a única Universidade portuguesa.

É um facto indesmentível que Coimbra marcou Portugal de forma indelével. Mas no que diz respeito a Coimbra, será que ela própria é, hoje em dia, uma marca? Terá Coimbra interesse em que o seja, tendo vantagens que daí advirão?

Pertencendo Portugal à União Europeia, a competição exerce-se hoje muito mais entre cidades e as regiões a que pertencem, do que entre os próprios países. E, claro, há aqui também diversos campeonatos, sendo diferente a competição entre Madrid e Barcelona, por exemplo daquela entre Viseu e a Guarda. Coimbra é a maior cidade entre Lisboa e Porto, na zona do país a que prefiro chamar Beiras do que Centro. Sofreu durante as últimas décadas de dois factores que parecem competir para lhe diminuir a importância regional e nacional: ensanduichada entre a força centrípeta das duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, encara também a tese da «região centro multi-polar». E, em consequência, se de Lisboa e Porto não saem serviços ou organismos para Coimbra, já de Coimbra têm saído para as outras cidades das Beiras.

Coimbra tem, portanto, que contar exclusivamente com as suas forças e capacidades para se libertar desses constrangimentos e se poder afirmar no campeonato que interessa, o das cidades europeias da mesma dimensão: as chamadas cidades-médias.

Para o conseguir tem que se estabelecer como uma marca, identificando-a primeiro e trabalhando-a aos mais diversos níveis, para a impor nacional e internacionalmente. E só há uma entidade com capacidade e legitimidade democrática para o fazer: a sua Câmara Municipal.


Mas não pode pensar que basta fazer promoção que mais se confunde com propaganda, nem mesmo montar campanhas de marketing que se podem comprar em qualquer agência de comunicação e só têm efeitos imediatos. Para esse efeito tem que se organizar internamente de uma forma inteiramente inovadora e diferente das estruturas habituais. Tem que partir de um conhecimento aprofundado do historial da Cidade, a nível sociológico, económico, mas também urbanístico. E introduzir a sua marca própria nos próprios instrumentos de planeamento estratégico da Cidade. Tendo também que, obrigatoriamente, envolver todas as forças políticas nessa definição, para além dos principais organismos da cidade, como Universidade, Instituto Politécnico, Centro Hospitalar Universitário e organizações patronais e sindicais.

O sucesso da candidatura a Capital europeia da Cultura em 2027 poderá ser um instrumento poderoso na definição estratégica do futuro, mas só se introduzir melhorias perenes e não for um fogo-de-artifício efémero que apenas deixe ficar mais uns equipamentos de cara manutenção e difícil rentabilização futura.

Criar e expandir a Marca de Coimbra terá implicações a diversos níveis. Desde logo na imagem exterior da cidade o que, como é sabido, depende largamente da forma como será percepcionada, o que só por si exige competência e conhecimentos variados. Tal como potenciará a vinda de investimentos nacionais e estrangeiros, com consequências positivas a nível da economia local, que bem precisada anda. E, certamente não o menos importante de tudo, alterará significativamente o modo como os próprios conimbricenses olharão a sua própria cidade.

Antes de tudo, foi a geografia que ditou a sua localização, em tempos demasiado remotos para que se date com precisão o início do seu povoamento. Mas os fenícios terão subido o rio desde a foz até onde seria possível a navegação, precisamente onde começavam as montanhas. E, certamente por razões de segurança, nesse primeiro monte se começaram a instalar os diversos povos que haveriam de por ali viver. Com os romanos começamos a ter indícios claros do que se passava, e depois, a partir dos muçulmanos, a História já nos esclarece sobre o que se foi passando em Coimbra até aos nossos dias. Aqui começou a História de Portugal, por ter sido a sua primeira capital e aqui nasceu e acabou por se estabelecer a primeira e por séculos, para o bem e para o mal, a única Universidade portuguesa.

É um facto indesmentível que Coimbra marcou Portugal de forma indelével. Mas no que diz respeito a Coimbra, será que ela própria é, hoje em dia, uma marca? Terá Coimbra interesse em que o seja, tendo vantagens que daí advirão?

Pertencendo Portugal à União Europeia, a competição exerce-se hoje muito mais entre cidades e as regiões a que pertencem, do que entre os próprios países. E, claro, há aqui também diversos campeonatos, sendo diferente a competição entre Madrid e Barcelona, por exemplo daquela entre Viseu e a Guarda. Coimbra é a maior cidade entre Lisboa e Porto, na zona do país a que prefiro chamar Beiras do que Centro. Sofreu durante as últimas décadas de dois factores que parecem competir para lhe diminuir a importância regional e nacional: ensanduichada entre a força centrípeta das duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, encara também a tese da «região centro multi-polar». E, em consequência, se de Lisboa e Porto não saem serviços ou organismos para Coimbra, já de Coimbra têm saído para as outras cidades das Beiras.

Coimbra tem, portanto, que contar exclusivamente com as suas forças e capacidades para se libertar desses constrangimentos e se poder afirmar no campeonato que interessa, o das cidades europeias da mesma dimensão: as chamadas cidades-médias.

Para o conseguir tem que se estabelecer como uma marca, identificando-a primeiro e trabalhando-a aos mais diversos níveis, para a impor nacional e internacionalmente. E só há uma entidade com capacidade e legitimidade democrática para o fazer: a sua Câmara Municipal

Mas não pode pensar que basta fazer promoção que mais se confunde com propaganda, nem mesmo montar campanhas de marketing que se podem comprar em qualquer agência de comunicação e só têm efeitos imediatos. Para esse efeito tem que se organizar internamente de uma forma inteiramente inovadora e diferente das estruturas habituais. Tem que partir de um conhecimento aprofundado do historial da Cidade, a nível sociológico, económico, mas também urbanístico. E introduzir a sua marca própria nos próprios instrumentos de planeamento estratégico da Cidade. Tendo também que, obrigatoriamente, envolver todas as forças políticas nessa definição, para além dos principais organismos da cidade, como Universidade, Instituto Politécnico, Centro Hospitalar Universitário e organizações patronais e sindicais.

O sucesso da candidatura a Capital europeia da Cultura em 2077 poderá ser um instrumento poderoso na definição estratégica do futuro, mas só se introduzir melhorias perenes e não for um fogo-de-artifício efémero que apenas deixe ficar mais uns equipamentos de cara manutenção e difícil rentabilização futura.

Criar e expandir a Marca de Coimbra terá implicações a diversos níveis. Desde logo na imagem exterior da cidade o que, como é sabido, depende largamente da forma como será percepcionada, o que só por si exige competência e conhecimentos variados. Tal como potenciará a vinda de investimentos nacionais e estrangeiros, com consequências positivas a nível da economia local, que bem precisada anda. E, certamente não o menos importante de tudo, alterará significativamente o modo como os próprios conimbricenses olharão a sua própria cidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Fevereiro 2022

Imagens recolhidas na internet

 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Sylvie Vartan ~ La Plus Belle Pour Aller Danser

SOFIA

 Neste dia especial em que a minha neta Sofia celebra o seu décimo aniversário, partilho uma das obras do seu já vasto portfólio



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

D. Vataça Lascaris

 


O que faz um majestoso túmulo muito antigo, para além de tudo ostentando as águias bicéfalas de Bizâncio numa Igreja de Coimbra, no caso a Sé Velha, perguntar-se-á um visitante curioso ao passar no lado do Evangelho daquele templo. Ainda por cima, a figura jacente do túmulo é de uma mulher, não havendo notícia de outras mulheres relevantes na Coimbra daqueles tempos, para além da Rainha Santa e de Inês de Castro.

O túmulo é de D. Vataça Lascaris, neta do imperador de Aleixo Comeno, da casa imperial dos Lascaris Vatatzes Komnenos, imperadores de Bizâncio-Niceia, por sua mãe a princesa Eudoxia Lascaris; pelo lado do seu pai o Conde Guilherme Pedro, descendia dos Condes de Ventimiglia, do Norte de Itália. Terá nascido por volta de 1270, tendo deixado a península italiana e ido viver para Aragão com a sua mãe após a morte do pai, dado o parentesco com a Casa Real.

A 11 de Fevereiro de 1282, celebrou-se em Barcelona o casamento do Rei D. Dinis com D. Isabel de Aragão tendo D. Vataça acompanhado a nova rainha de Portugal, sua familiar, integrada no seu séquito, assim se definindo a sua vida futura. Em Portugal, D. Vataça veio a casar com Martim Anes de Soverosa, muito mais velho do que ela, o qual veio a falecer poucos anos depois, em 1295 sem que, ao que se saiba, tenham tido filhos.

A sua viuvez bem como a ligação íntima com a rainha levaram a que tivesse acompanhado como camareira-mor a infanta D. Constança, filha de D. Dinis e D. Isabel quando esta foi para Castela em 1297 para casar, em Alcanizes, com o rei Fernando IV de Castela e Leão, após as lutas conhecidas entre os reinos irmãos. Na sequência da morte precoce de D. Constança ocorrida em 1313, apenas um mês depois de ter enviuvado e dos conflitos dinásticos que se lhe seguiram, D. Vataça regressou a Portugal. Há algum debate sobre as razões efectivas deste regresso para Portugal, por parte de alguém com imenso poder e património em terras espanholas, havendo quem defenda que, após ter enviuvado, D. Vataça terá tido uma relação de que eventualmente nasceu uma criança, uma menina que D. Vataça teria ter tido que proteger com enormes cuidados, o que ajudaria a explicar o seu regresso não havendo, no entanto, provas de que tal tivesse acontecido realmente.

Tendo vivido vários anos no palácio em Santiago do Cacém, onde tinha a sua própria corte, após a morte do rei D. Dinis, ocorrida em 1325, acompanhou ainda mais de perto a rainha D. Isabel, com quem foi morar nos paços de Santa Clara, junto do Mosteiro das clarissas Sendo uma mulher de uma enorme riqueza pessoal, que chegou a comprar castelos, passou a viver uma vida despojada junto da sua grande amiga Isabel. Contudo, para morada eterna encomendou para si própria um túmulo a Mestre Pêro, igualmente o autor do túmulo da Rainha Santa. Este último ficou no Mosteiro de Santa Clara, enquanto o de D. Vataça foi destinado à Sé de Coimbra, hoje a Sé Velha, a quem destinou grande parte da sua riqueza pela sua morte em 1336. A escultura jacente é magnífica, fazendo justiça à grandiosidade da princesa bizantina que representa, cujo «poder imperial» é marcado pelas águias bicéfalas, simbolizado o absoluto: a vida e a morte.

D. Vataça foi uma mulher que aliou ao poder material inerente ao seu nascimento, por pertencer a várias cortes, uma excepcional capacidade de influenciar reis, príncipes e dignitários religiosos do seu tempo, numa acção profícua do que hoje chamaríamos alta diplomacia, em particular nos reinos de Portugal, Castela e Aragão. Não por acaso, e é muito relevante para a compreensão da sua formação superior, entre as suas riquezas avultava uma biblioteca de vinte livros, num tempo em que um livro era um objecto extraordinário quer pelo pergaminho que era feito, quer por ser escrito e pintado de forma inteiramente manual. E é certamente de grande significado o facto de ter escolhido a Sé de Coimbra para o seu repouso eterno, sendo para mim um mistério a razão por que a sua história não é mais conhecida na nossa Cidade que parece tender a dar mais importância a mitos do que a personagens verdadeiras e significativas da nossa História.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Fevereiro de 2022

Foto do autor

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

PELA PAZ NA EUROPA


Da Europa de Leste chega, de novo, o som dos tambores de guerra. O conflito entre a Federação Russa e a Ucrânia ameaça sair dos salões diplomáticos e passar a uma fase militar de consequências imprevisíveis, mas que seriam sempre trágicas para as populações, a começar pelas locais.

A recordação dos eventos de há cem anos que levaram às duas denominadas guerras mundiais deverá estar sempre presente, por circunstâncias que poderiam parecer menores saírem fora do controlo e levarem a tragédias de dimensão dantesca. O assassinato do arquiduque herdeiro do Império Austro-Húngaro Francisco Fernando em Sarajevo, na Bósnia, em 28 de Junho de 1914 não parecia conter, só por si, os ingredientes para levar toda a Europa e parte do mundo a uma guerra. Mas o que aconteceu foi isso mesmo, provocando uma hecatombe de dezenas de milhões de mortos militares e civis e o desaparecimento de quatro impérios. Oficialmente, a Segunda Guerra Mundial começou com a invasão alemã da Polónia em 1 de Setembro de 1939 com a consequente declaração de guerra pela França e pela Inglaterra. Contudo, em Março desse mesmo ano Hitler havia já invadido e ocupado a Checoslováquia sem que tivesse havido qualquer reacção internacional. A fim de conter os ímpetos imperialistas do regime nazi, a Inglaterra e a França tinham acordado com a Alemanha o Pacto de Munique em Setembro de 1938, concedendo a Hitler o «direito» a ocupar o chamado país dos sudetas na defesa do que chamava «o espaço vital da Alemanha» o que, na prática, o autorizava a invadir a Checoslováquia, algo considerado de menores consequências. O que se passou a seguir todos nós, infelizmente, sabemos o que foi.

A Ucrânia é um vasto país (com os seus mais de 600.000 km2 é mesmo o maior em território exclusivamente europeu) com fronteiras a Leste com a Rússia, a Sul com os mares Negro e de Azov, a Moldávia e a Roménia, a Norte com a Rússia e a Bielorrússia e a Ocidente com a Polónia, a Eslovénia e a Hungria. Trata-se de um país com civilizações de milhares de anos, considerado o celeiro da Europa, que tem o azar de se situar na confluência de impérios e rota de invasões várias.

Este país que sempre nos foi estranho, a nós portugueses, tornou-se-nos familiar nos últimos trinta anos pela vinda de milhares de ucranianos e ucranianas que para cá vieram viver, a maioria temporariamente, para fugir às tensões políticas e carências que se fizeram sentir no seu país, em particular após 1991. E penso não estar errado se dizer que na generalidade se trata de pessoas afáveis, educadas, trabalhadoras e de uma grande simpatia.

Foi de facto em 1991 que a Ucrânia se tornou um país independente, depois da desagregação da antiga URSS. O fim da «guerra fria» ditou profundas alterações no leste europeu, tendo muitos países do antigo Pacto de Varsóvia decidido integrar a União Europeia com grande sucesso no seu crescimento económico, diga-se mesmo. Hoje em dia, dos países que confinam com a Ucrânia somente a Rússia, a Bielorrússia e a Moldávia não fazem parte da União Europeia. Contudo, o apelo ocidental é fortíssimo, o que se traduz numa hipersensibilidade russa que nunca abandonou as suas tendências imperialistas de séculos. Situação que se torna ainda mais complicada porque muitos desses países, para sacudir a pressão russa, decidiram integrar igualmente a NATO, sendo essa uma organização militar que prevê a ajuda colectiva a qualquer membro atacado. E, neste momento, dos países vizinhos da Ucrânia só aqueles três acima referidos não fazem também parte da NATO, com a circunstância de, a Sul do Mar Negro se situar a Turquia, também membro da NATO.

A partir do momento em que a Ucrânia manifestou interesse em aderir à NATO, no que parece ser um direito de soberania seu, o conflito latente com a Federação Russa tornou-se efectivo. Putin não aceita sequer uma moratória de vinte anos para a integração da Ucrânia na aliança militar ocidental e começou a deslocar tropas e material bélico para a fronteira dos dois países e mesmo para a sua aliada Bielorrússia cuja fronteira com a Ucrânia está a escassas dezenas de quilómetros de Kiev, a capital ucraniana. Tudo leva a crer tratar-se da defesa de outro «espaço vital» que vem adicionar-se aos conflitos que em 2014 levaram à anexação da Crimeia pela Rússia e a conflitos permanentes nas designadas «repúblicas» de Donetsk e Luhansk.

Os sinais são todos de um perigo efectivo, potenciado pela falta de democracia dos três países em causa e mesmo por episódios anteriores com o actual e o anterior presidentes americanos e por alguma atitude militarista exagerada dos responsáveis da NATO. A União Europeia sofre de vários males, dos quais um dos menores não será a falta de uma política comum de defesa e mesmo de capacidade militar efectiva, a que acresce a dependência energética da Rússia cuja economia depende hoje quase exclusivamente desse factor. Um conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia poderia muito facilmente alastrar ao resto da Europa, tal como há cem anos. Cabe a nós europeus, -em cada um dos nossos países, exigir dos governantes atitudes firmes mas sensatas perante os interesses dos dois países em disputa, com consciência viva do perigo que espreita de novo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Janeiro de 2022

Imagem recolhida na internet