Durante grande parte da sua História, designadamente a partir do Séc. XVI, Portugal viveu virado para o mar, em consequência da gesta dos descobrimentos marítimos e da construção de um Império. Em consequência, a nossa ligação à Europa diminuiu significativamente, situação que só terminou com a independência das antigas colónias e participação na CEE, hoje a União Europeia, já perto do fim do Séc. XX.
Mas, até aos descobrimentos, e apesar de estarmos na sua extremidade ocidental e geograficamente mesmo com alguma excentricidade, a nossa ligação à Europa foi sempre muito íntima, podendo mesmo considerar-se como umbilical. Hoje em dia não se pode olhar para a formação da nossa nacionalidade sem a integrar nos movimentos europeus da época, os séculos XII e XIII.
O rei fundador, D, Afonso Henriques, era neto do rei de Leão e Castela Afonso VI pelo lado da mãe D. Teresa, mas descendia directamente de Hugo Capeto, rei de França, pelo lado do pai, o conde D. Henrique que veio da Borgonha para a Península Ibérica. Assim se firmaram as bases para a expansão da cristandade na Ibéria de acordo com as novas ideias religiosas de Cluny defendidas por Hugo, cunhado do duque da Borgonha, cuja sobrinha Constança era a mulher de Afonso VI. A ligação umbilical do condado Portucalense a França é assim evidente e foi decisiva na acção de D. Afonso Henriques na expansão do território através da conquista de territórios aos mouros e na transformação do condado Portucalense no reino de Portugal. Para o que contribuiu largamente o apoio de militares europeus e ordens militares religiosas integradas na acção geral conhecida por Reconquista Cristã da Península Ibérica.
Toda a primeira Dinastia e ainda a segunda são pautadas por uma íntima ligação ibérica e europeia de Portugal, através da política de casamentos com as casas reais europeias. Normalmente esses casamentos verificavam-se com casas de França/Borgonha/Flandres ou Barcelona, Aragão, Castela ou Leão. Mas quando olhamos para o historial dessas ligações matrimoniais, às vezes surgem surpresas que nos fazem perguntar, como e porquê se verificaram. Em vez de simples leitura curiosa de livros de História, só pesquisa profissional ou a sorte de encontrar o livro certo permiirão responder adequadamente àquelas perguntas. É o caso dos casamentos de duas infantas portuguesas que foram casar com reis da longínqua Dinamarca. D. Berengária, filha do rei D. Sancho I e de D. Dulce de Barcelona e de Aragão foi casar com o rei da Dinamarca Valdemar II, e a sua sobrinha D. Leonor, filha do rei D. Afonso II e de D. Urraca filha do rei de Castela D. Afonso VIII, sendo irmã dos reis D. Sancho II e D. Afonso III, viria a casar com o rei Valdemar III. É muito provável que o facto de ser filho de D. Afonso III, educado nas cortes da Dinamarca e de França e depois conde de Bolonha por casamento, antes de vir para Portugal reinar em substituição do seu irmão D. Sancho II, tenha tido uma grande importância na formação e educação excepcionais do rei D. Dinis, prova da importância das ligações internacionais da corte portuguesa.
Já os casamentos das duas infantas portuguesas, tia e sobrinha, com reis da Dinamarca no início do Séc. XIII constituem algo mais difícil de entender. Na realidade, a Jutlândia fica perto da extremidade setentrional da Europa enquanto Portugal está bem a sul, sendo enormes as diferenças sociais e culturais entre os dois países, já nesses tempos. Terão sido consequência da permanência de D. Berengária junto de sua tia Teresa de Portugal, condessa da Flandres e Duquesa da Borgonha, na corte francesa. Assim se teria estabelecido alguma ligação com a corte dinamarquesa, pelo casamento do rei de França Filipe II. O relacionamento entre as cortes portuguesa e dinamarquesa teria tido um passo intermédio passando pela corte francesa, o que explicaria a sua concretização
Mas do que parece não poder não haver dúvidas é do profundo entrosamento do Portugal medieval com a Europa de então, que ia desde o Mediterrâneo até ao Báltico. Os casamentos desse tempo, e aqui apenas abordo alguns da I Dinastia, significavam não apenas a deslocação de um dos cônjuges, mas de toda uma companhia pessoal incluindo guarda própria, para além das trocas de títulos nobiliárquicos e de propriedades nos países envolvidos. A II Dinastia começaria com nova ligação à Europa, no caso a Inglaterra, e viria a dar «novos mundos ao mundo», mas isso já é outra História, excepcional a todos os títulos.
Por isso mesmo não podemos ficar admirados com a facilidade com que os portugueses se integraram na actual União Europeia, muito para além dos acordos políticos. Diria mesmo que os portugueses se sentem hoje como europeus por inteiro, mesmo apesar de tantos erros dos nossos governantes.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Maio de 2022
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