Através de vários sinais já havia uma sensação difusa de que uma das consequências da pandemia em Portugal se traduziria num agravamento da pobreza em Portugal. Contudo, não havia ainda um estudo sistemático da situação, baseado em números concretos, que nos permitisse ter uma visão clara da realidade.
A publicação do Relatório de 2022 sobre «A Pobreza e a Exclusão Social em Portugal», baseado em dados do Instituto Nacional de Estatística, já no corrente mês de Outubro veio colmatar essa lacuna. O Relatório baseia-se nos dados recolhidos até ao fim do ano de 2021 pelo que, como é normal, não reflecte com exactidão a situação actual que já evoluiu relativamente ao fim do ano passado. Claro que, com a inflação de 2022 que ultrapassou há menos de uma semana o valor de 10%, a situação descrita no relatório só pode ter piorado.
E a realidade espelhada naquele relatório é verdadeiramente assustadora e passo a citar as principais informações nele contidas. Desde logo, viviam em Portugal mais de 2.300 mil pessoas em risco de pobreza ou mesmo exclusão social, o que significa uma taxa de 22,4%, logo mais de um quarto da população portuguesa. Isso significa praticamente 1.900 mil pessoas com um rendimento disponível por adulto equivalente a menos de 554,42 euros mensais, enquanto 770 mil pessoas viviam com um rendimento mensal inferior a 370 euros. Relativamente ao relatório anterior, a evolução foi de um aumento do risco de pobreza ou exclusão social de 12%, correspondendo a mais 256 mil pessoas, no que terá sido o maior aumento anual do risco de pobreza ou exclusão social verificado em Portugal desde 2005.
O Relatório indica ainda quais as consequências concretas imediatas desta situação de pobreza ou de exclusão social. Por exemplo, 16,4% da população portuguesa não tinha em 2021 capacidade financeira para manter a casa devidamente aquecida. Tal como 31,1% não tinha capacidade para fazer face a uma despesa inesperada de 540 euros sem recorrer a um empréstimo e 2,4% da população não tinha dinheiro para ter uma refeição de carne ou peixe pelo menos de dois em dois dias, proporção que sobe para os 6% na população em risco de pobreza.
Ainda de acordo com o Relatório, comparando com os restantes países da União Europeia, a conclusão é de que apenas a Eslováquia teve um aumento da pobreza ou exclusão social superior a Portugal como consequência da pandemia, tendo o nosso país passado a ser aquele que tem o triste oitavo lugar relativamente à proporção da população a viver este tipo de vulnerabilidade económica e social.
A situação envergonha-nos a todos, como cidadãos, mas devia envergonhar ainda mais os governantes que temos e que temos tido ao longo dos anos, cuja acção ou falta dela nos trouxe até aqui.
E, infelizmente, a perspectiva que temos pela frente é ainda pior. De facto, durante o ano de 2022 não há perda nominal de rendimentos da população portuguesa. Mas a inflação traduz-se numa perda de poder de compra que, na realidade, significa uma perda real de rendimentos. Com a agravante de essa perda ser muito mais significativa precisamente nas faixas de população com menor capacidade de enfrentar a inflação, pobres e idosos, bem como todos os pensionistas.
E, aqui, não é possível deixar de referir a autêntica aldrabice (e não devemos nem ter podemos ter medo das palavras perante o que se passa) a que o Governo está a sujeitar os pensionistas deste país, o que aliás foi muito bem explicado por um deputado do Bloco de Esquerda no Parlamento há poucos dias durante a discussão do Orçamento de Estado para 2023. Só faltou ainda mostrar que, além do corte sistemático das pensões futuras, justificado com uma suposta insustentabilidade da Segurança Social baseada em números falsos porque incompletos, a meia pensão adiantada no corrente mês está sujeita a IRS e pode mesmo atirar o pensionista para um escalão superior, não havendo compensação nos escalões de 2022 por causa da inflação. O Governo que enche a boca com os lucros excessivos das empresas por causa da inflação é o mesmo que enche os cofres com os nossos impostos sem devolver o excesso, nem sequer a quem mais sofre com este imposto escondido.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Outubro de 2022
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