O que distingue a democracia de outros regimes políticos é que o poder assenta na vontade do povo. Claro que a representatividade introduz um filtro ao exercício desse poder que, em consequência, é praticado em nome do povo através de instituições que, essas sim, derivam do escrutínio popular através de eleições livres e democráticas.
Mas não é por isso que muitos políticos deixam de estar com “o povo” ou “as pessoas” como agora é moda dizer, na ponta da língua, ainda que, muitas vezes, o seu interesse directo esteja bem longe dos interesses e preocupações do tal povo. Quererá isso dizer que a maioria dos políticos é apenas populista? Não o creio, mas a distinção não é fácil, até porque cair na tentação do populismo é muito mais fácil do que possa parecer à primeira vista.
Será então conveniente dispormos de um critério mais ou menos seguro que nos diga quando é que um político é populista, até porque se trata de uma acusação muito frequente e tida como sendo de grande gravidade, mesmo como uma abominação política. Quando um político se coloca na posição de defesa do “Povo” contra os interesses de uma ou várias elites, aí está o populismo em acção. O populismo não apresenta uma definição de soluções político/ideológicas para os problemas, mas apenas uma utilização demagógica de questões reais, colocando sectores sociais inteiros contra os que “estão lá em cima”, os que têm lucros à custa da pobreza alheia, os que “recebem subsídios sem trabalhar”, etc. Na realidade, o populismo nem será verdadeiramente uma ideologia, mais parecendo apenas um processo fácil de conseguir apoios populares que permitam chegar ao poder; claro que é frequente que, depois de alcançado esse objectivo, se continue a utilizar o populismo para manter as populações no engano através da utilização dos meios que a comunicação proporciona.
Todos nós conhecemos casos destes, seja noutras partes do mundo, seja em Portugal. E nem se trata de uma questão de esquerda ou direita: basta observar os casos que a História nos oferece na América Central ou do Sul para verificar isso, normalmente com uma característica em comum: elevada inflação.
E é a inflação que está, infelizm
ente, na origem de uma tomada de posição recente de alguns dos nossos dirigentes políticos com maiores responsabilidades. Nos últimos dias todos pudemos ver, ouvir e ler o Presidente da República, o Primeiro Ministro e o líder do PSD, além de outos, utilizarem um populismo que se lhes julgava impensável pelas altas funções que exercem, para atacar afirmações produzidas pela Presidente do BCE, Christine Lagarde. O Primeiro Ministro chegou mesmo a tentar desenvolver uma nova teoria económica, atribuindo as responsabilidades da inflação aos elevados lucros de empresas. Mas todos se atiraram ao BCE como sendo responsável pela subida de juros, que é sabido ser a única solução conhecida para controlar a subida excessiva da inflação, elegendo o Banco Central Europeu como inimigo do povo, por desejar o mal das pessoas comuns.
Nenhum destes responsáveis deveria seguir este caminho populista. Pela simples razão de que todos sabem muito bem que a inflação cresceu à custa da demasiada liquidez na economia que se deve precisamente aos baixos juros e à continuidade demasiado prolongada no tempo de apoio a alguns países com elevada dívida, como é o caso de Portugal. E todos eles sabem que os países do Euro, entre os quais Portugal se inclui, abdicaram de soberania no que respeita às taxas de juro e de câmbio. E que essa abdicação teve como paga os milhares de milhões de euros que temos recebido da União Europeia, cujo destino é ditado precisamente pelos nossos governantes, embora os resultados não se vejam muito claramente, por assim dizer. E também sabem que não era por estar em Portugal que as suas afirmações deixavam de se dirigir a todos os países do Euro e não especificamente a Portugal. Como sabem muito bem que outras acusações que fizeram a Lagarde não correspondiam verdadeiramente ao que ela disse.
Todos temos de estar cada vez mais atentos relativamente ao que políticos afirmam, para que não nos deixemos enganar pelo populismo, venha ele de onde vier. Porque se a Democracia tem grandes vantagens sobre outros regimes ao apoiar-se sobre a Liberdade, essa é também a sua maior fragilidade, por permitir que a tentem minar por dentro. Cabe a todos nós exercer a nossa cidadania e assim desmontar todos os populismos, mesmo que venham de democratas que por vezes cedem a essa tentação de criticar quaisquer elites só para dizer ao povo o que este gostará de ouvir nesse momento, ainda que a verdade ande bem longe.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Julho de 2023
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