segunda-feira, 24 de julho de 2023

LÍDERES, MAS POUCO

 

Um percurso profissional e pessoal variado traz em si experiências concretas que ajudam a fornecer uma visão muito real sobre o que até há pouco tempo se chamava “recursos humanos” e hoje se conhecem mais por “activos”, que inclui surpresas que, por vezes, se julgaria impossíveis. Mas acabam por ser muito mais frequentes do se poderia imaginar. Refiro-me, neste caso, a personalidades que atingem o topo das organizações em que se inserem, logo consideradas como extremamente capazes e mesmo competentes na sua área, mas que nessa posição mostram fragilidades antes desconhecidas que ferem gravemente a sua actuação daí para diante.

Todos conhecemos o ditado popular “não suba o sapateiro além da chinela” mas não é de nada disso que se trata. Falo de pessoas que até certa altura pareceram mais do que capazes mas que, de facto, ao chegarem ao topo mostram não terem os requisitos para a liderança.

Em instituições públicas, designadamente na área política, é muito requente, diria mesmo demasiadas vezes, isso acontecer. Na minha opinião tal é consequência de duas ordens de razão principais. Em primeiro lugar, as carreiras políticas desenvolvem-se no interior dos partidos, naquilo a que se costuma chamar uma bolha que se defende do exterior, permitindo a subida até patamares onde o poder passa a ser significado automático de “competência”; como os eleitos são designados previamente pelas direcções partidárias aos diversos níveis, os escolhidos são essencialmente os “yes-men” que passam a infestar tudo o que é ministério, secretaria de estado, direcção geral ou afins. Por outro lado, trabalho a sério em empresas é coisa que é desconhecida da esmagadora parte desse pessoal político. Vão subindo na hierarquia, entre comissões e assembleias até, eventualmente, chegarem a ministros ou mais, onde a sua incompetência desabrocha de forma magnífica. Torna-se assim muito fácil entender por que, entre os líderes políticos ou ligados ao Estado, se detectam personalidades que não fazem a mínima ideia do que andam a fazer, nem das consequências das suas decisões já que lá está, se tornou como critério de sucesso os resultados eleitorais seguintes que tudo apagam. Alguns mostram mesmo evidentes sinais de problemas mentais, mas nunca denunciados por medo do poder que detêm.

Claro que na vida privada, isto é, as empresas de cujos resultados saem todos os impostos que sustentam o Estado, existem filtros que normalmente impedem a incompetência de crescer no seu interior, sob pena de fecharem as portas. Mas a personalidade humana é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. E, ao longo da vida, assisti a situações espantosas pela sua implausibilidade, porque a inteligência e a competência técnica não preenchem por completo as condições para se ser bom administrador. Acontece por vezes, tal como é tantas vezes notório no sector público, que um certo deslumbramento provocado pela boa situação financeira, mas também pelo exercício de poder junto de quem está próximo, cega um excelente administrador quando passa a presidente. Ainda que tenha sido um excelente professor universitário na sua área e que tenha gerido nas suas áreas com a maior competência. Aquele saltinho para a posição que já não tem ninguém acima para olhar os seus actos faz toda a diferença. E catrapás, lá se estatela a todo o comprimento.

Na área privada, as consequências de situações deste género reflectem-se na empresa e outras partes directamente interessadas como os accionistas e trabalhadores. Já no sector público, as lideranças incompetentes passeiam-se sem grandes problemas porque se estabelecem cortinas a tapar a realidade, que raramente são abertas. E as consequências caem sobre toda a população.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Julho de 2023

segunda-feira, 17 de julho de 2023

CRÓNICA DE UM TEMPO QUE PASSA

 



Imersos que estamos em informação que nos chega em permanência com origens as mais diversas, desde as mais próximas às mais afastadas, através dos mais diferentes meios, por vezes torna-se difícil que nos apercebamos completamente da velocidade dos acontecimentos e da sua importância para o nosso futuro colectivo.

Bastaram alguns dias de distração relativa às notícias causada por um maior e feliz acompanhamento das netas para, regressando ao ritmo habitual, deparar com uma chuva de notícias que nos deveriam fazer pensar no que nos reserva o futuro próximo e mais longínquo.

Começando pelo exterior, fiquei a saber que o presidente Putin reuniu com Prigozhin e dezenas de comandantes do grupo mercenário Wagner escassos cinco dias depois do motim que todos seguimos em directo pela TV. Declaração de incapacidade política mais evidente será difícil. Deve ser por isso mesmo que, surpresa das surpresas, o presidente da Turquia decidiu aceitar a entrada da Suécia na NATO, depois de a Finlândia ter feito o mesmo. O que coloca Putin perante novas grandes dificuldades atendendo ao domínio da Turquia sobre os acessos navais ao Mar Negro. A própria Ucrânia viu ser constituído um grupo de contacto permanente com a NATO que funcionará até à futura adesão à organização militar ocidental. Apesar de tudo, não foi grande surpresa que o único país da União Europeia a ter manifestado críticas a essa futura adesão tenha sido a Hungria, país que já deveria ter sido colocado na ordem pela União, devido à sua deriva anti-democrática. Tal como, atendendo a tudo o que tem acontecido nesta guerra desde Fevereiro de 2022, Putin demonstra de novo a sua maneira de encarar o povo ucraniano bombardeando as principais cidades do país mártir durante várias noites sucessivas. Isto enquanto o alter-ego de Putin chamado Medvedev ameaçou mais uma vez com a Terceira Guerra Mundial a propósito das notícias sobre a colocação de minas na maior central nuclear da Europa em Zaporíjia. Com a sua invasão à Ucrânia iniciada em 2014 e elevada a um novo patamar em 2022, Putin está a conseguir tudo aquilo que dizia querer evitar com esta guerra: A Ucrânia vai, mais cedo ou mais tarde, entrar na União Europeia integrando-se definitivamente na Europa das liberdades, tal como a NATO cobre hoje um arco desde o Mediterrâneo ao Ártico passando pelo Mar Báltico, estando mais unida do que nunca. E, no fim desta guerra absurda em território europeu, irá definir-se mesmo uma nova ordem internacional, mas com a Rússia muito mais rodeada por países da Aliança Atlântica, enquanto do outro lado a China está cada vez mais poderosa, económica e militarmente.

Mas a nível nacional, embora evidentemente com outras consequências, uma série de notícias de certa forma chocantes marcaram também estes dias. Poderia ter sido de outra forma, mas não foi: o Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito às relações entre poder político e gestão da TAP foi aprovado apenas com os votos favoráveis do PS. Depois de tudo o que se passou perante os nossos olhos, o resultado foi este, claramente resultado da existência de uma maioria absoluta no Parlamento. É que nem se tentou fingir que a situação é outra que não esta. Aliás, para marcar ainda mais essa posição política, o Ministro da Cultura considerou que “a CPI contribuiu para a degradação da imagem das instituições e da democracia”. Sendo o seu pelouro a Cultura, não nos passa pela cabeça que desconheça o que se passa em inquéritos parlamentares de democracias bem mais antigas e estabilizadas que a nossa, como a americana e a britânica. A 13ª demissão de um membro do Governo que tem pouco mais de um ano, por ser suspeito de corrupção, não mereceu do seu Primeiro-Ministro mais do que um leve comentário de que os portugueses têm mais com que se preocupar, com assuntos económicos. Para terminar esta leva de notícias, só faltava mesmo assistir em directo pela TV à entrada da Justiça em casa de Rui Rio no âmbito de uma investigação judicial.

Está um cidadão calma e placidamente alheio de notícias durante poucos dias e quando acorda cai-lhe tudo isto em cima. Não sei o que será, mas estação pateta é que este Verão não está a ser.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Julho de 2023

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 10 de julho de 2023

O POPULISMO ANDA POR AÍ


O que distingue a democracia de outros regimes políticos é que o poder assenta na vontade do povo. Claro que a representatividade introduz um filtro ao exercício desse poder que, em consequência, é praticado em nome do povo através de instituições que, essas sim, derivam do escrutínio popular através de eleições livres e democráticas.

Mas não é por isso que muitos políticos deixam de estar com “o povo” ou “as pessoas” como agora é moda dizer, na ponta da língua, ainda que, muitas vezes, o seu interesse directo esteja bem longe dos interesses e preocupações do tal povo. Quererá isso dizer que a maioria dos políticos é apenas populista? Não o creio, mas a distinção não é fácil, até porque cair na tentação do populismo é muito mais fácil do que possa parecer à primeira vista.

Será então conveniente dispormos de um critério mais ou menos seguro que nos diga quando é que um político é populista, até porque se trata de uma acusação muito frequente e tida como sendo de grande gravidade, mesmo como uma abominação política. Quando um político se coloca na posição de defesa do “Povo” contra os interesses de uma ou várias elites, aí está o populismo em acção. O populismo não apresenta uma definição de soluções político/ideológicas para os problemas, mas apenas uma utilização demagógica de questões reais, colocando sectores sociais inteiros contra os que “estão lá em cima”, os que têm lucros à custa da pobreza alheia, os que “recebem subsídios sem trabalhar”, etc. Na realidade, o populismo nem será verdadeiramente uma ideologia, mais parecendo apenas um processo fácil de conseguir apoios populares que permitam chegar ao poder; claro que é  frequente que, depois de alcançado esse objectivo, se continue a utilizar o populismo para manter as populações no engano através da utilização dos meios que a comunicação proporciona.

Todos nós conhecemos casos destes, seja noutras partes do mundo, seja em Portugal. E nem se trata de uma questão de esquerda ou direita: basta observar os casos que a História nos oferece na América Central ou do Sul para verificar isso, normalmente com uma característica em comum: elevada inflação.

E é a inflação que está, infelizm


ente, na origem de uma tomada de posição recente de alguns dos nossos dirigentes políticos com maiores responsabilidades. Nos últimos dias todos pudemos ver, ouvir e ler o Presidente da República, o Primeiro Ministro e o líder do PSD, além de outos, utilizarem um populismo que se lhes julgava impensável pelas altas funções que exercem, para atacar afirmações produzidas pela Presidente do BCE, Christine Lagarde. O Primeiro Ministro chegou mesmo a tentar desenvolver uma nova teoria económica, atribuindo as responsabilidades da inflação aos elevados lucros de empresas. Mas todos se atiraram ao BCE como sendo responsável pela subida de juros, que é sabido ser a única solução conhecida para controlar a subida excessiva da inflação, elegendo o Banco Central Europeu como inimigo do povo, por desejar o mal das pessoas comuns.

Nenhum destes responsáveis deveria seguir este caminho populista. Pela simples razão de que todos sabem muito bem que a inflação cresceu à custa da demasiada liquidez na economia que se deve precisamente aos baixos juros e à continuidade demasiado prolongada no tempo de apoio a alguns países com elevada dívida, como é o caso de Portugal. E todos eles sabem que os países do Euro, entre os quais Portugal se inclui, abdicaram de soberania no que respeita às taxas de juro e de câmbio. E que essa abdicação teve como paga os milhares de milhões de euros que temos recebido da União Europeia, cujo destino é ditado precisamente pelos nossos governantes, embora os resultados não se vejam muito claramente, por assim dizer. E também sabem que não era por estar em Portugal que as suas afirmações deixavam de se dirigir a todos os países do Euro e não especificamente a Portugal. Como sabem muito bem que outras acusações que fizeram a Lagarde não correspondiam verdadeiramente ao que ela disse.

Todos temos de estar cada vez mais atentos relativamente ao que políticos afirmam, para que não nos deixemos enganar pelo populismo, venha ele de onde vier. Porque se a Democracia tem grandes vantagens sobre outros regimes ao apoiar-se sobre a Liberdade, essa é também a sua maior fragilidade, por permitir que a tentem minar por dentro. Cabe a todos nós exercer a nossa cidadania e assim desmontar todos os populismos, mesmo que venham de democratas que por vezes cedem a essa tentação de criticar quaisquer elites só para dizer ao povo o que este gostará de ouvir nesse momento, ainda que a verdade ande bem longe.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Julho de 2023

Imagens recolhidas na internet