O exercício da actividade de cronista nos jornais consiste basicamente em comunicar com os concidadãos através da palavra escrita. Quem o faz poderá, portanto, ser designado como um comunicador específico não me parecendo abusivo apelidá-lo de cronicador.
As crónicas têm muito frequentemente o objectivo mais ou menos claro de influenciar os leitores nesta ou naquela direcção seja em política seja em qualquer outra área social. Aproveito para esclarecer que ao escrever “leitores” não estou a menosprezar as mulheres que me leem pela simples razão de que, em português, aquele termo abrange homens e mulheres, pela mesma razão pela qual também não se diz “portuguesos” e portuguesas e sim simplesmente portugueses”; aqui o respeito a ter é mesmo pela língua em que somos, sendo para mim incompreensível que responsáveis políticos aos mais altos níveis embarquem em tal confusão; claro que erros qualquer um os pode ter e, pessoalmente, já nestas páginas tive alguns, do que aliás me penitencio junto de todos os leitores.
Mas a escrita regular de crónicas pode ter em vista algo de muito diferente. Desde partilhar conhecimentos que na óptica do autor não deverão ficar fechados em qualquer academia, mas também de experiências vivenciadas, para além de comentários e críticas sobre a realidade que vivemos. Desta forma se estabelece uma ligação entre autor e leitores, que habitualmente permanece algo submersa surgindo, no entanto, à superfície em certas situações muitas vezes imprevistas.
No meu caso, já são mais de vinte anos de crónicas, que tiveram início num artigo publicado no saudoso “Comércio do Porto” ainda nos anos oitenta. A partir daí surgiram as publicações no Diário de Coimbra, jornal a que decidi manter-me fiel apesar de outros convites, mantendo a actual série semanal às segundas-feiras já há mais de dezassete anos.
Escrever crónicas torna-se facilmente um hábito, possibilitando a abordagem dos mais diversos temas e até ensaios pontuais de estilos diferentes de escrita. Mantenho, contudo, a recusa do chamado novo acordo ortográfico que considero estúpido, ineficiente perante os objectivos que perseguia e mesmo desvirtuador da língua portuguesa.
Claro que, à medida que as crónicas se vão sucedendo, o mesmo sucede aos anos que passam com uma velocidade que não se imagina quando jovem. Em consequência, também a visão sobre o mundo vai evoluindo, o que se reflecte nos escritos. É verdade que noto um acréscimo de irritabilidade perante a mentira, a incompetência e completa irresponsabilidade de figuras públicas a quem se deveria aplicar o ditado de “não suba o sapateiro além da chinela”. Mas em geral o olhar sobre o que nos rodeia tornou-se mais suave e até meigo perante os desfavorecidos e fracos em geral, sem falar do carinho todo ele especial pelos netos. E as amizades! Algo que para todos nós imagino que tenha sido muito importante na juventude, os amigos, regressa com uma força inusitada. Libertos que nos encontramos dos horários laborais, voltamos a ter o prazer de conversar sobre tudo e mais alguma coisa, sem preocupações nem cuidados com o que se diz. Passar um dia de semana com velhas amizades com quem há anos não convivia desta forma como me sucedeu na semana passada não tem preço. Às vezes parece mesmo que os astros fazem por se alinhar.
E acabo por reconhecer um certo espírito desculpabilizante perante as afirmações de muitos daqueles que acima referi e que têm responsabilidades a nível colectivo, por terem sido escolhidos democraticamente: afinal eles são fruto da sociedade construída pela minha própria geração e, provavelmente, a mais não serão obrigados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Setembro 2023
Imagens recolhidas na internet