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sexta-feira, 3 de setembro de 2021
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
segunda-feira, 30 de agosto de 2021
Coimbra e mobilidade segura
Há poucos dias a PSP divulgou ter realizado uma acção de controlo de corridas ilegais de automóveis nas ruas da nossa Cidade. Só podemos bater palmas e agradecer por essa acção. Mas não chega. O problema das corridas de carros transformados existe, mas restringe-se a determinados locais bem conhecidos só sendo surpreendente que não haja mais acções policiais nos dias em que toda a gente sabe que se realizam. Mas o problema do excesso de velocidade nas nossas ruas é muito mais vasto, perigoso e resulta de vários factores que concorrem todos para que seja uma realidade diária um pouco por toda a cidade.
A falta de policiamento permanente e eficaz é uma evidência diária. Por alguma razão, seja por falta de dinheiro ou de pessoal efectivo para andar nas ruas, seja por uma qualquer política policial estratégica, para além de alguma viatura da polícia a passar de vez em quando ou haver operações stop em determinados locais, quase sempre os mesmos, não há policiamento nas ruas. Nem é uma questão apenas de trânsito, é também a segurança geral nas ruas que está em causa e não vale a pena atirarem-nos areia para os olhos com estatísticas fantásticas de segurança: como eu já vi apenas por andar na rua, a distribuição de droga entre a baixa e a Praça da República, por exemplo, é praticada às escâncaras sem qualquer tipo de problema.
O crescimento urbano de Coimbra durante o século XX verificou-se como em quase todo o país privilegiando a utilização do automóvel, à qual todos os outros modos de transporte são subordinados. Com a agravante de não ter havido planeamento urbanístico, pelo que não existe hierarquia viária consistente.
Assistimos hoje em dia em todo o mundo a uma mudança muito rápida do paradigma da mobilidade urbana, com recuperação de modos tradicionais mas alterados com a evolução tecnológica, como as bicicletas ou as trotinetas, além de se passar também a percorrer distâncias maiores a pé. Todas estas mudanças exigem das autoridades públicas uma nova maneira de encarar a mobilidade urbana, criando condições de convivência segura entre os diversos modos de transporte, sem esquecer as políticas de estacionamento e de transporte público que deverão ser interligadas e eficientes do ponto de vista ambiental, mas também económico.
A velocidade prevista no Código da Estrada para a circulação no interior das localidades, que é de 50Km/h não é cumprida pela maior parte dos condutores apesar de, em muitas situações, aquele valor já ser em si excessivo. Por isso, as autoridades municipais deveriam ter um cuidado muito particular em proteger os utentes, em particular os peões, em determinadas situações concretas. Por exemplo, nas proximidades de zonas escolares, a velocidade máxima deveria ser restringida a 30Km/h. Tal como as passadeiras de peões semaforizadas deveriam ser todas dotadas de sistemas de radar detector de excesso de velocidade à aproximação de veículos com a dupla função de proteger os peões e restringir a velocidade de circulação. A título de exemplo recordo que, em Paris, a presidente da câmara municipal Anne Hidalgo anunciou que todos os transportes municipais vão circular a um máximo de 30Km/ a partir de 30 de Agosto.
O nosso Código da Estrada prevê, desde as alterações de 2013, a possibilidade de serem criadas Zonas de Coexistência, onde o peão é considerado como elemento privilegiado em relação ao tráfego motorizado e onde é imposta a velocidade máxima de 20 Km/h. Estas zonas têm muitas vantagens relativamente ao corte puro e simples da circulação automóvel. Mas a resistência à mudança de mentalidades e de capacidade de resposta às novas exigências de cidadania por parte das nossas autarquias é tão grande que não se conhece ainda qualquer criação de Zona de Coexistência deste tipo. Coimbra não foge à regra. Já que estamos em campanha eleitoral autárquica, que tal as candidaturas abordarem este tema? Estas zonas são já vulgares em países como a Alemanha, o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, França, Japão, Israel e Suíça, pelo que nem será preciso inventar nada.
Curiosamente, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária publicou em 2020 um Manual de Apoio às Zonas Residenciais e de Coexistência que fornece apoio técnico às autarquias que pretendam adoptar esta solução para áreas específicas das cidades, pelo que nem a falta de normalização e regulamentação pode ser apontada como desculpa para a sua não concretização. Acresce, como pormenor interessante para Coimbra, que da equipa técnico-científica do referido Manual fazem parte dois distintos colegas engenheiros professores de Eng. Civil da nossa Universidade, o Prof. Doutor Álvaro Seco e a Prof. Ana Bastos Silva, pelo que o apoio científico para a melhoria da nossa cidade nestes aspectos está, como se costuma dizer, à mão de semear. É só uma questão de vontade política.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Agosto de 2021
Imagens recolhidas na internet
Sobre «manutenção» de jardins públicos.
Num dia destes, no meu passeio matinal com o cachorro, encontrei uma equipa de pessoal a tratar de uma zona ajardinada anexa ao Mosteiro de Celas, junto ao acesso do antigo pediátrico, onde se encontra a funcionar provisoriamente uma unidade de saúde de Celas. Aquilo estava, de facto, um verdadeiro nojo e precisava de limpeza. O pessoal estava a utilizar máquinas de corte de fio. No dia seguinte passei lá de novo. Os sacos e outros recipientes de plástico que lá estavam no meio do matagal lá continuavam, agora reduzidos a pequenos pedaços e mesmo micro pedaços, que ninguém se deu ao trabalho de os recolher e levar para local adequado. Mas pior, muito pior, é que afinal a área em causa tinha um sistema de rega automática, tendo os aspersores sido quase todos destruídos e deixados no local como o resto. E isto já não é desleixo ou incompetência: é crime económico! Nem sei se a brigada era da Câmara, da Junta de Freguesia ou de empresa contratada, nem me interessa. O que importa é a forma como os espaços públicos são tratados, do ponto de vista ambiental, mas também económico.
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
Outra vez «o cemitério dos impérios»
O Afeganistão é um país asiático, muito montanhoso, com cerca de 38 milhões de habitantes, limitado a Norte pelo Turquemenistão, pelo Uzbequistão e pelo Tajiquistão, que pertenceram todos à antiga URSS, a Sul e Nascente pelo Paquistão e a Poente pelo Irão. Curiosamente, a Nascente tem ainda uma estreita língua de território entre o Tajiquistão e o Paquistão que só termina numa fronteira com a China, donde ser também o Afeganistão de certa forma vizinho da grande potência asiática; servia esta estreita faixa de separação entre os antigos impérios russo e britânico que, assim, não se tocavam. É um país habitado há milhares de anos, com uma localização privilegiada para as rotas entre o oriente e o ocidente, nomeadamente as antigas chamadas «rotas da seda», tendo sido, em consequência, alvo da cobiça dos mais diversos impérios ao longo da História, desde os tempos de Alexandre o Grande, dos Mongóis, até aos impérios russo e britânico. É devido aos sucessivos insucessos destas tentativas de dominação que o Afeganistão ganhou a designação que vai no título desta crónica.
Mais recentemente, os soviéticos tentaram, a partir de 1979, conquistar o Afeganistão para a área de influência comunista tendo invadido o país numa guerra tão traumatizante para o povo russo como o foi a do Vietname para os americanos. A guerra durou dez anos, tendo terminado com a retirada definitiva em 1989, já com Mikhail Gorbachev na liderança da URSS. Não foi certamente por coincidência que o «muro de Berlim» caiu logo naquele ano e também que a própria União Soviética foi dissolvida pouco tempo depois, em Dezembro de 1991. Como consequência imediata terminou a «guerra fria» que durava desde o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945, dando-se origem a um mundo completamente diferente.
À saída dos soviéticos seguiu-se uma fase de lutas extremamente violentas entre diversos grupos de Mujahideen que terminou em 1996, quando os Talibãs conseguiram o controlo de todo o território afegão. Assim se iniciou um dos regimes mais bárbaros da actualidade, já que um fundamentalismo islâmico muito próprio dos Talibãs (ou estudantes do Islão) foi aplicado a todos os aspectos da vida individual e em sociedade. É impossível esquecer as transmissões, em directo, dos assassínios em massa levados a cabo de forma fria em estádios perante as bancadas cheias de assistência. Tal como o tratamento dado às mulheres, transformadas em meros seres inferiores com as únicas funções de reprodução e satisfação dos desejos sexuais dos homens. Muito mais haveria a dizer, mas por aqui me fico, que a mera recordação daquele regime leva qualquer pessoa normal civilizada ao vómito, lembrando apenas que todos os direitos humanos foram suspensos pelo regime Talibã que governava pelo medo total e absoluto.
O regime Talibã só terminou quando os americanos e aliados invadiram o país, na sequência dos atentados de Setembro de 2001, dado que o regime acolheu e protegeu o grupo dos seus autores sob a liderança de Bin Laden, recusando-se a entregar este último. Recorde-se que a invasão do Afeganistão de 2001 foi sancionada pelas Nações Unidas, ao contrário do que sucedeu no Iraque.
Vinte anos depois, os americanos decidem sair do Afeganistão e só se pode dizer que já não era sem tempo, ou o país passaria a ser um protectorado. A saída começou a ser preparada por Obama, negociada directamente com os Talibãs por Trump e efectuada por Biden. Seria de supor que a saída se processasse de forma organizada, não esquecendo as lições da História, mas foi um desastre que fez lembrar Saigão em 1975. O que se passou foi apenas um puro e simples abandono quer das populações, quer dos militares afegãos deixados à sua sorte, criando-se um vazio que, como seria de supor, foi imediatamente ocupado pelos Talibãs com a maior das facilidades.
Hipocrisias à vista de todos são mais que muitas: de Biden, alijando as suas óbvias responsabilidades no processo de saída, atirando as culpas para os militares afegãos e para Trump; dos europeus que, prevendo já uma vaga de refugiados, acusam os americanos de criarem esta situação, quando são incapazes de constituir umas forças armadas europeias e esperam sempre que outros (os americanos) resolvam os problemas quando necessário; hipocrisia dos que apontam a invasão de há vinte anos como a responsável pela situação e são incapazes de responsabilizar os Talibãs, apenas porque do outro lado estão os americanos ou, melhor dito, o inimigo capitalismo. E não podemos deixar de notar que, se há trinta anos o império soviético se desmoronou logo após a derrota no Afeganistão, a América também se vira agora para dentro, abandonando muitos dos que nela confiavam, evidenciando graves problemas internos que ameaçam colocar em perigo a própria Democracia americana.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Agosto 2021
Imagens recolhidas na internet
quinta-feira, 19 de agosto de 2021
segunda-feira, 16 de agosto de 2021
“Futebolização” da sociedade
Peço desculpa aos leitores pelo abuso da língua portuguesa que é a utilização de um termo que não constará dos dicionários, mas não encontrei outro que significasse de forma óbvia e imediata a apropriação da linguagem, mas também da nossa vida pelos fenómenos ligados ao desporto-rei que é o futebol.
Esse jogador genial que se chama Lionel Messi saiu do seu clube de há muitos anos e chorou por isso, mas logo sorriu perante a colossal manifestação de recepção feita pelos adeptos do novo clube. Clube esse, o Paris Saint-Germain, que é hoje financiado pelo monarca do Qatar, facto esse que permite esquecer todos os atropelos aos direitos humanos de que a Europa se ufana ser defensora estreme. Para além dos investidores como o referido Tamin bin Hamad Al Thani, ou os oligarcas russos, o magnífico desporto que é o futebol é hoje uma indústria alimentada pelo entusiasmo dos seus apreciadores, seja pela sua presença nos estádios, seja pelas transmissões televisivas, pagas a preço de ouro e em adiantado. Messi irá receber do novo clube cerca de 41 milhões de euros por ano, havendo notícias de que o Barcelona, o seu anterior clube, gastou com ele cerca de 600 milhões nos últimos três anos, o que deixou o clube na bancarrota, ou quase. Nem vale a pena referir os valores recebidos pelo nosso Cristiano Ronaldo, que é um dos desportistas mais bem pagos do mundo. Os valores dos ordenados das estrelas do futebol, bem como os custos das suas transferências entre clubes, com comissões para os seus representantes e dirigentes constituem uma das facetas mais opacas da indústria do futebol. Tal como os tais investimentos dos «donos» milionários dos clubes que apenas permitem supor que tipo de negócios estão por trás e que muito claros e dignos não serão, certamente.
Entre nós, passados os jogos olímpicos e recomeçado o campeonato nacional, regressam as horas infindáveis de conversa televisiva sobre os jogos realizados, que ocupam praticamente todas as estações, mantendo bem acesa a chama do sectarismo clubístico. Mesmo as intervenções judiciais relacionadas com corrupção dos dirigentes máximos passam para segundo plano, como se não tivessem a ver com toda a organização da indústria do futebol. Embora mais limitados do que internacionalmente, os vencimentos pagos pelos nossos principais clubes não têm nada a ver com o que os portugueses, na sua generalidade, recebem pelo seu trabalho. E é impressionante que se ache um exagero que um primeiro-ministro ganhe uns 5 mil euros por mês, enquanto se aceita calmamente que muitos futebolistas recebam bem mais que isso…diariamente.
Tal como não se percebe que seja admissível que os nossos impostos sirvam para pagar o acompanhamento policial daquelas manifestações de pura barbárie que são as entradas das claques nos estádios. E não me venham com a conversa de que” ah e tal, tu não gostas é de futebol, se não compreendias isso, porque é assim mesmo”. Na minha opinião, é exactamente ao contrário. Ninguém que goste verdadeiramente de ver desporto pode aceitar estas situações fora e dentro dos estádios, que levam a que não se possa levar crianças a assistir, quer por razões de segurança, quer para evitar que achem normais ali situações que em mais lado nenhum são permitidas. A clássica teoria que explica o entusiasmo nas competições desportivas como positivo por permitir, de forma pacífica, sublimar as tensões que sempre se desenvolvem no dia-a-dia não se aplica aqui. Pela simples razão de que aquilo a que se assiste é tudo menos pacífico.
O futebol tem passado, nas últimas décadas, muita da sua linguagem característica para a actividade política, sinal da sua influência crescente na sociedade. A militância política tem-se vindo a tornar em partidarismo cego à medida que os referenciais ideológicos têm vindo a dar lugar à pura e simples procura do poder e sua manutenção, à maneira do sectarismo clubístico que pressupõe que qualquer acto é justificado desde que garanta a “nossa vitória”.
Mas existe outro aspecto do futebol que tem tido uma influência verdadeiramente desastrosa na política. Trata-se do eterno recomeço que é a história dos campeonatos de futebol. Terminado um, logo começa outro que pode ser completamente diferente, não tendo nada a ver com o anterior. Esta lei da vida do futebol transposta para a política significa que os diversos governos que se sucedem agem como se não tivessem nada a ver com os anteriores porque, lá está, trata-se de ciclos diferentes. Nada de mais errado. As consequências das medidas tomadas em cada governação mantêm-se durante muitos anos depois de tomadas, para o bem e para o mal, mesmo durante os novos «ciclos» que lhes sucedem. Muito diferentemente do que sucede no futebol. E as pessoas parecem tender a esquecer-se cada vez mais disso, à medida que a linguagem imediatista do futebol invade o mundo mediático.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 16 de Agosto de 2021
Imagens retiradas da internet