As manifestações de jovens a propósito da recente Cimeira do Clima das Nações Unidas COP27 realizada há pouco mais de uma semana em Sharm el-Sheik, no Egipto, arriscam-se a ser apenas mais uma daquelas situações que põem todas as televisões e jornais a correr para o mesmo sítio, sem tratar de mais nada, para logo ser substituída por outra notícia qualquer e cair imediatamente no esquecimento. No caso, claro está, o mundial de futebol no Qatar e toda a nova revolta social à volta do caso, umas vezes verdadeira e outras revelando apenas hipocrisia. Mas as manifestações dos jovens preocupados e mesmo apavorados com as alterações climáticas não deviam ser esquecidas. Claro que alguns aspectos das manifestações foram exagerados ou mesmo despropositados, mas isso não nos devia fazer esquecer alguns aspectos que merecem ponderação.
Desde logo, os jovens reagem, como é próprio da sua idade, a um ambiente social e político de extremo alarme perante as alterações climáticas resultante, tanto de posições de responsáveis políticos e aqui lembro as palavras do Sec. Geral das Nações Unidas António Guterres, como da comunicação social. E foi lamentável ver posições de governantes e responsáveis educativos que mostraram total indiferença pelos sentimentos dos jovens, bem como uma enorme incompreensão: só assim se percebe que um ministro da Economia reúna com manifestantes muito jovens para lhes perguntar por soluções para um problema que existe à escala mundial.
Depois, a preocupação extremada dos jovens com o seu futuro e a própria sobrevivência da humanidade por causa das alterações climáticas é muito semelhante ao que se passou na Europa nos anos 70 e 80 do séc. passado. A Guerra Fria que se seguiu à Segunda Grande Guerra levou cada um dos dois blocos em presença a dotar-se de armamento nuclear capaz de destruir a vida animal e vegetal de vários planetas Terra, incluindo a humanidade. A paz era garantida por um equilíbrio de terror, baseado no conhecimento de que quem começasse a guerra nuclear seria igualmente destruído, porque a resposta do outro lado seria total e automática. Em particular na Europa que se encontrava entre a América e a União Soviética, os dois pólos militares da Guerra Fria, foi crescendo um sentimento de insegurança e até niilismo perante a situação muito fomentado por ideias sociais explosivas surgidas na altura, misturando Marx, Freud e Sartre, fundamentalmente com Marcuse na Escola de Frankfurt. Quando os soviéticos instalaram mísseis SS20 na Alemanha de Leste dita Democrática, os americanos avançaram com a instalação dos seus Pershing, do lado ocidental. E os jovens alemães ocidentais apavorados e manipulados pelas novas ideias saíram para a rua a protestar violentamente sob o lema «antes vermelhos, que mortos».
Mas o alheamento perante os recentes protestos dos jovens tem ainda outro significado. A sociedade portuguesa sofre de uma evidente anemia, uma das consequências da acção do Governo da chamada Geringonça e do actual que lhe sucedeu, que acompanha a descida contínua de Portugal no ranking da riqueza produzida. Os efeitos foram eventualmente acentuados pela pandemia que isolou ainda mais as pessoas. As razões para esta situação serão múltiplas e não será este o local adequado para as tentar identificar. Mas que a doença existe e se espalha, isso é mais que evidente. Cresce o afastamento de muitos cidadãos perante a política e ainda mais pelas instituições, face às regulações sociais impostas pelos que deviam representar as pulsões sociais legítimas mas que se arvoram em vanguardas sociais e políticas. A constante e crescente vaga das chamadas «questões fracturantes» parece não ter fim, inventando-se sempre uma «resposta urgente» para um novo problema social, real ou inventado. O resultado é que parece haver dois países no mesmo território e a esmagadora maioria das pessoas segue a sua vida sem se preocupar com essas questões mas, e isso é que é preocupante, passando a alhear-se do que se passa à sua volta. Só assim se compreende, por exemplo, que num país que se preocupa com todas as minorias por mais minoritárias que sejam, se passem verdadeiros atentados aos direitos e liberdades dos imigrantes que para cá vêm trabalhar nas explorações de agricultura intensiva no Alentejo e Algarve sem que se veja uma indignação, uma manifestação.
Não se pense que os portugueses passaram a ser más pessoas, egoístas, ou que já não são solidários. Não, antes pelo contrário. Mas cada vez vivem mais separados de tudo o que é oficial ou mesmo institucional, organizando as suas vidas longe de quem os força ou quer forçar a alterar os seus sentimentos profundos e modos de pensar.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Novembro de 2022
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