O que temos. Como sabemos, quando as receitas do orçamento de Estado são inferiores às suas despesas, existe défice orçamental. O Governo português chegou ao final de 2018 com um défice de 0,7% do PIB. Para este ano, as previsões apontam para um défice entre 0,2% (Governo) e 0,6% (FMI). Isto é, estamos num ponto em que praticamente não precisamos de aumentar a dívida pública para cobrir o défice e, havendo algum crescimento económico, a dívida pública poderá mesmo começar a diminuir em volume e já não apenas em função do PIB.
O que
andámos para aqui chegar. O défice das contas públicas tem sido um dos
maiores problemas nacionais das últimas décadas lembrando-se, por exemplo, a
festa que o governo de então fez em 2008 quando apresentou um défice de 2,5% do
PIB como o mais baixo de décadas. Embora pouco brilhante, foi sol de pouca
dura. Logo em 2011 trepou para uns estratosféricos 11%, a que se seguiu a
desgraça que se sabe. Com a austeridade violenta trazida pela troika chamada
por Sócrates, o défice foi diminuindo até ao valor de 4,3% em 2015. Desde
então, já com o actual governo, a trajectória decrescente do défice foi
contínua, até chegar em 2018 ao valor acima indicado de 0,7% do PIB.
Como foi
conseguido. Ao longo desta legislatura, a despesa corrente primária cresceu
7 mil milhões de euros, de 71 em 2015 para 78 mil milhões em 2019. Os impostos
foram praticamente neutros, não havendo diminuição da carga fiscal, dado que as
reduções em impostos directos foram compensadas com impostos indirectos que
afectam todos os contribuintes, nomeadamente nos combustíveis. Tal significa
que se teve que compensar com reduções noutras despesas. Foi o caso do
investimento público que caiu de 2,3% PIB em 2015 para 2% em 2018. Por exemplo,
nesta legislatura foi transferido menos dinheiro para o SNS do que entre 2011 e
2015, como mostrou um relatório recente do Tribunal de Contas. Esta prática
continua tendo, na semana passada, sido anunciado um novo corte no investimento
público de mais de 470 milhões ao previsto no OGE 2019. As cativações ajudaram,
significando cerca de 0,3%. A descida dos juros da dívida pública deu uma ajuda
crucial, significando um corte de cerca de 0,8% nas despesas. Em resumo, a
redução do défice resultou, nestes 4 anos, em grande parte da diminuição da
despesa com os juros da dívida e da redução drástica no investimento público.
Todos percebemos que esta diminuição de despesa é conjuntural, enquanto os
acréscimos na despesa (essencialmente pessoal e prestações sociais) que se
verificaram são fixos. Isto é, a descida do défice corre o risco de não ser
sustentável, estando sujeita ao crescimento económico que, como sabemos, é
muito dependente do que se passa na Europa e no mundo. As importações têm tido
um peso crescente, enquanto o peso das exportações pouco aumentou nestes
últimos 4 anos, pelo que a balança de pagamentos nos é crescentemente
desfavorável.
O agora e
o depois. Todos nos lembramos da frase “há mais vida para além do défice”.
Historicamente, a Esquerda tem tido ao longo dos tempos, relativamente à
necessidade de controlo do défice, a posição ideológica que aquela frase bem
resume. Ironicamente, acabou por ser com um governo do Partido Socialista
apoiado na Assembleia da República pelo Partido Comunista e pelo Bloco de
Esquerda que praticamente se eliminou o défice das contas públicas. Se essas
contas são sãs como defende o Ministro das Finanças, isso já é outra conversa,
como acima se vê, trazendo o investimento público para um nível insustentável
no futuro. Mas as esquerdas, todas elas, acabaram por ser completamente comprometidas
com a política da contenção do défice e com os processos utilizados para lá
chegar, por mais que digam o contrário. Já a Direita viu aquela que era uma das
suas posições de princípio passar a ser, daqui para diante, assumida por todos.
A grande vantagem é que, finalmente, as discussões políticas poderão passar a
fazer-se entre alternativas completamente dentro de parâmetros europeus actuais
abandonando velharias ideológicas já atiradas para o lixo da História em todo o
lado. Tal poderá mudar tudo e colocar finalmente Portugal a caminho da “outra
extremidade” da listagem de riqueza do países europeus, ao contrário do que
acontece há décadas e ainda hoje.
Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 22 de Abril de 2019