segunda-feira, 8 de abril de 2019

QUE FINANÇA?



Enquanto em Portugal não se sai das discussões sobre os responsáveis pelos incobráveis da CGD e do antigo BES que ficaram no Novo Banco, lá fora “o mundo pula e avança” como dizia o poeta. E aquelas discussões transformaram-se em puras armas de arremesso político, em que uns se atacam, outros alijam-se de responsabilidades e outros, mais simplesmente “não têm memória”, não contribuindo em nada para a recuperação do sector financeiro.
Na realidade o sector bancário, longe que vai a crise de 2008, reformula-se por todo o mundo, indiferente às pequenas querelas dos nossos deputados e às guerrilhas entre o ministro Centeno e o seu antigo chefe Governador do Banco de Portugal.

Já sabemos que, entre nós, restam dois bancos com capital social maioritariamente nacional, a CGD e o Montepio. Todos os outros estão maioritariamente nas mãos de estrangeiros, sejam bancos ou fundos estando, portanto, cada vez mais fora da regulação nacional e sim da europeia.
E é precisamente na Europa que ainda se continuam a verificar grandes mudanças na banca. É todo um modelo de negócio que se afirma nos processos de operação dos bancos que está em profunda transformação. A fusão proposta entre o Deutsche Bank e o Commerzbank aí está para o demonstrar e radica na vontade do próprio governo alemão para que tal aconteça, receoso de uma queda acentuada do crescimento alemão, face a uma estagnação ou mesmo recessão que se pré-anuncia. O casamento dos dois bancos, já de si grandes, produzirá uma instituição financeira que será a quarta maior do continente europeu garantindo, ainda assim, menos de 15% do mercado face à fragmentação bancária europeia. Mas isso não se fará sem que surjam dezenas de milhares de desempregados, não havendo certeza de que o novo banco que surgirá terá maior capacidade para se livrar dos problemas do que cada um deles hoje tem.
A economia europeia depende essencialmente do financiamento bancário, ao contrário do que sucede nos EUA, onde as empresas têm outras fontes de financiamento, nomeadamente através das bolsas. O exemplo português é, nesta matéria, do pior que se pode encontrar. A situação da bolsa portuguesa, que é reflexo do estado deprimente da nossa economia, é tão caricata que no chamado PSI20 só há 18 empresas que cumprem os critérios necessários para lá estar; de facto, só para aquelas poucas empresas o valor das acções disponíveis para negociação em bolsa consegue ser superior a 100 milhões de euros.
É muito provável que o prolongamento no tempo da política financeira de Mario Draghi no BCE com juros muito baixos e compra de papel de dívida pública (“quantitaive easing”), embora no imediato seja muito simpática para governos de países com dívidas excessivas como Portugal, passe a certa altura a funcionar ao contrário, limitando o crescimento económico da zona euro e desses mesmos países que pretende ajudar. Os bancos poderão estar a cair na ratoeira das baixas taxas de juro e custos crescentes, vendo a sua valorização bolsista ser corroída pela descida das margens e colocando-se crescentemente sob a ameaça dos sistemas financeiros do resto do mundo, principalmente o americano, sem esquecer a China. Os bancos americanos, depois da crise de 2008, foram fortemente recapitalizados, alteraram sistemas de funcionamento e pagam hoje em dia aos depositantes mais de 3% de juro, enquanto os congéneres europeus ainda não se conseguiram livrar completamente das suas “imparidades” e pagam menos de metade aos depositantes. A Europa faria bem em olhar para o exemplo da prolongada estagnação (ou estagflacção, como alguns lhe chamam) japonesa, com todas as consequências que se conhecem.

A compra de dívida pública nacional por parte dos bancos, prática generalizada na Europa, até pode ser muito simpática para os respectivos governos. Contudo, a médio e longo prazo, é prejudicial para os próprios bancos, embora crie nos governos a “obrigação” de os salvar em caso de sarilhos, como temos visto (e sentido nas carteiras). Mas, a curto prazo, na verdade os fundos estão a ser desviados do investimento privado que sofre de falta de financiamento, assim travando o crescimento económico, a verdadeira mola do bem-estar generalizado e garantia da existência do próprio estado-social.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Abril de 2019

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