A circunstância feliz de surgir nas páginas do
Diário de Coimbra às segundas-feiras, o que já sucede há quase catorze anos sem
interrupções tem, de tempos a tempos, alguns inconvenientes. Como os textos não
surgem do nada, têm que ser escritos antes e estas crónicas são feitas normalmente
ao sábado de manhã, caso desta. Significa isso, como é lógico, que nas
segundas-feiras a seguir a eleições não me é possível abordar os resultados
eleitorais, porque não sou adivinho.
Contudo, trata-se de uma dificuldade que se pode
transformar numa oportunidade, neste caso de comentar a própria campanha
eleitoral o que, após as eleições é algo que já não será motivo de escrita,
passando a discutir-se as possíveis soluções governativas decorrentes dos
resultados eleitorais.
Ao contrário da outra, referida como alegre por
Eça de Queiroz nos seus livros de crónicas há 130 anos, esta foi uma campanha que
se pode classificar como verdadeiramente triste. Na realidade, os principais
partidos concorrentes mais pareciam querer passar entre os pingos da chuva
esperando pelo fim da campanha sem mostrarem com eficácia as diferenças entre
as propostas programáticas. Dava a ideia de não haver vontade de assustar os
eleitores, querendo “pescar” todos no mesmo meio eleitoral. Pois se, a certa
altura, até o Bloco de Esquerda classificava o seu programa como
social-democrata (ao mesmo tempo que defendia a nacionalização de grande parte
da economia, perfeitamente ao estilo 11 de Março).
Estava tudo a correr numa paz podre, quando três
epifenómenos sucessivos vieram abalar a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, aconteceu Tancos. Face ao fim
do prazo das prisões preventivas, o Ministério Público deduziu as suas
acusações relativas ao processo do roubo das armas ocorrido no paiol da Base de
Tancos, em Junho de 2017. O abanão provocado na campanha eleitoral foi enorme e
muito elucidativo sobre as posições dos diversos partidos. Como o ex-ministro
socialista da Defesa foi acusado, lá veio a ladainha do “à justiça o que é da
justiça e à política o que é da política”, acompanhada da velha tese da cabala
e da “agenda política” do Ministério Público, a que já nos vamos habituando,
como se os códigos e definição dos prazos não fossem da autoria precisamente
dos políticos que agora se queixam. E como se, precisamente, a actuação governativa
de um ministro não fosse a própria definição da política. Os partidos parceiros
do governo durante estes quatro anos perceberam que tinham de dizer alguma
coisa para não serem engolidos na onda e lá se manifestaram espantados e
escandalizados pela suposta falta de verdade das declarações prestadas na
comissão da Assembleia da República. Já o PSD surfou a onda e, a partir daí,
pareceu ganhar uma alma nova no ataque ao PS, algo que até aí tinha passado
relativamente despercebido, permitindo uma recuperação notória nas sondagens.
Quando a tempestade de Tancos acalmou, veio a
tempestade verdadeira, na forma do furacão Lorenzo que fustigou os grupos
central e ocidental do arquipélago dos Açores. Oportunidade agarrada com as
duas mãos pelo partido do governo. Viu-se em directo em todas as tv’s António
Costa e os responsáveis pela Protecção Civil, com ar sério e compungido, a
entrar de manhã nas instalações nacionais daquele serviço, para acompanhar em
directo as operações a decorrer nos Açores, quando já se sabia que o furacão
deixara de o ser e passara a tempestade, tal como acontece todos os anos por
aqueles mares com vários furacões. Tratou-se de pura encenação eleitoralista de
gosto duvidoso, mas que serviu às mil maravilhas para limpar o rasto de Tancos.
Por fim, foi o falecimento de Freitas do Amaral. A
campanha praticamente acabou aí. Se o luto do CDS é inteiramente compreensível,
pese embora o mútuo afastamento dos últimos anos, a manifestação generalizada
de respeito pela personalidade desaparecida é demonstrativa da importância do
seu papel para a edificação do regime democrático.
Com tristeza assim terminou uma campanha eleitoral
em que, no final, todos os políticos pareciam já extenuados e com falta de
motivação, para não falar de ideias.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Outubro 2019