segunda-feira, 7 de outubro de 2019

UMA CAMPANHA TRISTE


A circunstância feliz de surgir nas páginas do Diário de Coimbra às segundas-feiras, o que já sucede há quase catorze anos sem interrupções tem, de tempos a tempos, alguns inconvenientes. Como os textos não surgem do nada, têm que ser escritos antes e estas crónicas são feitas normalmente ao sábado de manhã, caso desta. Significa isso, como é lógico, que nas segundas-feiras a seguir a eleições não me é possível abordar os resultados eleitorais, porque não sou adivinho.
Contudo, trata-se de uma dificuldade que se pode transformar numa oportunidade, neste caso de comentar a própria campanha eleitoral o que, após as eleições é algo que já não será motivo de escrita, passando a discutir-se as possíveis soluções governativas decorrentes dos resultados eleitorais.
Ao contrário da outra, referida como alegre por Eça de Queiroz nos seus livros de crónicas há 130 anos, esta foi uma campanha que se pode classificar como verdadeiramente triste. Na realidade, os principais partidos concorrentes mais pareciam querer passar entre os pingos da chuva esperando pelo fim da campanha sem mostrarem com eficácia as diferenças entre as propostas programáticas. Dava a ideia de não haver vontade de assustar os eleitores, querendo “pescar” todos no mesmo meio eleitoral. Pois se, a certa altura, até o Bloco de Esquerda classificava o seu programa como social-democrata (ao mesmo tempo que defendia a nacionalização de grande parte da economia, perfeitamente ao estilo 11 de Março).
Estava tudo a correr numa paz podre, quando três epifenómenos sucessivos vieram abalar a campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, aconteceu Tancos. Face ao fim do prazo das prisões preventivas, o Ministério Público deduziu as suas acusações relativas ao processo do roubo das armas ocorrido no paiol da Base de Tancos, em Junho de 2017. O abanão provocado na campanha eleitoral foi enorme e muito elucidativo sobre as posições dos diversos partidos. Como o ex-ministro socialista da Defesa foi acusado, lá veio a ladainha do “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política”, acompanhada da velha tese da cabala e da “agenda política” do Ministério Público, a que já nos vamos habituando, como se os códigos e definição dos prazos não fossem da autoria precisamente dos políticos que agora se queixam. E como se, precisamente, a actuação governativa de um ministro não fosse a própria definição da política. Os partidos parceiros do governo durante estes quatro anos perceberam que tinham de dizer alguma coisa para não serem engolidos na onda e lá se manifestaram espantados e escandalizados pela suposta falta de verdade das declarações prestadas na comissão da Assembleia da República. Já o PSD surfou a onda e, a partir daí, pareceu ganhar uma alma nova no ataque ao PS, algo que até aí tinha passado relativamente despercebido, permitindo uma recuperação notória nas sondagens.
Quando a tempestade de Tancos acalmou, veio a tempestade verdadeira, na forma do furacão Lorenzo que fustigou os grupos central e ocidental do arquipélago dos Açores. Oportunidade agarrada com as duas mãos pelo partido do governo. Viu-se em directo em todas as tv’s António Costa e os responsáveis pela Protecção Civil, com ar sério e compungido, a entrar de manhã nas instalações nacionais daquele serviço, para acompanhar em directo as operações a decorrer nos Açores, quando já se sabia que o furacão deixara de o ser e passara a tempestade, tal como acontece todos os anos por aqueles mares com vários furacões. Tratou-se de pura encenação eleitoralista de gosto duvidoso, mas que serviu às mil maravilhas para limpar o rasto de Tancos.
Por fim, foi o falecimento de Freitas do Amaral. A campanha praticamente acabou aí. Se o luto do CDS é inteiramente compreensível, pese embora o mútuo afastamento dos últimos anos, a manifestação generalizada de respeito pela personalidade desaparecida é demonstrativa da importância do seu papel para a edificação do regime democrático.
Com tristeza assim terminou uma campanha eleitoral em que, no final, todos os políticos pareciam já extenuados e com falta de motivação, para não falar de ideias. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Outubro 2019

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