Em engenharia de tráfego é habitual chamar “cul de sac” a um beco sem saída. Acontece quando uma estrada termina sem outras ligações à rede viária, tendo que se encontrar uma solução adequada para que os veículos que aí chegam consigam voltar para trás.
É essa a situação em que o nosso país parece estar. Quando, na sequência das eleições de 2015 nem o PS nem o PSD coligado com o CDS conseguiram maioria absoluta, o PCP ofereceu a célebre mão ao PS pela voz do seu Sec. Geral Jerónimo de Sousa- «o PS só não forma governo se não quiser». Foi o abrir do caminho para o que se veio a chamar «Geringonça» na base de acordos escritos entre o PS, o PCP e o BE. Acordo perfeitamente legítimo, porque assente entre partidos representados na Assembleia da República. Mas com evidente significado político, e as inerentes consequências na governação do país, que evidencia uma desconfiança quando não aversão às empresas que constituem a economia real geradora dos resultados de que saem os impostos que pagam o funcionamento do Estado. Foi assim que nunca se conseguiram atingir níveis de crescimento económico que nos fizessem subir na classificação de riqueza dos países europeus mas que, muito antes pelo contrário, conduziram à descida de um lugar por ano nesse ranking. Como aliás seria de prever, dado que não há memória de algum país que algum dia tenha enriquecido aplicando as fórmulas políticas dos dois partidos associados ao PS na geringonça que, assim, serviu apenas para a sua manutenção no poder.
A descida do défice das contas públicas até quase zero foi
conseguida com malabarismos contabilísticos de cativações forçadas que
desvirtuaram sucessivamente os diversos OGE aprovados na Assembleia da
República e ainda pela não efectivação dos investimentos públicos previstos.
Tudo isto com a participação activa dos partidos apoiantes do Governo no
Parlamento que, sabendo do que acima ficou escrito, foram aprovando todos os
Orçamentos do Estado com as consequências que se conhecem. Como exemplo podem
apontar-se os problemas gravíssimos no Serviço Nacional de Saúde onde, além do
mais, a falta de pessoal decorrente da adopção das 35 horas não foi compensada
com novas contratações.
A situação foi caminhando sob os avisos de muitos que alertavam para a falta de capacidade do país perante uma qualquer crise inesperada, dado o elevado nível de endividamento que foi sempre crescendo. E essa situação chegou, sob a forma de uma pandemia. Como, por azar, a crise veio pelo lado da saúde, o SNS viu-se obrigado a dedicar-se quase em exclusivo ao novo vírus, deixando milhares de portugueses sem consultas, sem exame, sem cirurgias e sem alternativa de poderem ir ao sector privado da saúde. Dadas as característica da crise todos os países sofreram os efeitos nefastos nas suas economias mas lá está, uns têm umas couraças fortes perante os ataques e outros têm apenas uns escudos de papel. E Portugal está na situação de depender por inteiro de dinheiros vindos da União Europeia, desta vez sob a forma de subvenções ditas a fundo perdido. Vemo-nos, de novo, na situação humilhante de dependermos totalmente dos nossos parceiros internacionais, chegando ao ponto de apelar por uma «bazuca» de dinheiro, sem qualquer pejo.
O historial dos últimos cinco anos, associado à pandemia, trouxe-nos a esta situação que todos sentem ser um beco sem saída e que é, na verdade, a verdadeira razão para a dramatização do Governo ameaçando com uma crise enquanto diz que não a podemos ter. Acresce a situação própria da proximidade das eleições presidenciais. Há muitas semanas que o Presidente deixou de poder dissolver a Assembleia e durante mais seis meses depois da sua reeleição também não o poderá fazer.
Assim se percebe o drama artificial criado que vai desembocar numa nova aprovação do OGE com a colaboração, mais uma vez, do PCP e do BE, é certo. Por pura sobrevivência o governo socialista coloca-se de novo nas mãos das exigências dos dois partidos, entre as quais a não previsão no Orçamento dos 900 milhões de euros para o Novo Banco para cumprimento do contrato assinado pelo Governo socialista com o apoio dos seus companheiros de estrada. Sem capacidade nem vontade de fazer as reformas cada vez mais necessárias, vamo-nos entretendo com propostas de recriação de 600 freguesias.
O beco sem saída em que o Governo meteu o país pelas suas escolhas políticas vai acabar por ser resolvido porque, felizmente, a Democracia tem essa grande vantagem sem que haja necessidade de se recorrer a cortes de regime. Mas, até lá, a complexidade da situação vai trazer grandes custos a assumir mais uma vez pelas carteiras dos portugueses, disso não tenhamos dúvidas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Outubro de 2020