segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

SAGRES: SÍMBOLO E HISTÓRIA

 

Uma das marcas mais conhecidas de Portugal em todo o mundo chama-se NRP (Navio da República Portuguesa) Sagres e é um veleiro majestoso que serve de navio-escola à Armada Portuguesa. Todos os anos os cadetes da Escola Naval e futuros oficiais de Marinha embarcam na Sagres para durante uns meses, em condições reais de mar, treinarem e tomarem contacto real com a vida no mar.

Para além disso a Sagres serve muitas vezes de representação portuguesa no estrangeiro. Pessoalmente lembro-me, em particular, da participação da Sagres nas comemorações do bi-centenário dos EUA em 1976, juntamente com muitos outros navios de todo o mundo, em que o rio Hudson foi palco de uma magnífica manifestação festiva náutica. A Sagres, com a seu velame branco ostentando as cruzes de Cristo a vermelho distinguia-se orgulhosamente no meio das centenas de embarcações envolvidas.

Sendo um navio-escola, o seu lema é o da Escola Naval - «TALANT DE BIEN FAIRE» que vem do século XIV e
do início dos descobrimentos, significando VONTADE DE BEM FAZER e não capacidade ou talento para tal, como apressadamente muitos dizem, não notando na letra «a» da palavra «talant».


A Sagres tem igualmente participado dignamente ao longo dos anos em numerosas regatas de veleiros, sempre com classificações de altíssimo nível e vitória em muitas delas. É tradição que as Marinhas de Guerra possuam veleiros servindo como navios-escola, todos eles de grande beleza que usualmente participam nessas regatas. Lembro-me, por exemplo, do «Amerigo Vespucci» da Marinha Italiana, do «Juan Sebastián de Elcano» da Marinha Espanhola, do «LIBERTAD» da Marinha Argentina, do «Eagle» da Guarda Costeira Americana e do «Tovarisch» (camarada em português) da antiga Marinha Soviética, entre outros. Como é natural, nas regatas de veleiros os motores vão selados para não serem utilizados mas curiosamente, entre os marinheiros das outras armadas, o «Tovarisch» era mais conhecido por “motorisch” pela utilização ilegal dos motores para que fosse possível à respectiva guarnição regressar a casa bem classificada, evitando dissabores das autoridades políticas. Toda a gente sabia e ninguém levantava ondas por tal facto, por camaradagem entre marinheiros.

A Sagres tem uma história que muitos portugueses desconhecem. Foi construída na Alemanha em Hamburgo em 1937, sendo o terceiro de uma série de três navios construídos por encomenda da Marinha Alemã. Recebeu o nome «Albert Leo Schlageter» e, no fim da guerra, foi entregue aos Estados Unidos que, por sua vez, o cederam ao Brasil onde navegou sob o nome «Guanabara». Em 1961 foi adquirido por Portugal para substituir a antiga Sagres que já não se encontrava em condições de cumprir os seus objectivos como navio-escola. Foi assim que, em Janeiro de 1962, o actual NRP Sagres foi aumentado ao efectivo dos navios da Marinha Portuguesa. Como curiosidade, os outros navios gémeos da Sagres construídos em Hamburgo tiveram como destino um, a União Soviética – «Tovarisch» e o outro os EUA – «Eagle».

O primeiro Comandante da Sagres chamava-se Silva Horta, era na altura Capitão-tenente e tinha sido igualmente o último comandante da anterior Sagres, tendo sido um Oficial distintíssimo da Marinha Portuguesa que viria a ser Almirante e exerceria ainda altos cargos na Marinha e na vida civil e política do país. A ida da primeira guarnição portuguesa para aparelhar convenientemente a Sagres e trazê-la na sua primeira viagem para Portugal revestiu-se de contornos trágicos, de que tomei conhecimento em primeira mão por um dos membros dessa guarnição, nessa altura Sargento, e com quem vim a trabalhar num navio quando prestei serviço militar obrigatório na Marinha, era ele já Oficial. O avião da PanAir que os transportou para o Brasil despenhou-se numa floresta brasileira e, das 88 pessoas a bordo, apenas sobreviveram 36 entre as quais os marinheiros portugueses que, por sorte, viajavam na cauda do avião que ficou inteira. Silva Horta comentaria a sorte que teve porque, à saída de Lisboa uma passageira lhe pediu para trocar de lugar, tendo perecido no acidente. Mas as circunstâncias do acidente não ficaram por ali. Os militares portugueses, alguns com ferimentos graves, ao verificarem que o avião poderia explodir por estar a arder, o que de facto veio a acontecer, retiraram com grande dificuldade todos os sobreviventes para longe do aparelho, muito antes de chegar qualquer socorro. A descrição vívida que o Tenente Custódio me fez do acidente, queda e posteriores acontecimentos é algo que não se esquece facilmente.

Depois de tudo, a nova Sagres largou do Brasil em 25 de Abril de 1962, pela primeira vez com a bandeira portuguesa, chegando a Lisboa em 23 de Junho após escalas em Recife, Mindelo e Funchal.

A Sagres é hoje, provavelmente, a única memória viva do país que já fomos, nos séculos XV e XVI, em que a nossa Marinha era a maior e mais importante do mundo. Não devemos ter saudosismos estéreis mas também não devemos ter vergonha de um passado em que fomos capazes de mostrar ao mundo a sua verdadeira dimensão.

E, como dizia o Almirante Silva Horta, «Um navio de vela tem muita beleza própria, não se desactualiza e é o único que pode representar, sem ser objecto de comparações melindrosas, a pequena Marinha de um país pequeno, num porto de um qualquer país, grande e poderoso». Longa vida à Sagres e aos seus marinheiros que hoje contam com mulheres, prova da evolução da nossa Marinha e de um Portugal que hoje tem que se afirmar já não lá longe, mas junto dos povos de quem saiu desde o seu início, na Europa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Janeiro de 2021

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

YOU’RE FIRED

 


A imagem de marca de Donald Trump no seu programa televisivo antes de se candidatar à presidência dos EUA correspondia já à sua atitude perante os outros: os vencedores são os que não têm escrúpulos em rebaixar e passar por cima de quem for preciso para se sobreporem. Os outros, bem, esses são apenas os «loosers» que não merecem mais do que ser despedidos. Devo dizer que vi uma ou outra dessas cenas de passagem na televisão, a fazer zapping, já que me punham de imediato mal-disposto.

Claro que a eleição de Trump para Presidente dos EUA me deixou surpreendido, tal como a muita gente, mas percebi que, eventualmente, teria sucedido naquela eleição o mesmo que tem acontecido tantas vezes entre nós em eleições, particularmente nas presidenciais: vota-se mais contra alguém que já se conhece e se detesta, do que a favor da personalidade em quem se coloca a cruzinha à frente do nome, principalmente se for novidade e por isso merecer o benefício da dúvida.


Como Presidente, Trump foi exactamente aquilo que eu esperava dele; um típico homem de negócios de determinado tipo imobiliário especulativo, aquilo a que em Portugal sempre se chamou «pato bravo» fosse qual fosse a dimensão dos investimentos. 

A visão a longo prazo, a construção de uma economia sustentável, a educação, a saúde, um bom relacionamento internacional enfim, aquilo a que normalmente se chama política não são assuntos que o preocupem. Mesmo os supostos «maravilhosos resultados» da sua política económica não resistem a uma análise mais cuidada e levaram um trambolhão imediato com a pandemia do Covid-19. Principalmente o respeito com os mais desfavorecidos é preocupação que nunca lhe assiste porque, lá está, não passam de «loosers».

Ao fim de quatro anos a não-reeleição tirou-lhe o brinquedo, expulsou-o da Casa Branca. Tornou-o naquilo que ele mais abomina: um «looser». E Trump entrou em estado de negação, não deixando de afirmar, no seu delírio, que venceu por muitos milhões e que as eleições foram uma fraude, enquanto perdia todos os processos que meteu em tribunal para tentar alterar os resultados.


Foi feio de se ver, mas não passaria de uma fantasia de menino mimado a quem tiraram a bola, se não tivesse convencido, com as suas diatribes, milhões de americanos, na maioria evidentemente bem-intencionados que acreditam nos seus presidentes. Ao lado destes deu palco a toda uma casta de gente, essa nada bem-intencionada, que se sentiu livre para dar largas aos sentimentos mais abjectos, ideologias fascizantes ou mesmo neo-nazis e comportamentos sociais absolutamente repugnantes e inaceitáveis social e criminalmente.

O resultado foi o que se viu na passada quarta-feira 6 de Janeiro, precisamente no dia marcado para que os representantes do povo americano procedessem à certificação dos resultados eleitorais. Uma multidão de dezenas de milhares de pessoas afluiu a Washington, cercou e invadiu o Capitólio, símbolo sagrado da Democracia americana e obrigou à suspensão dos trabalhos. O caos foi total, com a polícia do Capitólio a revelar-se incapaz de suster a invasão e a ter extrema dificuldade em proteger fisicamente congressistas e senadores. Os invasores, empunhando bandeiras americanas, bandeiras da antiga confederação, cartazes com foto de Trump e vestidos da maneira mais circense que se possa imaginar incluindo camisolas com o dístico «Auschwitz camp» derrubaram portas, partiram janelas, destruíram e roubaram material, violaram o próprio gabinete da presidente da Câmara dos Representantes, sentaram-se nas cadeiras dos deputados, etc, etc. etc. 


Enquanto tudo isto sucedia, Trump ao pedir-lhes para irem para casa continuava a alimentar as supostas razões que levaram aquela gente a fazer o que estava a fazer e o caos só terminou quatro horas mais tarde, com o estabelecimento do recolher obrigatório e a chegada de milhares de polícias, deixando ainda cinco mortos a lamentar.

Não foi só a sede da Democracia americana que ficou manchada. Foi a dignidade de um povo que não é nada daquilo e a sua imagem no mundo que se assemelhou ao que habitualmente sucede nas ditaduras centro-americanas e não nos Estados Unidos da América. A nova presidência dos EUA a partir do próximo dia 20 de Janeiro vai ter muito mais trabalho para fazer do que habitualmente. Os demónios acordados na presidência de Trump não vão desaparecer assim tão facilmente, necessitando de firmeza mas também de uma compreensão das razões profundas do seu aparecimento perigoso não só para a sociedade americana, mas também para o resto do mundo.
Publicado no Diário de Coimbra em 11 de Janeiro de 2021

Mendelssohn - Symphony No. 3 in A minor "Scottish" - IV. Allegro vivacis...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A UNIVERSIDADE E A URBE

 


Quando se observa a evolução de um determinado património ao longo de séculos ou mesmo dezenas de anos, não se pode correr o risco de usar lentes ideológicas que distorçam a realidade do que aconteceu. E esse olhar independente é mesmo necessário para se ver o conjunto e não apenas um ou outro pormenor histórico. O que, na minha perspectiva, deve ser feito relativamente à forma como a principal instituição de Coimbra, a Universidade, se tem integrado na Cidade sob o ponto de vista urbanístico.

Os dois novos pólos universitários surgiram nos últimos 30/40 anos como uma necessidade imperiosa de a Universidade ultrapassar o espartilho físico da Cidade Universitária instalada na velha Alta de Coimbra e que, com o explodir do ensino universitário dos anos 70, era já incapaz de dar resposta à procura.

Contudo, quer o pólo 2 junto ao Rio Mondego na zona da Portela, quer o pólo 3 junto aos HUC são exemplos de como novos e importantes equipamentos para a Cidade e para o País podem ser desenvolvidos com falta de planeamento, eventualmente pela urgência de correr atrás de financiamentos europeus. 


Em vez de se terem elaborado e aprovado planos urbanísticos que integrassem devidamente os projectos num planeamento adequado da cidade, foram-se fazendo estudos sem valor legal que foram servindo de mera orientação alterável a qualquer momento em função de necessidades pontuais.

O pólo 2 ainda hoje, tantos anos depois de entrar em funcionamento, tem edifícios inacabados e, os espaços exteriores que deveriam ser ajardinados ou pelo menos arranjados como zonas de lazer, mais parecem abandonados. Os próprios arruamentos terão um estatuto semelhante ao público para efeitos de utilização rodoviária incluindo transportes públicos, mas sem haver uma definição clara da respectiva propriedade. A prevista nova zona desportiva não passou do papel. A Cidade merecia, senão mais, muito melhor. O que era para ser um campus universitário modelo ficou muito além disso.

Quanto ao pólo 3, do ponto de vista urbanístico, é necessário um grande esforço para deixar os adjectivos no tinteiro e ser-se o mais objectivo possível. Desde logo, Coimbra mostra a Lisboa como é possível meter o Rossio na Betesga, algo que nem o Marquês de Pombal foi capaz de fazer na sua notável reconstrução da Baixa de Lisboa após o terramoto. Com a agravante de em Coimbra não ter havido terramoto, tendo a intervenção começado do nada naquele monte vizinho dos hospitais. E a Universidade continua a meter lá mais edifícios e mais edifícios. A praceta central é pequena, tanto em dimensão como em qualidade de materiais. Há poucos dias e ao fim de tantos anos a Autarquia lá pôde, enfim, aprovar um loteamento para se tentar encontrar um procedimento para “agarrar” aquilo de um ponto de vista registal, já que urbanisticamente o não pode fazer. Os acessos viários estão previstos sabe-se lá para quando, mas não seria possível alargar aquela quelha que parte da rotunda Mota Pinto já que, se não conseguem ultrapassar o obstáculo da moradia, o lado das antigas bombas de combustível está ali disponível há anos?


As obras universitárias em Coimbra parecem ter sido alvo de uma maldição antiga. Desde a Rua da Sofia/Sabedoria que foi aberta com medidas duplas do arruamento central da Sorbonne para receber a Universidade com dignidade, mas que nunca serviu para esse fim, tudo parece poder acontecer.

Felizmente, o Paço Real onde nasceram quase todos os reis da I Dinastia e que o rei espanhol Filipe vendeu à Universidade, escapou até hoje às agressões patrimoniais. Já a velha Alta residencial que lhe era vizinha desapareceu para sempre para ser substituída pelo conjunto de gigantescos edifícios universitários a que hoje se chama pólo 1. Uma certa ideia de progresso que grassou pela Europa nos primeiros decénios do séc. XX serviu de base para a demolição da área residencial do cimo da dita «colina sagrada». Hoje parece ser pacífico que, em termos patrimoniais, culturais e sociológicos se tratou de um crime. Ainda há quem pense que foi um dictat político externo à Cidade, quando esta acolheu esta intervenção de braços abertos, excluindo curiosamente Bissaya Barreto que nunca a aceitou. Como Nuno Rosmaninho mostra na sua obra recentemente publicada «Coimbra e o Imaginário – a cidade entre o romantismo e o Estado Novo», cuja leitura recomendo, mesmo as forças de oposição e progressistas só nos anos 60 mudaram de posição e se começaram a manifestar contrárias à demolição da velha Alta. As obras duraram até 1975 quando foi terminada a construção do edifício das Ciências e parte delas ficaram por executar, nomeadamente os pórticos previstos entre edifícios, dado que o Colégio de S. Jerónimo nunca foi demolido. Curiosamente, todo o conjunto está hoje classificado pela Unesco como Património Mundial, incluindo a própria e esquecida Sua da Sofia.

A Cidade com os seus órgãos representativos, mesmo em democracia, tem sido sempre confrontada com a realização de obras que marcam a urbe em definitivo definidas por outros, sejam pelo Governo sejam pela Universidade. Quando muito vai atrás a apoiar agradecida ou emite pareceres necessários para obter financiamentos externos. Penso ter chegado a altura de estes assuntos de cidadania tão importantes para o futuro da Cidade serem debatidos, fora de campanhas eleitorais, com liberdade e conhecimento, porque é o futuro urbano digno e qualificado de Coimbra que assim o exige.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Janeiro de 2021

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

ANO NOVO, VIDA COMUM?

 


Está quase a acabar este ano de 2020, que é um ano que todos gostaríamos de esquecer, mas que vamos todos, certamente, recordar pelos mais diversos motivos. Alguns bons, que têm a ver essencialmente com a resposta a uma pandemia viral. Pela primeira vez a humanidade foi capaz de identificar com rigor o vírus causador da pandemia pouco tempo depois do seu início e, muito importante, conseguiu desenvolver vacinas específicas em menos de um ano. Proeza farmacológica só tornada possível pelo desenvolvimento científico na área do ADN e ARN que se verificou nas últimas décadas e da capacidade tecnológica associada à investigação dos grandes laboratórios farmacêuticos. O investimento público de diversos países no apoio à investigação com vista ao desenvolvimento destas vacinas terá sido fundamental para que os prazos de desenvolvimento tenham sido tão encurtados, sabendo-se do tempo que normalmente é necessário para preparar novas vacinas. A resposta dos serviços de saúde um pouco por todo o mundo, em termos tecnológicos, humanos e organizacionais marcou a diferença relativamente a outras pandemias da História. Entre nós a dádiva pessoal e profissional dos profissionais de saúde, aos vários níveis, que tiveram que lidar directamente com os doentes COVID-19, em particular nos serviços cuidados intensivos, foi e é de registar, de louvar e de agradecer por toda a sociedade por ter, tantas vezes, raiado o puro heroísmo.

Mas, embora não se possa comparar com outras pandemias ao longo da História, as consequências da pandemia são, ainda assim, graves tanto a nível mundial, como no nosso país. Na totalidade verifica-se a existência de cerca de milhão e meio de mortes no mundo, havendo a registar, entre nós mais de 6.400 óbitos devidos ao vírus SARS-CoV-2 com cerca de 400.000 casos confirmados. No ano de 2020 deverá verificar-se um total de mais de 120.000 óbitos em Portugal, algo que não sucedia desde 1946. Se o envelhecimento da população pode explicar uma parte deste aumento, a verdade é que há 4 a 5 mil mortes não devidas ao COVID-19, sendo ainda de ter em conta a radical diminuição de gripes relativamente aos anos anteriores. Isto é, podemos felicitar-nos dizendo que «o SNS respondeu bem», que tal não corresponde à verdade; há estes óbitos a mais e sabemos todos muito bem que milhares de operações cirúrgicas ficaram por realizar, ainda muitas mais consultas por fazer e, o que pode revelar-se trágico nos próximos anos, muitos cancros ficaram por ser precocemente detectados.


As consequências directas na economia, quer na produção, quer no emprego estão ainda por se conhecer na totalidade, dados os apoios excepcionais e temporários que o Estado proporcionou a empresas e pessoas individuais, embora esse apoio tivesse sido dos mais reduzidos da Europa, pela nossa fragilidade orçamental e enorme dívida externa, nomeadamente pública. Os apoios têm-se traduzido essencialmente em empurrar as dificuldades para diante, pelo que mais cedo ou mais tarde as falências e desemprego irão fatalmente crescer de uma forma que até hoje desconhecemos. Qualquer que seja a dimensão dos apoios financeiros europeus, não será suficiente para cobrir as quebras já verificadas na economia e nas famílias, pelo que a recuperação dos níveis de 2019 estará ainda muito longe.

O Primeiro-Ministro reconheceu há poucos dias que foram cometidos erros pelo Governo na resposta à pandemia. Ainda bem que o fez, mas só manifestou uma evidência, aos olhos dos portugueses, para quem a realidade não se limita aos telejornais das televisões e que não podem deixar de notar o crescente número de pessoas a precisar de ajuda alimentar. Uma das consequências mais evidentes da pandemia é o agravar das desigualdades sociais atirando para a miséria uma larga franja da classe média.

A luta contra a pandemia é uma verdadeira guerra que se trava em diversas frentes; científica, sanitária, económica, educacional e social. Para além do estabelecimento do medo generalizado, é sabido que nas guerras a primeira coisa a morrer é a verdade. Também nesta guerra a mentira, a desinformação e mesmo as teorias da conspiração têm tido um palco enorme de actuação. Cabe-nos a nós um esforço, ainda maior do que em tempos comuns, para perceber quem, como e porquê nos tenta manipular, mantendo uma atitude de abertura à ciência e a todos os que, com verdade, nos tentam apoiar e mesmo orientar neste mar encapelado de informação.

E, finalmente, eis que vai começar o ano de 2021. Felizmente, a vacinação para este coronavirus começou, ainda que simbolicamente, nos últimos dias de 2020. É um sinal de esperança, embora lamente não poder, como é tradição, escrever que o novo ano vai trazer vida nova. Se nos trouxer uma aproximação à vida que até há nove meses era normal, já não será mau mas, mesmo que seja pouco, é esse o desejo que faço para 2021.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Dezembro de 2020

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

March (From "A Clockwork Orange")

Anneliese Rothenberger Oh du fröhliche - Weihnachten - HD

Economia sem alma e sem sentido.

 


Decidiu-se instalar uma grande central fotovoltaica para produção verde de electricidade. À partida, economia mais ecológica, não há. Claro que anteriormente a famosa herdade da Torre Bela tinha outras actividades económicas a substituir pela central de energia. Desde logo, as árvores, parece que eucaliptos, que se teve que abater. Por aí não há problema - o mundo vegetal ainda não tem defensores do seu sofrimento. O problema era o grande número de animais «selvagens» que por lá havia para as montarias. Solução: juntar o útil ao agradável: livramo-nos dos animais e ainda fazemos algum dinheiro com isso, principalmente com uns espanhóis que gostam de carregar no gatilho, seja como for. Só que, como o anterior Rei de Espanha já demonstrou, matar animais grandes sem fotos não dá gozo. E é assim temos os nossos políticos todos a dizer ai que selvagens, isto não é nada ético!
País e gente da treta, para não escrever a palavra certa que começa com "m" e acaba com "a".

 

 

Abates de animais para instalar painéis solares na Torre Bela começaram há meses - TSF