O noticiário sobre a pandemia que traz o mundo em convulsão com as suas informações, contra-informações, politiquices, contradições variadas e mesmo guerrilhas económicas que se adivinham tem, além disso que já não é pouco, o condão de encobrir muitas notícias que, assim, passam despercebidas à maior parte de nós. E foi certamente por isso que uma notícia do maior interesse para Portugal e também para Coimbra não terá tido a divulgação e mesmo comemoração pública que devia.
Como é bem conhecido, o maior problema da economia portuguesa que se tem vindo a agravar desde há mais de vinte anos, reside na falta aflitiva de capital, estando a maior parte das empresas descapitalizadas e, o que é pior, endividadas. Diz-se mesmo que estamos a mudar de paradigma económico ao passar da economia do capital para a economia da dívida. Colocando de parte as teorias que se podem desenvolver sobre esta nova situação, o que é facto é que não dispondo as empresas de músculo financeiro, na prática não têm capacidade para responder a novos desafios com a rapidez necessária, pagam maus salários aos seus trabalhadores e passam grande parte do seu tempo a tentar apenas sobreviver pagando à segurança social e os juros dos empréstimos bancários ou outros.
É por isso uma excepção a felicitar e mesmo festejar quando uma empresa portuguesa consegue atrair investidores que lhe dêem capacidade financeira para se afirmar num mundo globalizado e cada vez mais competitivo. Ainda para mais quando se trata de uma empresa jovem, fundada e dirigida por jovens talentosos que decidem arriscar.
A FEEDZAI é uma empresa «Startup» de tecnologia financeira fundada em 2008 que iniciou a sua actividade na incubadora do Instituto Pedro Nunes em Coimbra.
Foi notícia há poucos dias porque, tendo conseguido uma avaliação superior a mil milhões de dólares (1.200) é assim a quarta empresa portuguesa a obter o estatuto de «empresa unicórnio» depois da Farfetch, OutSystems e Talkdesk mas com uma característica própria que a distingue das outras: é a única que continua a manter a sede em Portugal e, mais concretamente, em Coimbra onde foi fundada.
Esta avaliação financeira vem na sequência da última ronda de captação de investidores em que obteve um investimento de 200 milhões de dólares com o fundo KKR à cabeça, que se juntou a outros investidores que aumentaram também a sua participação anterior, casos da Sapphire Ventures e Citi Ventures, além das que também entraram como a Armilar Venture Partners ou a Sonaecom.
E quais são os produtos desta empresa que fazem com que seja tão valiosa? A FEEDZAI, através da inteligência artificial e "machine learning", actua no mercado da gestão de risco e na prevenção de cibercrime. Isto é, numa altura em que o mundo assiste a um acréscimo brutal de vendas através da internet e em que a banca também está a mudar completamente a maneira como exerce o seu negócio fechando balcões e desenvolvendo massivamente a sua actividade no mundo digital, a FEEDZAI proporciona ferramentas automáticas que protegem estas actividades. É assim que as empresas podem ganhar confiança nas encomendas que recebem, evitando perdas de tempo e de esforços, assim como os bancos e os seus clientes podem igualmente estar mais seguros nas transacções que fazem, que são aos milhões em cada segundo que passa. A pandemia Covid-19 veio trazer uma enorme expansão ao já crescente comércio on-line, aumentando o volume de pagamentos através da banca digital, o que faz crescer as necessidades de segurança, dado que aquele crescimento é acompanhado pelo aumento do crime financeiro online.
Razões mais que suficientes para que a FEEDZAI tivesse sentido necessidade de expandir os seus serviços através de plataforma «na nuvem», sendo o capital levantado crucial para que isso seja possível. Resta acrescentar que entre os seus clientes actuais se contam os cinco maiores bancos norte-americanos ou o Santander, significando operações em 190 países e mais de 800 milhões de utentes.
E sim, estimados leitores, esta empresa fundada por Nuno Sebastião, Pedro Bizarro e Paulo Marques com mais de 500 trabalhadores e escritórios em Lisboa, Porto, Coimbra, Nova Iorque, Atlanta, Silicon Valley, Londres, Hong Kong e Sydney mantém a sede em Coimbra, atitude tão mais de louvar quanto o contrário parece ser a norma. E é mais uma das excelentes empresas tecnológicas saídas nos últimos vinte e cinco anos do Instituto Pedro Nunes para o mundo. Prova de que em Coimbra existe software para dar e vender faltando-lhe eventualmente hardware, situação absolutamente inversa do habitual.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Abril de 2021
Fotos retiradas da internet