Em 13 de Agosto de 1961 a República Democrática Alemã (RDA), pertencente ao Pacto de Varsóvia, iniciou a construção de um muro à volta de Berlim Ocidental separando milhares de famílias berlinenses e fechando a cidade aos contactos exteriores. A justificação oficial comunista era de que assim se evitaria a fuga de berlinenses ao jugo capitalista, quando a realidade era exactamente o oposto. Depois do fim da II Guerra Mundial e durante os anos 50, Berlim tinha servido de porta de saída de milhares de pessoas da RDA para a RFA, em particular profissionais jovens e muitos cientistas altamente qualificados, numa autêntica «fuga de cérebros». A construção do muro significou uma grave crise política que originou uma gigantesca ponte aérea ocidental de apoio alimentar e sanitário aos moradores de Berlim Ocidental. Ficou célebre a ida do presidente americano John Kennedy a Berlim, garantindo que «somos todos berlinenses».
No final de Outubro de 1962, um oficial superior russo da marinha soviética, de que ainda hoje poucos sabem o nome, mas que se chamava Vasili Alexandrovich Arkhipov, salvou o mundo de uma catástrofe nuclear. Em plena crise dos mísseis de Cuba que colocou as vontades de John Kennedy e Nikita Kruschov frente a frente como representantes de dois mundos político-ideológicos em confronto, um submarino soviético naquela zona, com armas nucleares, ficou sem comunicações. O comandante do submarino e o oficial do partido comunista a bordo convenceram-se de que à superfície tinha começado a guerra e dispuseram-se a disparar uma arma nuclear. Apenas o sangue frio e a coragem pessoal de Arkhipov que se opôs a tal impediram o início da tragédia, literalmente salvando o mundo no último minuto.
No início da década de 80 os EUA instalaram mísseis Pershing II na RFA com capacidade de atingir a Europa de Leste até Moscovo, assim respondendo à colocação soviética dos mísseis SS-20 que colocavam toda a Europa ocidental debaixo de fogo. Esta crise europeia de mísseis ameaçava assim toda a Europa, escassos 40 anos depois da hecatombe da II Guerra Mundial, mas com uma ameaça infinitamente maior: a nuclear. Grande parte da juventude alemã ocidental, já que a de leste não podia abrir a boca, revoltou-se contra esta ameaça insuportável e chegou a defender uma rendição ao comunismo soviético, com cartazes defendendo que «antes vermelhos que mortos».
Estes foram talvez os momentos de maior perigo da chamada «guerra fria» que se seguiu à II Guerra Mundial, até ao fim do império soviético no início dos anos 90. Mas, na realidade, para quem viveu aqueles anos já com alguma consciência, havia uma permanente sensação nítida de que a qualquer momento podia haver uma circunstância estranha, um acto tresloucado, qualquer coisa que pudesse fazer explodir um conflito nuclear que colocaria praticamente toda a humanidade em risco. Relembro o filme «Dr. Strangelove» de Stanley Kubrick que abordava brilhantemente esta situação. E essa consciência produzia um medo estranho e constante associado a uma impotência stressante que frequentemente podia levar, e terá mesmo levado em muitos casos, jovens a enveredar por caminhos improváveis e de fim trágico.
Nos últimos dias foi tornado público um estudo feito em vários países, segundo o qual «oito em cada dez jovens portugueses acreditam que o futuro é assustador por causa das alterações climáticas». Nada que me admire pessoalmente, que ainda há poucos dias ouvi uma jovem altamente qualificada comentar que não quer comer mais carne, porque está a dar cabo do mundo. Segundo aquele estudo, os jovens portugueses, entre os 16 e os 25 anos, são os mais preocupados entre os jovens de dez países acreditando dois terços deles, que a humanidade está condenada e que os governos, em particular o nosso, não estão a proteger o planeta, nem as gerações futuras, sentindo-se traídos pelas gerações mais velhas.
Isto é, parece que o mundo se habituou a viver em stress e não consegue funcionar sem imaginar uma qualquer espada pendurada sobre a cabeça. Trata-se de uma nova situação de stress generalizado que se pode tornar crónico, com possíveis consequências graves a nível psicológico, principalmente nos jovens, mais influenciáveis, por estarem «em processo de desenvolvimento psicológico, físico e social».
Aos jovens preocupados de hoje, e evidentemente com razão para tal, não passa contudo pela cabeça como os jovens das décadas passadas de 60/80 sentiam aflitivamente que o seu mundo podia desaparecer de um dia para o outro num holocausto nuclear, provocando situações extremas desde um niilismo militante a terrorismo político, passando pelo pacifismo do movimento hippie.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Setembro de 2021
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