segunda-feira, 27 de junho de 2022

E AS CRIANÇAS, MEU DEUS, E AS CRIANÇAS?

 


Em 10 de Junho de 1942, soldados nazis cercaram a pequena vila de Lidice, na então Checoslováquia. O objectivo era castigar os seus habitantes por supostamente abrigarem actividades anti-nazis, na sequência do atentado que custou a vida ao então «protector» do Terceiro Reich na Boémia e Morávia, Reinhard Heydrich. Este oficial superior Nazi, a quem o próprio Hitler se referia como «homem com coração de ferro» distinguiu-se como um brutal assassino e perseguidor de quem quer que se opusesse ao nazismo; foi uma das figuras mais sinistras do nazismo, tendo participado em Novembro de 1938 na «noite de cristal» em que foram atacados judeus em toda a Alemanha e na Áustria e dirigido a Conferência de Wannsee de que saiu a organização da «Solução Final».

Após cercarem Lidice as tropas alemãs prenderam todos os 173 homens com mais de 16 anos e fuzilaram-nos no dia seguinte. Quanto às 184 mulheres, foram enviadas para os campos de concentração de Ravensbruck e Auschwitz. Das 99 crianças, 82 foram enviadas para o campo de extermínio de Chetmno na Polónia, não tendo sobrevivido nenhuma delas. As restantes 17 crianças foram entregues a famílias alemãs para serem «germanizadas». Das 153 mulheres sobreviventes apenas as mães daquelas 17 crianças puderam, depois da guerra, vir a abraçar os seus filhos. A própria vila de Lidice foi completamente destruída por explosivos e arrasada com tractores. Os alemães pretenderam assim usar a retaliação em Lidice como exemplo para aterrorizar os habitantes dos países conquistados e evitar resistências ao seu regime negro.


Após o fim da II Guerra Mundial Lidice foi reconstruída, não no local original que permanece como campo de memória, mas a poucas centenas de metros de distância. Ali existe um memorial com uma chama eterna, mas há ainda um outro monumento muito especial. Em memória das crianças de Lidice vitimas da selvajaria nazi foi construído um monumento que em grupo as representa todas em tamanho natural, uma a uma, numa obra levada a cabo por um casal de escultores durante dezenas de anos. Tal foi possível porque, poucos dias antes do sucedido, lhes foi tirada uma fotografia à porta da sua escola, como acontece frequentemente quando termina um ano lectivo. O conjunto escultórico é obviamente motivo de visitas, impressionando pela dimensão do grupo, mas também pelas expressões de todas as crianças representadas, cujas vidas foram barbaramente ceifadas numa acção que dificilmente se pode considerar obra de seres humanos.

A memória trágica de Lidice foi suscitada pelo que está presentemente a acontecer de novo na Europa. Os soldados invasores russos da Ucrânia, a mando do ditador Putin, destroem sistematicamente cidades inteiras como não se via há muitos anos mas, para além disso, agem também fora de todos os tratados e convenções internacionais que pretendem defender os civis apanhados pela guerra. O sucedido em Bucha é terrível, mas é apenas mais um exemplo do que tem sucedido quase de forma sistemática um pouco por todo o território de um país independente e soberano chamado Ucrânia. E também aqui, de novo, crianças foram vítimas de selvajaria, abatidas de forma infame a tiro na nuca como aconteceu a muitos adultos.

A História está cheia de barbaridades cometidas contra crianças. Mas isso não nos deve impedir de nos revoltarmos e de gritar bem alto contra estes crimes hediondos. E exigir que, ao menos no que toca às crianças, os responsáveis sejam levados a tribunal como criminosos de guerra a começar por Putin e a acabar nos soldados que empunham as pistolas assassinas.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Junho de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 20 de junho de 2022

COIMBRA NO SEU MELHOR – “BRANDING TERRITORIAL”

 


Não terá havido na História muitas épocas em que os territórios, nas suas diversas dimensões, seja a nível de regiões, cidades, vilas ou mesmo aldeias, tenham sentido tanta necessidade de se afirmarem perante os seus vizinhos como sucede na actualidade. Claro que me refiro a relacionamentos pacíficos entre comunidades, já que através da guerra se trata são outros, infelizmente bem mais frequentes e de forma historicamente quase permanente, mesmo nos nossos dias, como infelizmente podemos observar pelos telejornais.

É por isso que a determinação do carácter identitário de um território, aquilo a que chama normalmente e de forma mais apelativa a sua marca, se torna cada vez mais uma questão crucial e estratégica para o seu desenvolvimento sustentável. Trata-se de dar resposta a três questões fundamentais: como atrair investimento, como criar interesse nas pessoas de outros territórios e como fazer crescer o amor-próprio dos residentes.

É um lugar-comum afirmar-se que ninguém gosta do que não conhece, o que se aplica perfeitamente ao território. O seu conhecimento implica estudo e análise aprofundada de diversos aspectos que vão da geografia com os seus diversos aspectos territoriais e humanos, à História, à evolução urbana ou mesmo urbanística, à Cultura na sua diversidade e ainda à economia. Só um conhecimento multi-facetado que exige o trabalho de especialistas em diversas áreas permite descobrir a identidade profunda de um determinado território, isto é a sua marca, que por vezes pode parecer uma evidência mas não ser verdadeira, logo não sentida como tal pelos próprios moradores.

Só a partir desse conhecimento se podem definir rumos de desenvolvimento para o território de forma sustentada e coerente. São conhecidos casos mundiais em que cidades se redescobriram desta forma encontrando rumos de desenvolvimento a partir de uma evolução história que a certa altura parecia ter perdido o Norte, caindo na estagnação.

 

E esse conhecimento é também verdadeiramente crucial para que se possa atingir uma séria e frutífera afirmação exterior. Entram aqui outras especialidades ligadas ao marketing que exigem igualmente profissionalismo e um domínio de ferramentas específicas. Torna-se necessário construir uma narrativa atraente mas sustentada na realidade actual e na História, aquilo em que em marketing se chama normalmente “story telling”, no caso a verdadeira substância da marca do território. A comunicação utiliza toda esta informação de forma a que possa ser passada a todos os possíveis interessados, só neste momento entrando o marketing.

E o marketing abrange hoje uma gama vastíssima de meios que vão dos clássicos como intervenções na imprensa e montagem de eventos e participação em feiras, até à utilização dos modernos meios digitais que transformam a passagem da mensagem em algo verdadeiramente global. Toda uma panóplia de meios a utilizar de forma profissional para a difusão do conhecimento de qualquer marca, neste caso, territorial.

É todo este conjunto de matérias e trabalhos que se chama hoje em dia «branding territorial» porque, para além de a designação estar internacionalmente reconhecida, não se encontra infelizmente em português um termo que abranja todas estas actividades relacionadas com marca e território: construção da marca e divulgação da mesma com os três objectivos que acima indiquei; atracão de investimento e de pessoas, designadamente turistas mas não só e melhoria da auto-estima da população própria.

Foi a partir da constatação de uma falha em Portugal nesta área, hoje essencial e com grande desenvolvimento internacional, que o ISCAC-Coimbra Business School decidiu enveredar pelo caminho de criar um “Observatório de Branding Territorial” que celebra já um ano de actividade, por estes dias. Para além da investigação académica aplicada a estas matérias, através de produção de trabalhos de Investigação Científica e divulgação, propõe-se efectuar análise de Estudos de casos, bem como acompanhamento de políticas públicas de branding territorial. Isto, claro, para além da formação nesta área de que a Pós Graduação em Branding territorial, que vai já para a sua terceira edição com êxito reconhecido, é um exemplo.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Junho 2022

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Portugal, 2022

 Duas personalidades marcantes (à sua maneira) da vida empresarial e cultural portuguesa foram notícia nos últimos dias, por diferentes motivos, mas com alguns aspectos em comum.


João Rendeiro, em tempos conhecido como o «banqueiro dos ricos» foi a enterrar acompanhado por pouco mais de uma vintena de pessoas, quase todas de família. Oriundo de família humilde, conseguiu uma formação académica de alto nível e uma carreira de sucesso na banca que o levou a fundar o Banco Privado Português em 1996. Conta-se que a mulher, também de origens humildes, o ajudou financeiramente na sua formação superior em finanças do estrangeiro, através do seu trabalho. O BPP foi, durante alguns anos, um caso de sucesso proporcionando ao seu presidente João Rendeiro uma vida que se podia considerar de fausto, rodeado de obras de arte de que se tinha tornado um profundo conhecedor o que acumulou com um refinado bom-gosto. Contudo, o seu sonho durou pouco tempo. Logo em Abril de 2010 o Banco de Portugal decretou o fim do BPP, no meio de acusações graves à actuação dos seus administradores, com João Rendeiro à cabeça. Os três processos judiciais que se seguiram levaram a que João Rendeiro se visse condenado num deles a 10 anos de prisão efectiva, noutro a 5 anos e 8 meses e no último a 3 anos e seis meses. As acusações por que foi condenado foram de crime de fraude fiscal, abuso de confiança, branqueamento de capitais a burla qualificada. Em Setembro de 2021 soube-se que João Rendeiro tinha abandonado o país, fugindo à Justiça e ao cumprimento das penas de prisão a que tinha sido condenado, tendo sido emitido um mandado de captura internacional. Acabou por ser preso na África do Sul em Dezembro, na sequência de uma entrevista televisiva que não resistiu a fazer e que forneceu às autoridades policiais indícios suficientes para a descoberta do local em que se encontrava escondido. Detido numa prisão gigantesca na África do Sul e na iminência de ser extraditado para Portugal, acabou por desistir de tudo, pondo fim à sua vida.

Penso que não andarei longe da verdade se escrever que os portugueses terão genericamente pasmado com o recente processo que Jo Berardo colocou nos tribunais contra a banca, tentando fazer o que o povo chama «virar o bico ao prego» visando a (CGD), o Millennium BCP, o Novobanco e o BES, exigindo indemnizações no montante de 900 milhões de euros. Mais concretamente, Berardo reclama 800 milhões Para compensar a sua fundação que diz ter perdido património para cobrir as dívidas contraídas junto dos bancos e os restantes 100 milhões para o ressarcir dos danos morais que sofreu (palavra!). E o que deu origem a esta história dignificante demonstrativa da qualidade das elites portuguesas de hoje? Naqueles anos exaltantes da governação socialista de José Sócrates a economia foi objecto das atenções governamentais, de que resultou o fim da PT que era só a empresa portuguesa português mais valiosa e a quase liquidação do BCP, na maior destruição de valor verificada em Portugal desde as nacionalizações de 1975. De bom grado José Berardo serviu de peão de brega, adquirindo posições accionistas fortes que lhe deram a oportunidade de influenciar decisões cruciais na economia sempre em linha com os desejos do Governo de então, como a recusa da OPA da SONAE sobre a PT, a venda da VIVO e, de caminho, levar a cabo a sua vendetta pessoal contra o fundador do BCP, Jardim Gonçalves. Para tanto foi financiado pelos bancos que, depois dos desastres, acabaram por exigir o pagamento dos empréstimos para a compra das acções que haviam passado a valer uns meros 10% do seu custo. Mas Berardo, nesta sua intervenção judicial, está ainda a acautelar outros interesses, avançando com um processo cautelar contra o ministério da Cultura e a Fundação Centro Cultural de Belém que gere o edifício onde está exposta a Colecção Berardo. Como estaremos a um mês de findar o acordo engendrado também no tempo de Sócrates, Berardo pretende assim assegurar a defesa dos seus interesses sobre a colecção de arte.

Ao ler as notícias sobre os comportamentos da nossa suposta elite económico-financeira e cultural, como os dois representantes aqui trazidos, há muitos mais como por exemplo Ricardo Salgado, só apetece dizer tudo isto é triste, tudo isto é fado. Ou lamentar como fez Rodrigo da Fonseca no seu leito de morte: "Nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”. E por aqui me fico.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 Junho 22

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 6 de junho de 2022

PSD – para que serve um partido?

 


Logo no seu Artº 10º, a nossa Constituição define o papel fundamental dos partidos: «Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política».

Sem partidos políticos e liberdade de escolha não há Democracia. E não é por acaso que o artigo acima citado refere «a expressão da vontade popular». Como bem sabemos, quer da memória do tempo anterior à Democracia, quer do conhecimento de outros regimes, quando existem partidos únicos estes outorgam-se a capacidade de definirem eles próprios o que é melhor para o povo. Mas também, em Democracia, os dirigentes partidários caem por vezes na tentação de se acharem verdadeiros educadores, moldando os partidos às suas próprias idiossincrasias, mesmo para além das opções políticas. A consequência mais certa dessa atitude é um afastamento dos próprios militantes da liderança partidária e dos eleitores do partido, pela existência de outras possibilidades de escolha, até pelo horror da política ao vazio.

E que uso devem os partidos fazer da «expressão da vontade popular» que conseguem recolher em eleições, isto é, da percentagem eleitoral que obtêm? Como é evidente, levar à prática os programas políticos que submetem à vontade popular, de acordo com as respectivas ideologias. Contudo, para aí chegarem, os partidos têm que obter um mandato que lhes permita fazer governo, isto é, chegar ao poder. E, depois, governar, mas também manter o poder o mais tempo possível, obviamente dentro das regras democráticas, que é disso que falo. Assim dito, parece simples, mas todos temos visto como, na vida concreta e real, é bastante complicado.

Para grande surpresa dos «educadores do povo», as primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril ditaram o sistema partidário para as décadas seguintes, com dois partidos a dominarem a cena eleitoral, resultado da vontade soberana do povo, PS e PPD/PSD, assim definindo os dois pólos alternativos da política portuguesa, à esquerda e à direita. Ao longo das décadas seguintes estes dois partidos foram-se revezando na governação, sós ou em coligação. 


E foi assim que, logo em 1979, o PSD liderou a coligação Aliança Democrática com maioria absoluta e em 1987 conseguiu a essa maioria sozinho com a liderança de Cavaco Silva. Essas governações definiram claramente o papel do PSD na política nacional e na governação do país. Sem assumir posições de centro, direita ou de esquerda como tal, mas propondo para o país as reformas concretas necessárias para o seu desenvolvimento e crescimento económico, assim compreendidas pelo povo que lhe confiou a governação. A partir de 1995 foi a vez de o PS governar, com curtas passagens do PSD pelo governo em consequência de crises nacionais. A mais grave foi em 2011, quando o PSD se viu obrigado a aplicar uma austeridade pesadíssima, resultado da governação socialista com Sócrates e das medidas negociadas por aquele governo com a Troika. Austeridade que na verdade foi ainda mais pesada porque, na realidade, o empréstimo negociado por Sócrates de 78 mil milhões não era suficiente, pela dívida escondida que se aproximava dos 30 mil milhões. Apesar disso, em 2015 o PSD ainda venceu as eleições, mas sem maioria absoluta. O apoio da esquerda radical ao PS, com vista ao afastamento do PSD do poder, permitiu àquele partido governar até hoje, agora em maioria absoluta, embora Portugal esteja permanentemente a descer na escala do PIB dos países da União Europeia, num empobrecimento e insucesso mais que evidentes da governação socialista.

Nestes últimos quatro anos o PSD nunca assumiu a governação que foi obrigado a fazer durante os terríveis anos da troica, antes parecendo ter vergonha do papel essencial que então desempenhou. Isto, enquanto afastava o seu eleitorado tradicional, em função das vontades e voluntarismos da sua liderança, corporizada em Rui Rio, oferecendo de mão beijada espaço a outros partidos e dificultando a sua própria vida futura. Quanto ao afastamento dos próprios militantes, isso é um assunto interno, que uma nova liderança, eventualmente, poderá reverter. Mas o essencial, e absolutamente necessário para a sanidade da própria Democracia, é que o PSD se assuma como alternativa ao PS, o que o obriga a definir políticas de reforma concretas, sem complexos de esquerda ou direita, independentemente dos outros partidos, certo de que o eleitorado perceberá perfeitamente o que está em causa e que um futuro melhor para os filhos não surgirá sem alguns sacrifícios no presente. Sempre assim foi e sempre assim será. Este, o verdadeiro desafio na nova liderança do PSD, para que o partido sirva para alguma coisa e tenha mesmo sobrevivência a médio prazo.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Junho 2022

Imagens recolhidas na internet