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segunda-feira, 25 de março de 2013
DRONE FINANCEIRO SOBRE NICOSIA
A ilha de Chipre localizada estrategicamente no Mediterrâneo, bem perto do Médio Oriente e que desde 1974 se encontra dividida entre gregos e turcos, experimentou na semana passada os efeitos uma nova arma financeira comandada a milhares de quilómetros de distância. Face aos apertos do sistema financeiro cipriota, a Alemanha resolveu inventar uma nova solução e levar o Eurogrupo a impô-la aos cipriotas: um imposto directo sobre todos os depósitos bancários.
Mais uma vez um país
está refém dos desmandos do seu sistema financeiro, isto é, dos seus bancos. Ao
longo dos anos, este pequeno país com cerca de 800.000 habitantes viu os seus
bancos crescer de uma forma perfeitamente desmesurada. Num país com um produto a
rondar os 18 mil milhões de euros, o que representa apenas 0,2% da economia da
zona euro, o sistema bancário chegou a deter 128 mil milhões de activos. Claro
que isso foi resultado de uma política agressiva de atracção de capitais
através de baixa taxação e de altos juros, que se aproximou muito de fábrica
internacional de lavagem de dinheiro, intensamente aproveitada por russos e
árabes. Os bancos cipriotas investiram muito desse dinheiro em dívida pública
grega, pelo que a famosa renegociação dessa dívida com os credores privados
levou inexoravelmente à sua pré-falência obrigando-os, por sua vez, a
renegociar as dívidas aos seus depositantes. Contas feitas, a necessidade de
fundos para equilibrar o barco será de 15,8 mil milhões de euros, coisa até
pequena face aos valores dos resgates da Grécia, de Espanha e até de Portugal.
Sucede, no entanto, que
desta vez a Troika, seguindo a “sugestão” alemã, resolveu inovar no “desenho”
da solução. Se aprovava um empréstimo de 10 mil milhões, para o valor restante
resolveu não ficar à espera dos resultados de reformas e encontrou uma maneira
de obrigar Chipre a obter de imediato os restantes 5,8 mil milhões, através de
um imposto sobre todos os depósitos bancários. Deixando em paz os accionistas
dos bancos e os responsáveis pela regulação que, mais uma vez, ficaram a
descansar na forma, a troika enviou um drone comandado pelos eurocratas que
tudo definem a partir dos seus gabinetes em Bruxelas.
O parlamento cipriota
rejeitou liminarmente esta solução, o que levou a que o governo tentasse
negociações com a Rússia que se revelaram igualmente infrutíferas. Um plano
alternativo apresentado a Bruxelas foi igualmente recusado. Entretanto, foi
possível ouvir ameaças claras absolutamente insuportáveis para um país
soberano, ainda que necessitando de apoio financeiro, ao proibir-se Chipre de
encontrar solução fora da troika e ameaçando com a paciência da mesma (melhor
dizendo, da falta dela). Suspeita-se que pelo meio estarão os interesses russos
sobre o gás natural cipriota cobiçados igualmente pela Alemanha, hoje em
completa dependência da Rússia nesse aspecto.
Toda esta história, que
ainda não terminou, põe em cima da mesa pelo menos três aspectos que nos
interessam directamente: o sistema bancário europeu continua a ser fonte de
problemas gigantescos para todos, excepto os donos dos bancos; os burocratas de
Bruxelas perderam todos os pruridos para obter os seus fins, inclusivé
enterrando a Democracia; por fim, e com pena o digo, não estamos livres de que
num dia destes Bruxelas não envie um drone para Lisboa e outras capitais com os
mesmos comandos do que foi até Nicosia confiscar os depósitos particulares.
Isto porque no Eurogrupo todos aprovaram essa medida, incluindo Portugal, pelo
que depois não se poderão queixar, quando o drone os visitar.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2013
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2013
sábado, 23 de março de 2013
quinta-feira, 21 de março de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
CAVALO DE TRÓIA
Ao longo dos séculos, a Humanidade foi desenvolvendo simbolismos que, só por si, dizem mais de muitas situações do que grandes e elaborados discursos.
Durante a Guerra de Tróia, os gregos verificaram a sua incapacidade para tomar Tróia pela força, após longo cerco sem consequências de maior para a cidade sitiada. Os sitiantes decidiram então montar uma grande operação de retirada logo festejada pelos troianos que, pela manhã, tiveram oportunidade de verificar que os gregos tinham deixado para trás um grande cavalo de madeira. Tomando a estátua como símbolo da sua vitória, transportaram-na para o interior das muralhas e deram largas à sua alegria com festas prolongadas bem regadas com vinho.
O resto da história também é bem conhecido. Quando os troianos descansavam exaustos pelos seus festejos, do interior do cavalo saíram soldados gregos que abriram os portões ao regressado exército grego, possibilitando assim a conquista e destruição da cidade até então inexpugnável, causando a desgraça e morte dos seus habitantes. Se o “Cavalo de Tróia” é símbolo de esperteza e foi motivo de júbilo para que o utilizou, pelo outro lado o seu simbolismo ficou ligado à arrogância, cegueira e desgraça de quem o meteu dentro das muralhas da Cidade que devia defender.
Os troianos morerram e a morte é também motivo de simbolismos, muitos deles de ordem religiosa, tendo dado origem a imensas manifestações artísticas, também musicais, como atestam as numerosas composições de “Requiem”. A Primavera que chega dentro de três dias é igualmente um símbolo poderoso: o da vitória da vida sobre a morte, da cor sobre o cinzento, da alegria sobre a tristeza. O ponto vernal que marca a passagem da eclíptica para norte do equador celeste assinala o início do período do ano em que os dias vão ser maiores que as noites, em que há mais luz que escuridão. Certamente não por acaso, é também nesta altura do ano que a cristandade celebra igualmente a sua Páscoa, a sua festa maior, a única que verdadeiramente dá razão de ser ao cristianismo. Por todos estes motivos, numerosas composições musicais celebram esta alegria, motivo por que se chamam “Aleluia”.
Caro leitor, pode pensar que os símbolos não são hoje em dia mais do que um arcaísmo destinado apenas aos livros e a quem se dedica ao estudo da História. Nada de mais errado, já que a Humanidade evoluiu muito na sua organização e na satisfação das necessidades essenciais e mesmo das inventadas, mas os homens e mulheres continuam a ser o mesmo: pessoas que sonham, amam e desejam construir um futuro melhor para si e para os outros. Claro que a inveja e a destruição não desapareceram da face da Terra. Mas a História deixou-nos ainda um aviso que devemos ter presente: Roma não paga a traidores e, quem se convence de que pode suceder o contrário, tem normalmente dissabores desagradáveis.
E é mesmo verdade: depois do Inverno vem sempre a Primavera.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Março de 2013
http://youtu.be/cQgd0vx3nYM
segunda-feira, 11 de março de 2013
11 DE MARÇO
Há poucos dias tive a
oportunidade de assistir a uma entrevista televisiva de uma senhora que se
apresentava como historiadora e que foi amplamente distribuída pela internet. Durante
algum tempo foi debitando os comentários habituais sobre a austeridade, sobre o
neo-liberalismo, sobre a venda ao desbarato das grandes empresas públicas aos
estrangeiros, sobre a indignação, etc. O habitual. Questionada sobre quais as
saídas alternativas à troika, já que só por nós não nos conseguimos financiar
para o país viver o simples dia-a-dia, saiu-se com a recordação das
nacionalizações de 1975 que, segundo a historiadora, até deram bom resultado.
Como se dá a
circunstância de hoje ser o dia 11 de Março, aproveito a oportunidade para
recordar essa data. Na sequência do 25 de Abril e do 28 de Setembro, vivia-se
então o PREC, sendo presidente da República o General Costa Gomes e
primeiro-ministro o Coronel Vasco Gonçalves. Entre manifestações permanentes e lutas
mais ou menos escondidas entre PCP e extrema-esquerda pelo controlo do MFA, o
país vivia num sobressalto permanente, sem se perceber para que tipo de
“socialismo” se iria virar, já que fora disso parecia não haver nenhum caminho
possível. A certa altura começou a circular um boato sobre uma suposta “matança
da Páscoa” que estaria a ser preparada pelas forças extremistas de esquerda.
Tal bastou para que os spinolistas, afastados da decisão política a partir da
demissão de Spínola na sequência do 28 de Setembro, tentassem um golpe militar,
precisamente em 11 de Março de 1975. A derrota foi completa, tendo parte das
conversações entre os militares no terreno sido feitas em directo, diante das
câmaras de televisão e do microfone de Adelino Gomes, uma originalidade bem
portuguesa.
Poucos dias depois,
surgiam as nacionalizações em força, tendo o recém-formado Conselho da
Revolução tomado a decisão de nacionalizar a banca e os seguros em 14 de Março,
a que se seguiu boa parte da economia. Em pouco tempo o estado era proprietário
de mais de 1.300 empresas, incluindo hotéis, fábricas de transformação de
tomate, de cerveja e mesmo barbearias. No fim desse Verão, o Estado detinha o
controlo de 20% do PIB e as nacionalizações eram consideradas fundamentais para
a transição para uma sociedade socialista na Assembleia do MFA de 19 de Abril.
O que se seguiu é bem
conhecido. Pouco tempo depois, logo em 1978, estávamos a chamar o FMI pela
primeira vez, para nos ajudar perante o descalabro das contas públicas e da
economia. Esquecido o “caminho para o socialismo”, com todas as garantias
sociais na “Constituição mais avançada do mundo”, mas sem dinheiro para as
pagar, viemos lentamente a descambar até à actual situação em que temos a taxa
mais elevada de auto estradas por habitante da Europa, sem dinheiro para as pagar
e sem carros a passarem por lá. Sem produção, endividadíssimos, com contas
públicas deficitárias, com desemprego galopante, vemo-nos obrigados a vender os
anéis, isto é, os resquícios empresariais das nacionalizações de 75. E ainda temos
que ouvir os disparates de “historiadoras” que não conseguem outras saídas
senão voltar aos erros crassos das nacionalizações! Haja paciência.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Março de 2013
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