quarta-feira, 17 de setembro de 2014

CONVERSAS



E de súbito voltou a política, ou melhor a discussão política, já que na política estamos e estaremos permanentemente mergulhados, pelo menos enquanto o sentir colectivo não estiver suficientemente pacificado por um bem-estar aceitável e distribuido com um mínimo de justiça.
E, nestas alturas de debates mais intensos o que não significa mais aprofundados, muito longe disso, há termos e frases que parecem servir para nos por bem dispostos, de tal forma os políticos as usam e delas abusam, pensando que estão a convencer alguém, quando na verdade os cidadãos apenas acham que estão a ser espirituosos.
É assim que muitos descobrem essa verdade lapalissiana de que são as pessoas que interessam, ou que estão primeiro. Como se a política não fosse exactamente isso, cuidar das pessoas, do seu bem estar e do seu futuro, não esquecendo os que hão-de vir. A questão não está em dizer que se tem as pessoas como preocupação, mas em como trabalhar de forma mais capaz porque, no fim, quer fale delas quer não, serão as pessoas que recolherão os frutos da sua actividade.
Porquê, então, haver tantos políticos a falar nas “pessoas”? É evidente que a classe políica sofre actualmente de um afastamento dos problemas reais da população. Quem está mais do lado do Governo adopta uma posição de fugir às consequências reais da política seguida na sequência do Pacto de Estabilidade que, para o bem e para o mal, foi levada a cabo por este Governo. Quem se opõe não percebe bem como é que com toda a austeridade o desemprego desce como em nenhum outro país do sul da Europa, há retoma económica diminuta mas há, ao contrário até da própria Alemanha e principalmente, não consegue justificar os restaurantes cheios ao fim de semana. Toca então a falar das “pessoas”, com a esperança de assim se chegar ao coração dos portugueses, mesmo usando o termo com se de um biombo se tratasse.
A verdade. Quando se chega à altura dos debates, principalmente os televisivos, é certo e sabido que algum dos intervenientes irá a certa altura levantar a mão direita, levá-la ao peito e dizer com ar compungido: deixe-me ser completamente verdadeiro. Eles não sabem, mas deve ser o momento mais divertido do debate, aquele pelo qual todos os espectadores esperavam para saberem à partida que seguramente se vai seguir uma mentira. Depois, todos aprendemos já que a verdade não tem só uma face, pelo que não vale a pena aos políticos virem defender a verdade como programa político, porque isso não significa nada. A única verdade que os portugueses querem ouvir é sobre os números certos dos mais diversos parâmetros das vida colectiva. Sobre se esses números significam que o copo está meio vazio ou meio cheio isso já eles sabem discernir hoje em dia, depois de tantos artistas a inventar sobre esses mesmos números.
Defender o bem comum. Eis outra frase que parece ter mel, tal o uso que muitos políticos fazem dela. É talvez aquela que mais exigência coloca sobre os políticos que a usam, já que corresponde ao que há de mais nobre na actividade política e remete para a ética na acção política, algo que todos os cidadãos percebem ser uma necessidade crucial para o seu viver colectivo. Mesmo muitos dos que no seu discurso político elegem a defesa do bem comum como objectivo último, vêm a falhar nas mais pequenas coisas.Um exemplo generalizado é a persistência na atitude de limpar secretárias, computadores, etc. quando as eleições ditam a substituição dos governantes por outros de partido diferente. Como se a alternância democrática fosse equivalente a uma sucessão de revoluções. Percebe-se que os que saem achem necessário documentar-se para futuro, não podem é limpar documentação que pertence às instituições que as pagaram com o dinheiro dos impostos. Defender o bem comum é mais fácil de dizer do que praticar do princípio ao fim.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 15 de Setembro 2014

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

UM MUNDO HOSTIL ÀS MULHERES



As notícias sobre o chamado “estado islâmico” não param de nos surpreender. Agora soube-se que entre os milhares de europeus que se juntaram aos islamitas do EI para ajudar a conquistar o que eles chamam o califado, haverá pelo menos uma dúzia de pessoas com cidadania portuguesa, entre as quais duas mulheres. Sabendo-se como os radicais islamitas tratam as mulheres é caso para pensar que razões levarão aquelas e outras mulheres europeias a enfileirar com os jihadistas. Parece mesmo que é a violência da actuação dos defensores do estado islâmico que exerce um fascínio sobre os jovens que os leva a largar o seu mundo e partir para a Síria e Iraque para participar naquela loucura assassina que dá pelo nome de Estado Islâmico. Às mulheres que vão é reservado o papel que os extremistas islâmicos oferecem a todas as mulheres: escravas em casa, sem qualquer hipótese de se poderem considerar seres humanos semelhantes aos homens. Esses, quando não estão ocupados a crucificar, degolar e chacinar todos aqueles que não partilham da sua vontade de construir o califado, incluindo muçulmanos, andam pelas ruas de arma em riste a verificar quem falta às obrigações religiosas que significam quase tudo o que a liberdade ocidental oferece aos cidadãos, sejam homens ou mulheres. 

Quando poupam mulheres e meninas é para as venderem acorrentadas nos mercados para servirem de escravas sexuais dos jihadistas que as quiserem comprar a menos de cem dólares cada.
A maioria dos jovens que decidem juntar-se aos jihadistas são primeiro doutrinados e depois recrutados através da internet. Uma das mais activas recrutadoras europeias para o EI é uma rapariga de vinte anos que terá sido tremendamente eficaz a recrutar raparigas de toda a Europa para se juntarem aos jihadistas, casarem com eles e “trazer para perto de si o campo de batalha, se não conseguirem chegar ao campo de batalha”. Metem dó, porque o fim de todos eles e delas também está bem à vista: mais cedo ou mais tarde morrerão às balas dos inimigos que criaram ou apodrecerão até ao fim da vida em cadeias miseráveis.

Vida estranha e mesmo aterradora a destas mulheres que têm o azar de aí terem nascido ou escolheram ir para a Síria e Iraque, por motivos que algum dia talvez se venha a perceber quais foram.
Mas o nosso Ocidente foi também origem de notícias sobre mulheres que dão muito que pensar. Mais de cem mulheres famosas viram fotografias íntimas que tinham guardado em lugares supostamente seguros na internet serem divulgadas por todo o mundo, sem seu consentimento. Claro que se trata de fotografias apenas de mulheres.
Poder-se-à dizer que aquelas mulheres não tinham nada que, em primeiro lugar tirar fotografias nuas, e depois que as guardar na internet, pelo que serão elas as responsáveis pelo sucedido. Faz lembrar aquele argumento que desculpa os violadores, por as mulheres não andarem suficientemente tapadas, o que nos remete aliás, de novo para os muçulmanos que obrigam as mulheres a andar na rua completamente tapadas para não suscitarem desejos nos homens que, como é bem sabido, são muito atreitos a isso quando são “verdadeiramente homens”.
Sucede que o problema não está aí. Fotografia de nus, incluindo pinturas célebres, sempre as houve e daí não vem mal ao mundo. Os hackers só violaram os sites de guarda de material informático porque lá havia material vendável e por isso o roubaram. E é isso que os corpos das mulheres são muitas vezes na nossa sociedade: material vendável, isto é, mercadoria. Por isso somos inundados com publicidade que usa e abusa do corpo feminino tantas vezes manipulado para se assemelhar com standards tidos como ideais de beleza. E é material vendável, porque há muita gente disposta a pagar por ele. Nas últimas décadas a nossa sociedade alterou imenso a forma como encara a mulher. No entanto, de forma subterrânea, há ainda algo a unir o dito califado à nossa sociedade e tem a ver com o total respeito (ou falta dele) pela Mulher como tal e por inteiro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Setembro de 2014

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

SAUDADES DA GUERRA FRIA?



A queda do muro de Berlim varreu o regime comunista para as estantes da História, mas desengane-se quem pensou que a bipolarização dos tempos da guerra fria tinha terminado para sempre, com o estabelecer definitivo do império americano. Nem, como se sabe, os impérios da História duram para sempre nem as notícias sobre o desaparecimento da Rússia juntamente com a ex-URSS deixaram de ser manifestamente exageradas. Claro que a fraqueza súbita no centro do antigo império soviético permitiu a separação e independência de países que foram anexados na formação da ex-URSS em 1922 e após a II Guerra Mundial, neste caso os que na prática estavam ocupados pelos exércitos soviéticos desde a sua marcha para ocidente no combate à Alemanha hitleriana, construindo aquilo a que Churchill chamou “Cortina de Ferro”.
Os anos de governação de Boris Yeltsin e da reestruturação da organização interna russa significaram um apagamento do papel da Rússia no contexto mundial. Mas o novo regime acabou por se definir dentro da lógica de economia de mercado, embora com uma grande intervenção do Estado. Há aspectos da Rússia que na realidade não mudam muito, estejam os antigos czares no poder, os comunistas ou agora o actual regime e um deles é a desmesurada capacidade interventiva do Kremlin em todos os aspectos da vida do país, seja na política, seja na economia. Como se trata de um país de grandes dimensões e com populações de diversas origens e histórias, uma certa visão que podemos considerar imperialista não está também nunca muito afastada das práticas governativas do Kremlin. Essa visão abrange ainda uma vontade de influenciar definitivamente os países que se situam junto às suas fronteiras, principalmente na zona ocidental. Acresce que, durante a existência da União Soviética o poder moscovita considerou os países anexados à União como pertencendo-lhe para sempre, pelo que por eles foi distribuindo infraestruturas diversas, incluindo estruturas militares e ainda fábricas de equipamento militar.

Tudo isto explicará boa parte da acção de Putin nos dias de hoje, mas não lhe dá razão em tudo ou mesmo em grande parte do que se passa hoje na Ucrânia, ainda que a inclusão do “celeiro da Europa” na ex-URSS viesse já dos anos 20 do século XX. De facto, a inclusão da Crimeia na Federação Russa em Maio do corrente ano fez-se à margem de todos os tratados internacionais assinados pela própria Rússia em 1991. A Ucrânia que, lembre-se, é o país totalmente europeu com maior dimensão territorial, aprendeu à sua custa que não podia contar com ajuda da União Europeia ou mesmo dos Estados Unidos, para além de votações das Nações Unidas ou uns comunicados piedosos mas inócuos a condenar a acção militar de Putin na Crimeia. Putin vive e governa com toda a confiança no novo sistema de tipo capitalista da Federação Russa, mas não sendo comunista nem lá perto, não prescinde de deixar bem claro que não apreciou nada o que Mikhail Gorbachev acabou por fazer à ex-URSS com a sua “glasnost” que, juntamente com a famosa “perestroika” acabou não por reestruturar a União Soviética mas por a destruir por dentro ao libertar todas as tensões acumuladas e sustidas com mão de ferro pelo Partido Comunista desde os tempos de Lenin.
Após a anexação da Crimeia, Putin avançou com técnicas de subversão no leste da própria Ucrânia, apoiando sectores que defendem a separação de parcelas do território da Ucrânia e da sua integração na Federação Russa. Desta vez o governo de Kiev reagiu militarmente e avançou com tropas para reocupar aquele território, até agora com relativo êxito, dado que a área dominada pelos separatistas é já muito reduzida. Com a previsível derrota militar dos separatistas, chegou-se a um ponto em que a diplomacia tem que intervir, sob pena de as consequências desta guerra europeia, dado que se trata efectivamente de uma guerra, poder alastrar com consequências imprevisíveis, que necessariamente surgiriam no caso de uma intervenção militar russa directa no território da Ucrânia.
Pelo menos por uma vez, a União Europeia tem que se mostrar à altura da exigência do momento e não deixar pendurado um país europeu que pretende ter relações privilegiadas com ela, mostrando-se firme perante a atitude da Federação Russa, mas tendo em conta a História da região; a Ucrânia deve continuar una, mas com soluções próprias e democráticas para as pequenas zonas em que a população é maioritariamente pró-russa. Por seu lado, Putin deve compreender que o respeito pelos tratados internacionais e pela soberania dos países limítrofes é a única garantia de respeito da comunidade internacional e que garante à Federação Russa o papel importante que deve ter no equilíbrio europeu e mundial. O regresso a uma situação de guerra fria é mau para todos e seria um passo atrás no desenvolvimento económico e na liberdade no mundo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

AINDA OS BANCOS



A lista dos bancos que, um pouco por todo o mundo, têm mostrado faltas graves na sua actividade é extensa e parece estar sempre a crescer, tendo-se-lhe juntado agora o Bank of America que aceitou pagar 16,65 mil milhões de dólares em multas e indemnizações a clientes a quem vendeu produtos financeiros tóxicos. Nomes sonantes da banca internacional como o JPMorgan Chase, o Citigroup, o HSBC ou o Barklays têm andado nas bocas do mundo e nas barras dos tribunais por passarem reiteradamente e de forma grave a fronteira da ilegalidade e, acima de tudo, da decência. E não se pense que tudo isto surge de falta de regulação ou de fiscalização, porque tem mesmo muito a ver com atitudes deliberadas dos seus responsáveis ao mais alto nível, recordando-se aqui a fuga do CEO do Anglo Irish Bank da Irlanda para os Estados Unidos onde abriu falência, para não pagar os 8,5 milhões de euros que ele próprio devia ao banco.
Na segunda metade do século XX e no actual surgiram rápidas e profundas alterações em toda a organização financeira que acompanharam as profundas mudanças económicas relacionadas com a globalização e a facilidade de deslocação de pessoas e bens. 

As transacções financeiras aproveitaram os meios tecnológicos à disposição e passaram a fazer-se a uma escala verdadeiramente planetária a uma velocidade antes impensável. A banca comercial tradicional foi invadida pela banca de investimento que inundou a economia de produtos financeiros “derivados” que a partir de certa altura ninguém sabia bem a que correspondiam na realidade. Os próprios instrumentos de segurança contra as flutuações de taxas de juro tornaram-se verdadeiro fogo nas mãos de quem os subscreveu. As autoridades que superintendem na actividade financeira ficaram manietadas e perdidas no novo contexto, perante a dificuldade política de rever adequadamente e em tempo útil todo o edifício legislativo que define as regras da finança.
Em Portugal não fugimos à regra. Quando a crise de 2008 nos bateu à porta, vivíamos num mundo fantasista que pressupunha todo um contexto que já havia desaparecido há anos. Com as melhores intenções e a maior incompetência atirámos com dinheiro para cima dos problemas, dinheiro esse de empréstimo externo, criando investimento para “puxar” pelo consumo interno, à boa maneira keynesiana. Isto, quando não tínhamos moeda própria para poder imprimir notas nem para mexer no câmbio. Secando o financiamento à economia, os bancos viram-se reduzidos ao papel de obter financiamento junto do Banco Central Europeu para o colocar em papel de dívida pública, já que o Governo estava impedido de o fazer, pelas regras comunitárias.
Com tudo isto a banca portuguesa também não passou incólume pela crise. Por diversas razões, diversos bancos nacionais expuseram as suas fraquezas aos olhos de toda a gente, com consequências diferentes. Foram os casos do BPN, BPP e mesmo do BCP.

Entretanto a União Europeia desenvolveu um novo modelo para actuar nos bancos quando algum deles vai à falência com riscos para a economia. Portugal transpôs essa norma para o direito interno e esse modelo foi aplicado agora ao BES. Através do “Fundo de Resolução” em que todos participam, o conjunto de bancos portugueses foi chamado a intervir num novo banco criado para o efeito que ficou com a parte “boa” do antigo BES e que deverá ser vendido o mais rapidamente possível. Como este Fundo é recente e ainda não dispunha de capacidade financeira suficiente, o Estado fez-lhe um empréstimo de dinheiro ainda remanescente da Troika. 

Como resultado, se o novo banco for vendido por um valor acima do dinheiro lá metido, o empréstimo é devolvido e os resultados divididos pelos bancos através do Fundo de Resolução; caso contrário, são os próprios bancos que assumem o prejuízo na devolução do empréstimo, na parte que lhes corresponder. Isto é, neste momento, são os bancos que estão interessados no sucesso da operação, evitando mesmo acções concorrenciais que possam baixar o valor do novo banco que agora é deles próprios.
Como se vê, não se trata de uma nacionalização e sim de um processo que mete todos os intervenientes numa embarcação a remar para o mesmo lado, sob o risco de todos perderem.
Como resultado final, o banco será vendido a estrangeiros, mas neste momento já é mais ou menos isso que se passa com toda a banca privada portuguesa.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Agosto de 2014