jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
segunda-feira, 3 de agosto de 2015
A doença que alastra
A
Síria, tal como a conhecemos durante muitos anos, é um país que já não existe.
Actualmente, já nem sequer pode ser considerado como um país, por não ter
território definido, governo que governe, nem qualquer sombra de soberania,
para além de não haver paz em lado nenhum para os seus habitantes, que não se
podem sequer chamar cidadãos. Aquilo que começou na chamada “primavera Árabe”
resvalou para um conflito militar inter-Islão entre sunitas e xiitas com uma
violência inaudita. Na Síria, anteriormente um país multicultural e
multiétnico, mas bastante ligado ao Irão, convergiram todos medos e todos os
ódios da região, movimentando alianças regionais e mundiais, desde a Arábia
Saudita e Qatar contra o Irão, Rússia e China contra Estados Unidos e Europa,
sem esquecer Israel e a Turquia devido ao Hezbollah e aos Curdos. O avanço do
xiismo, que sempre foi minoritário, um pouco por todo o mundo muçulmano colocou
os principais países sunitas como a Arábia Saudita e seus aliados em alerta
pelo medo que têm do Irão xiita, que consideram como o seu inimigo principal,
mais ainda que o próprio Israel.
Deste caldo
saíram as condições para que nascesse algo ainda pior, o chamado “Estado
Islâmico”. Depois de terem aproveitado as deficiências e falhas graves do
Iraque após a saída das forças americanas, onde originalmente lutaram para
criar um califado nas zonas de maioria sunita no Iraque, os jihadistas
avançaram pela Síria, ocupando grande parte do seu território a saque.
O seu
objectivo final é agora recriar o antigo califado, exercendo a sua autoridade
sobre todos os muçulmanos do mundo. O objectivo imediato passa pela criação de
um Estado muçulmano cujo território será constituído pela zonas sunitas da
Síria e do Iraque, o que já estará quase alcançado. As reacções internacionais
têm primado pela ineficácia, já que se restringem a acções de força aérea sem
qualquer colocação de exércitos no terreno. De facto, o historial do
médio-oriente aconselha à maior prudência nas acções militares, porque os
aliados de hoje serão certamente os inimigos de amanhã e é impossível conhecer
as alianças subterrâneas entre os diversos países, famílias e orientações
religiosas que funcionam a cada momento, ditadas pela religião mas também, ou
sobretudo, pelo poder do petróleo.
Mas o problema
não está circunscrito à Síria e ao Iraque, bem pelo contrário. Na realidade, o
terror da autoria de fundamentalistas islâmicos tem sido levado praticamente a
todo o lado, não se circunscrevendo à área daquilo a que chamam Califado.
Na Europa recordam-se,
entre outros, os atentados nos comboios em Madrid em Março de 2004 que
provocaram 191 mortos, em Londres em Julho de 2005 com 52 mortos, em Toulouse
em Março de 2012 com 4 mortos, o ataque à revista Charlie Hebdo com 12 mortos
em Janeiro de 2015. Sem esquecer os mortíferos atentados islamitas anteriores
em Nova Iorque e.Bombaim.
Em África, todo o
Norte se encontra em chamas devido aos extremistas muçulmanos. Desde a Tunísia
em que turistas são chacinados na praia, até ao Egipto onde a guerra no Sinai é
aberta, passando pela Líbia onde as praias são utilizadas pelos jihadistas para
mortandades filmadas e mostradas ao mundo inteiro.
Mas a África sub-sariana
experimenta também os horrores da guerra trazida pelos extremistas muçulmanos.
Os países situados nas margens do lago Chade, a Nigéria, o Chade, o Níger e os Camarões
têm sofrido horrores indescritíveis causados pelos islamitas do Boko Haram. A
Somália é palco de frequentes ataques jihadistas que atacam directamente as
forças armadas do país. No Quénia, os terroristas islâmicos entraram numa
Universidade e foram perguntando a quem encontravam se era cristão, matando de
imediato quem respondesse afirmativamente e deixando assim 147 mortos para
trás.
Na Índia, em
Bombaim, atentados dos jihadistas islâmicos provocaram quase duzentos mortos em
Novembro de 2008.
Verifica-se que o
jihadismo islâmico encontra terreno propício para a sua macabra actuação em
países sem Estado central forte ou mesmo minimamente organizado e em países em
que os detentores de poder pouco mais fazem do que canalizar as riquezas dos
seus países para as suas próprias contas bancárias, gerando pobreza
generalizada e forte insatisfação dos povos.
Olhando para o
mapa actual da actividade do jihadismo islâmico, não podemos deixar de nos
assustar e perguntar qual a saída para a situação que é visível não ser já
resolúvel com acções militares localizadas. E impressiona a aparente
passividade do resto do mundo e a completa incapacidade de resposta das
instâncias internacionais, como as Nações Unidas.
segunda-feira, 27 de julho de 2015
Dos partidos extractivos e não inclusivos
A
importância de falar sobre os partidos deve-se a duas ordens de razão
essenciais. A primeira, óbvia e fundamental, deve-se a que sem partidos não há
democracia. Depois, o sistema politico, por mais complexo que seja, tem por
base precisamente os partidos, onde naturalmente têm origem os responsáveis
pelo funcionamento desse mesmo sistema.
Há
muita gente que afirma que a constituição das listas de deputados não interessa
para nada, já que depois de eleitos não terão voz própria no parlamento,
devendo sujeitar-se às orientações dos respectivos grupos parlamentares. Isto
seria verdade tanto para os partidos suporte dos governos, como para os de oposição.
À luz de tal critério, os deputados seriam considerados, não como
representantes do povo, mas como recursos humanos dos partidos, como aliás lhes
ouvi chamar há pouco tempo pelo presidente de um dos principais partidos, sem
que tal afirmação tenha dado origem a qualquer comentário.
Na
verdade, a prática dos partidos,
incluindo os dois maiores, permite que aquelas conclusões tenham muita razão de
ser. Os processos de escolha dos candidatos ou são opacos ou mostram critérios
que relevam apenas das eleições internas dos partidos, a níveis nacional e
distrital, mas também concelhio: há que "colocar" as personalidades
apoiantes dos vencedores dessas eleições internas mas também, e com frequência
sobretudo, afastar os derrotados e quem os apoiou. Tudo isto independentemente
das qualidades, competências e capacidades de uns e de outros. Isto é, as
eleições internas dos partidos, muito mais do que escolher e promover politicos
capazes de suscitar discussões sobre a realidade e propor soluções, são verdadeiras
primárias restritas para escolher as listas de candidatos que propõem aos
eleitores. Ao procederem assim os partidos estão a estabelecer as bases para o
prolongamento deste tipo de atitude para as instituições políticas do Estado e
mesmo para a organização económica nacional. Por mais que um governante
nacional consciente destas situações e desejoso delas escapar se mova para
fugir deste contexto, as bases para as atitudes extractivas generalizadas na
esfera politica, mas também na económica, estão estabelecidas como braços de um
polvo que chegam a todo o lado. E são, não tenhamos dúvidas sobre isso, a razão
profunda do nosso atraso económico e dos casos de políticos e gestores
extraordinariamente enriquecidos que proliferam entre nós. Como nos ensinam Acemoglu
e Robinson na sua obra "Porque Falham as Nações", a existência de
instituições políticas inclusivas é uma das condições essenciais para que uma
nação progrida e se possa afirmar como estando entre as mais progressivas, como
a maioria de nós ambiciona para Portugal.
Claro
que ninguém espera que em épocas eleitorais haja ambiente para que surjam
propostas para alterar profundamente este estado de coisas. Mas é nestas
alturas que a sua necessidade se torna mais evidente, pelo que os alertas devem ser dados agora, momento em que todos
podem ver a realidade. Não se trata de criticar ou atacar este ou aquele
partido ou político em concreto, mas de chamar a atenção para aquilo que está
agora claramente visível e afirmar que, muito mais que uma discussão ética
sobre corrupção, se trata de facto de
descobrir as razões profundas do nosso atraso económico relativamente a nações
que poderíamos acompanhar lado a lado, com consequências graves para o povo em
geral.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Julho de 2015
quinta-feira, 23 de julho de 2015
Pontes culturais entre países irmãos
Há pouco mais de uma semana Coimbra pôde assistir a dois momentos culturais, numa rara simultaneidade que proporcionou ainda a feliz comemoração de um importante acontecimento político.
A autarquia de Coimbra atribuiu o importante prémio literário Miguel Torga ao escritor cabo-verdiano Mário Lúcio de Sousa que acontece ser o actual ministro da Cultura do seu país. De referir que Mário Lúcio foi o primeiro autor não português a ganhar este prémio, tendo concorrido com o romance inédito "Biografia do lingua". O prémio foi-lhe entregue no salão Nobre da Câmara no passado dia 12, tendo assistido à cerimónia o primeiro Ministro de Cabo Verde e participado o secretário de Estado da Cultura do Governo português. Após a cerimónia, houve um concerto no Pavilhão Centro de Portugal pela Orquestra Clássica do Centro dirigida pelo Maestro António Sérgio Ferreira.
O concerto foi integralmente dedicado à música cabo-verdiana, com composições do músico cabo-verdiano Vasco Martins incluindo ainda a interpretação por Mário Lúcio da sua canção "Morna e cítara" com arranjo também de Vasco Martins. Esta composição lindissima, e que suscitou grande entusiasmo por parte do público, "é a única morna que se conhece com dois acordes, em que o compositor, além da temática da mestiçagem (crioulo), também pensou na Índia e no ‘tampura’, instrumento tradicional indiano".
O concerto abriu com a obra “Quatro notas na cidade”, inspirada nos pregões das peixeiras da cidade do Mindelo tendo, em alguns dos temas que se seguiram, intervido o próprio compositor como interprete. Vasco Martins é um compositor multifacetado e consagrado em várias áreas da música, sendo mesmo um dos raros compositores africanos de musica erudita. A sua musica tem sido interpretada por grandes orquestras e maestros reconhecidos, fazendo parte do reportório da Orquestra Clássica do Centro há mais de uma dezena de anos.
O concerto inseriu-se nos “Encontros com a Cultura Caboverdiana", que decorreram entre os dias 3 e 15 de Julho, em que a OCC e algumas associações cabo-verdianas como o Núcleo de Coimbra da Associação Maense em Portugal e o Grupo de Apoio aos Doentes Evacuados em Coimbra promoveram a comemoração dos 40 anos da independência de Cabo Verde.
Incluida nestas actividades, assistiu-se ainda à apresentação de um interessante livro sobre a cantora Cesaria Évora da autoria de Vasco Martins e do pintor Tchalé, editado pela OCC com o apoio da PLURAL. Houve a rara oportunidade de poder ouvir um dos autores, Vasco Martins, a falar sobre a vida da artista que levou a canção cabo-verdiana a todos os cantos do mundo, partilhando emocionadamente com a assistência aspectos da sua convivência pessoal com a cantora.
Assistir à actuação ao vivo de Vasco Martins ao piano é uma experiência que fica na memória. É visível a relação amorosa e mística do compositor com a sua obra e o instrumento. O pianista, ora toca delicadamente nas teclas, ora praticamente se estende ao longo do teclado tocando com violência, ora se levanta como quem quer ir-se embora, sem nunca deixar de fazer fluir a música intensa.
Dias inesquecíveis, que provaram como a Cultura pode contribuir para unir povos e ultrapassar separações artificiais, criando em seu lugar fraternidade, confiança e amizade.
A autarquia de Coimbra atribuiu o importante prémio literário Miguel Torga ao escritor cabo-verdiano Mário Lúcio de Sousa que acontece ser o actual ministro da Cultura do seu país. De referir que Mário Lúcio foi o primeiro autor não português a ganhar este prémio, tendo concorrido com o romance inédito "Biografia do lingua". O prémio foi-lhe entregue no salão Nobre da Câmara no passado dia 12, tendo assistido à cerimónia o primeiro Ministro de Cabo Verde e participado o secretário de Estado da Cultura do Governo português. Após a cerimónia, houve um concerto no Pavilhão Centro de Portugal pela Orquestra Clássica do Centro dirigida pelo Maestro António Sérgio Ferreira.
O concerto foi integralmente dedicado à música cabo-verdiana, com composições do músico cabo-verdiano Vasco Martins incluindo ainda a interpretação por Mário Lúcio da sua canção "Morna e cítara" com arranjo também de Vasco Martins. Esta composição lindissima, e que suscitou grande entusiasmo por parte do público, "é a única morna que se conhece com dois acordes, em que o compositor, além da temática da mestiçagem (crioulo), também pensou na Índia e no ‘tampura’, instrumento tradicional indiano".
O concerto abriu com a obra “Quatro notas na cidade”, inspirada nos pregões das peixeiras da cidade do Mindelo tendo, em alguns dos temas que se seguiram, intervido o próprio compositor como interprete. Vasco Martins é um compositor multifacetado e consagrado em várias áreas da música, sendo mesmo um dos raros compositores africanos de musica erudita. A sua musica tem sido interpretada por grandes orquestras e maestros reconhecidos, fazendo parte do reportório da Orquestra Clássica do Centro há mais de uma dezena de anos.
O concerto inseriu-se nos “Encontros com a Cultura Caboverdiana", que decorreram entre os dias 3 e 15 de Julho, em que a OCC e algumas associações cabo-verdianas como o Núcleo de Coimbra da Associação Maense em Portugal e o Grupo de Apoio aos Doentes Evacuados em Coimbra promoveram a comemoração dos 40 anos da independência de Cabo Verde.
Incluida nestas actividades, assistiu-se ainda à apresentação de um interessante livro sobre a cantora Cesaria Évora da autoria de Vasco Martins e do pintor Tchalé, editado pela OCC com o apoio da PLURAL. Houve a rara oportunidade de poder ouvir um dos autores, Vasco Martins, a falar sobre a vida da artista que levou a canção cabo-verdiana a todos os cantos do mundo, partilhando emocionadamente com a assistência aspectos da sua convivência pessoal com a cantora.
Assistir à actuação ao vivo de Vasco Martins ao piano é uma experiência que fica na memória. É visível a relação amorosa e mística do compositor com a sua obra e o instrumento. O pianista, ora toca delicadamente nas teclas, ora praticamente se estende ao longo do teclado tocando com violência, ora se levanta como quem quer ir-se embora, sem nunca deixar de fazer fluir a música intensa.
Dias inesquecíveis, que provaram como a Cultura pode contribuir para unir povos e ultrapassar separações artificiais, criando em seu lugar fraternidade, confiança e amizade.
terça-feira, 14 de julho de 2015
Escolher Presidente
As
respostas aos mais diversos problemas, desde as reformas de redefinição das
funções de soberania, às opções económicas e à adaptação do estado social às
novas circunstâncias decorrentes da mudança das pirâmides etárias e das nossas
possibilidades, deverão associar-se à União Europeia renovada que
obrigatoriamente vai sair da actual crise grega. Para que tal seja possível, os
futuros governos deverão ter em Belém alguém que, no topo da hierarquia do
Estado, perceba tudo isso e seja factor de união entre os portugueses.
A
escolha que os portugueses fizerem para a presidência da República será, assim,
crucial para o futuro do país. Não se poderá cair no caminho perigoso da
demagogia e do populismo, nem das propostas de quem entra facilmente na área de
actuação do governo ou dos tribunais. Deveremos exigir um conhecimento profundo
e sustentado do sistema político, dos seus fundamentos e das relações entre os
diversos órgãos de soberania com os seus pesos e balanços relativos, sem
esquecer a formação cultural e histórica que dá a percepção permanente das
razões do que vai sucedendo. Isto a nível nacional, mas também a nível europeu,
sem esquecer as relações com os PALOPS. Para os tempos que se aproximam, não
poderemos ter um presidente que, embora seja muito conhecedor de uma área
específica, ainda que essa área seja a da gestão, ou que seja muito preocupado
com problemas sérios como o da corrupção se fique por aí, porque essas questões
não se resolverão sem uma visão esclarecida e polivalente da sociedade. Não
poderemos ter na presidência alguém sensível ao canto das sereias que, perante
as visões fantasiadas e idílicas de amanhãs fantásticos, nos leve em três
tempos aos infernos das consequências trágicas das ideologias extremistas,
tenham elas a cor que tiverem. Nunca poderemos ter na presidência alguém que
não saiba os limites dos diversos poderes e que se vá imiscuir nas competências
dos outros poderes soberanos, principalmente nas áreas governativas, mas sim
alguém que seja capaz de, com o seu conselho avisado e a sua colaboração
discreta e inteligente, poder contribuir para uma sã e eficaz correlação de
poderes.
Precisamos
de quem seja capaz de falar com todos os partidos, mas que saiba de segurança profunda
dada pela experiência e conhecimento, que é ao centro político que se encontram
as soluções dos problemas do país, evitando experimentalismos perigosos. Alguém
que, falando com os partidos, seja capaz de estabelecer o necessário
distanciamento, tomando as suas decisões de forma isenta e independente, mesmo
do seu próprio partido de origem.
Dado
que antes das presidenciais ainda vamos ter eleições legislativas, os
potenciais candidatos que surgiram até agora dificilmente respondem globalmente
aos quesitos que acima coloquei, para além de serem pessoas estimáveis que
merecem o nosso respeito e consideração pessoais. A meu ver, de entre todos os
nomes que têm sido falados, duas pessoas estarão em condições para dar essa
resposta e aguardarão, naturalmente, o fim das próximas eleições para
anunciarem as suas candidaturas.
Qualquer uma delas, mais à esquerda e mais à
direita, poderá dar o seu contributo ao país da forma que me parece necessária.
Refiro-me a Marcelo Rebelo de Sousa e a Maria de Belém.
Pelo
que conheço das suas personalidades, a seriedade, capacidade de entrega ao país
e independência pessoal estão em ambos acima de qualquer suspeita. Qualquer um
deles saberá estar para lá das vontades e anseios de protagonismo ou mesmo de
obtenção de poder pelos cidadãos que legitimamente lhes derem o seu apoio.
Que
ambos trabalhem nos próximos tempos para que as suas candidaturas venham a ser
a realidade de que o país precisa e mesmo, por que anseia. E que, logo depois
das legislativas, mostrem ao país que há possibilidade de escolhas de altíssima
qualidade no país, bem acima das fracas prestações de muitos políticos que por
aí andam, tantas vezes levados ao colo por interesses inconfessáveis.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Julho de 2015
segunda-feira, 6 de julho de 2015
OS CENTAUROS
A
festa de casamento tinha corrido bem até àquela altura. O noivo, de nome
Pirítoo, era o rei dos Lápitas, povo grego que habitava na Tessália,
celebrizado pela sua participação na saga dos Argonautas. Para as bodas do
casamento com Hipodâmia, tinha convidado imensas pessoas importantes e da sua
família, entre as quais os seus irmãos Centauros. Os Centauros eram uma raça de
seres híbridos, com torso e cabeça de humano e o corpo de cavalo, que viviam
nas montanhas da Tessália e nas planícies da Arcádia. Tinham tido origem no
desejo do rei dos Lápitas Ixíon, pai de Pirítoo, de possuir Hera a esposa do
deus Zeus, o deus de todos os deuses do Olimpo. Zeus, depois de se divertir a
observar Ixíon a ter relações com uma nuvem que formara com o aspecto de Hera
do que viriam a nascer o primeiro centauro e depois a sua descendência, vingou-se
mais tarde violentamente do facto de Ixíon se ter vangloriado de ter
conquistado Hera. Os centauros apresentavam-se de forma altiva violentos e
indomáveis, evidenciando a sua força física e impulsos sexuais que lhes vinham
da metade animal, mas demonstrando também capacidades excepcionais do ponto de
vista da racionalidade advindas da parte humana.
Durante
as bodas de Pirítoo e Hipodâmia, a certa altura foi servido o vinho. Os centauros
não estavam habituados à bebida alcoólica e não lhe juntaram água. Em
consequência ficaram embriagados, vindo então ao de cima a sua índole animalesca
e, cegos pela luxúria e violência tentaram inclusivamente violar e raptar a
própria noiva. As consequências da sua atitude foram terríveis. Os Tessálios
reagiram violentamente verificando-se um grande massacre e, com a ajuda de
Teseu, os centauros foram expulsos da Tessália, refugiando-se no Épiro, onde
mais tarde Héracles os foi quase exterminar.
As
cenas da batalha entre os Lápitas e os centauros foram objecto de inúmeras
representações artísticas, de que se devem ressaltar um friso no Partenon e um
baixo relevo de Miguel Ângelo, além de muitas pinturas ao longo dos séculos, o
que demonstra a força do seu simbolismo.
Nos
finais de Janeiro, as cenas políticas grega e europeia viram surgir uns
personagens novos, diferentes dos habituais. Aléxis Tsípras, Yanis Varoufakis e
Panos Kamenos chamaram a atenção generalizada pela diferença na radicalidade
das suas propostas, mas também e talvez sobretudo, pela pose pública de altivez
roçando muitas vezes a arrogância displicente e pelo gosto pela ostentação do
abandono do trajar tradicional em lugares de representação de Estado.
Nas
bodas permanentes de casamento que são as reuniões de negociação dos países
europeus, um dos convidados passou a desafiar permanentemente todos os outros,
de uma forma desafiante e agressiva, parecendo embriagado com a possibilidade
de, participando nas bodas, retirar tudo o que lhe apetecesse para si, à custa
de todos os outros. Usando de todas as armas, com o ar de que tudo lhe era
devido e a tudo tinha direito, entrou em guerra aberta com todos os outros que
se sentavam à mesma mesa, sem deixar nenhum de fora. Não fora o convidado
beligerante grego e dir-se-ia que da História nada tinha aprendido, nem sequer
da sua própria mitologia antiga, que pretendia ensinar os homens com as
asneiras dos deuses. A História está ainda em aberto mas, qualquer que tenha
sido o resultado do refendo/plebiscito de ontem e sabendo-se o que aconteceu
aos centauros, não será difícil adivinhar o que seguirá, a não ser que a
sabedoria impere em todos os lados, em vez dos sentimentos e raivas.
Publicado originalmente no
Diário de Coimbra em 6 de Julho de 2015
Subscrever:
Mensagens (Atom)