quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Juizes governantes

 O novo Governo de António Costa vai ter dois juízes como secretários de Estado.

O juiz Antero Luís, que vai ser secretário de Estado adjunto e da Administração Interna, foi director-Geral do Serviço de Informações de Segurança (SIS) entre 2005 e 2011 e secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna (SSI - o “super-polícia”) de 2011 a 2014.

O juiz Mário Belo Morgado, que vai ser Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, foi inspector judicial, director-geral dos Serviços Judiciários e vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (não tendo sido eleito pelos pares para a presidência) e ainda director nacional da Polícia de Segurança Pública.

Coincidências?
Eu não acredito em bruxas, mas que as há, há....




segunda-feira, 21 de outubro de 2019

CIDADANIA AOS PEÕES


Na sequência do acentuado movimento demográfico de abandono das áreas rurais das últimas dezenas de anos, as cidades passaram a ser o habitat natural da grande maioria das pessoas. Para que os seus habitantes tenham uma vida confortável e mesmo saudável os espaços públicos urbanos devem ser dimensionados tendo em conta esse facto devendo, para além disso, ser motivo dos maiores cuidados de manutenção e conservação. Essa obrigação deverá ser mesmo ser considerada como a preocupação número um de qualquer autarquia.
Nas ruas das cidades convivem diversos tipos de utentes entre os quais uma das maiores diferenças reside nos respectivos modos de deslocação. E, se há zonas destinadas exclusivamente a pessoas que se deslocam a pé ou bicicleta como os parques verdes outras há, caso das ruas, em que os conflitos entre os diversos modos de deslocação são permanentes. Nem falo de situações espúrias e absolutamente inaceitáveis, de utilização abusiva dos passeios que são exclusivamente destinados a peões como o estacionamento de viaturas automóveis ou aquela outra mais recente da circulação de trotinetas eléctricas. Contudo, as situações de conflito mais graves verificam-se quando os peões têm que atravessar as vias e é aí que as autoridades responsáveis pela gestão da via pública têm particulares responsabilidades em adoptar medidas que promovam uma efectiva melhoria da segurança rodoviária. Cabe lembrar aqui aos automobilistas uma norma do Código da Estrada que, entre nós, parece muito esquecida: os condutores que mudam de direcção devem ceder passagem aos peões que estejam a atravessar a faixa de rodagem da rua em que vão entrar, sob pena de contra-ordenação grave.
Concretizando com o que se passa na nossa cidade
, verifica-se que o número de atropelamentos com mortos ou feridos graves foi de nove durante o ano de 2018, abaixo da percentagem nacional em que os atropelamentos constituíram 15,4% dos acidentes graves, de acordo com as estatísticas oficiais. Um daqueles atropelamentos ocorreu na Rua Miguel Torga, onde também são frequentes os choques de traseira junto às passadeiras existentes. Saúda-se, portanto, a Câmara Municipal por ter colocado semáforos nas 4 passadeiras daquela rua.
Aquele tipo de acidentes deve-se, em muito, à exagerada velocidade de circulação em muitas das nossas ruas, mas também à deficiência de visibilidade e de sinalização das passadeiras. No que respeita à velocidade, fazem falta mais locais com semáforos dotados de detectores de velocidade, em particular em ruas onde há também um elevado número de peões a circular. Estou a lembrar-me da Av. Armando Gonsalves de acesso aos HUC, mas também da Av. Navarro, da Rua Bernardo Albuquerque, da Av. Fernando Namora, etc. Mesmo a colocação de painéis informativos da velocidade, sem semáforos ou sem câmara fotográfica tem um efeito altamente dissuasor do excesso de velocidade como era possível verificar na descida da Circular Interna enquanto o equipamento ali colocado funcionou devidamente.
Algumas passadeiras da Cidade, particularmente aquelas localizadas nas proximidades de escolas, foram em tempos dotadas de equipamentos sinalizadores da sua existência, com iluminação própria, além de colocação de pavimentos especiais. Urge proceder à sua manutenção para que voltem a ser a ser eficazes, para além de se dever aumentar o seu número para protecção de jovens estudantes, mas não só.
A maioria dos passeios de Coimbra possui pavimentos desadequados a uma confortável e segura circulação dos peões, para além do mau estado de muitos deles. É frequente encontrarmos pessoas a caminhar pela faixa de rodagem, entre os carros, por uma razão muito simples: os pavimentos rodoviários estão em muito melhor estado que os dos passeios. É uma situação caricata que deveria envergonhar os responsáveis autárquicos, para além da insegurança que provoca. Na zona histórica e em locais em que os passeios têm calçadas com desenhos justifica-se a sua manutenção, embora tenha que haver cuidados e despesas suplementares para garantir o seu bom estado. Já o mesmo não se pode dizer de toda a restante cidade em que o conforto deve ser a regra dominante na escolha do tipo de pavimentos, devendo-se abandonar calçadinhas sem qualidade, desconfortáveis e de difícil manutenção.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Outubro de 2019

Lítio: tem esturro

Então o governo entregou a exploração do lítio em Montalegre, negócio que vale para cima de 300 milhões de euros, a uma empresa constituida 3 dias antes, com um capital de 50.000 euros e sede na Junta de Freguesia da terra.
Cheira a esturro, sabe a esturro, é esturro, com certeza. Para não dizer outra coisa.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Carta de um presidente

O presidente dos EUA Donald Trump enviou ao seu congénere da Turquia a carta que se reproduz. A linguagem presidencial deve ficar para memória de um tempo estranho nas relações internacionais que só se pode desejar que acabe depressa.




Roberta Flack First Time Ever I Saw Your Face Legendado

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

UMA PINTORA EXCEPCIONAL: ELISABETH CHAPLIN


O “Visto de Dentro” regressa esta semana a um tema, na verdade dois em um, que várias vezes tem abordado nestas linhas, ao longo dos anos. Refiro-me a mulheres artistas que, por uma ou outra razão, passam ao lado em termos do nosso conhecimento, ao contrário de homens artistas do mesmo período que são reconhecidos por toda a gente. Das pintoras que já aqui abordei, recordo Artemisia Gentileschi mas também Josefa de Óbidos, tão esquecida e mesmo desconsiderada entre nós, até por grandes intelectuais.
De vez em quando, há artistas que parece virem ter connosco, seja na música, seja na literatura, seja na pintura ou outras manifestações artísticas. Por este ou aquele motivo, estiveram, durante toda a nossa vida distantes de nós, por desconhecimento ou por falta nossa de capacidade de ir descobrir tudo o que não sabemos, como devíamos fazer sempre.
Foi assim, por um acaso, que alguns quadros de Elisabeth Chaplin, de quem nunca tinha ouvido falar, surgiram aos meus olhos deslumbrados. A pintora não é tão antiga assim, dado que morreu em 1982, em Florença na sua amada “Villa Il Treppiede”. Tinha 91 anos de idade, o que significa que tendo nascido ainda no séc. XIX, teve a possibilidade de acompanhar todo o período das primeiras dezenas de anos do séc. XX, extraordinariamente fértil, em termos de pintura. E, apesar de ter artistas na família, nomeadamente a mãe escultora e um tio pintor, foi autodidacta em pintura, tendo começado muito jovem a pintar e a ser reconhecida. Depois de a família ter vivido em vários locais desde Fontainebleau em França, onde nasceu a pintora, acabou por se estabelecer em 1905 nas colinas de Fiesole nos arredores de Florença. E foi aí que, passando dias e dias na Galeria Uffizi copiando as pinturas dos grandes mestres, desenvolveu a sua própria técnica, pelo que costumava dizer que foram eles os seus professores. Logo aos 16 anos o seu quadro “Retrato da família no exterior” venceu a medalha de ouro num concurso em Florença. A sua técnica de captura de cores e luz das pinturas ao ar livre na região toscana apurou-se nesse tempo. Ao longo dos anos seguintes participou nas principais exposições em cidades como Paris e Veneza ao lado de Cezanne, Matisse ou Van Gogh, tendo recebido encomendas para trabalhos importantes como, por exemplo, para a Igreja de Notre-Dame, em Paris e sido premiada com a medalha de ouro a Exposição Internacional e recebido a Legião de Honra em 1938.
O Corredor Vasari da Galeria Uffizi em Florença é célebre por albergar uma das mais importantes colecções de auto-retratos do mundo. A colecção foi iniciada por compras da família Medici mas, a certa altura, criou-se a tradição de os pintores para lá enviarem os seus próprios auto-retratos havendo, no entanto, um reduzido número de obras de autoria de pintoras. 
O Corredor Vasari preenche o interior de uma ponte pedonal fechada sobre o Rio Arno construída em 1546 por Giorgio Vassari ligando o “Palazzo Vechio” ao “Pallazo Pitti”.
Em 1946, a Galeria Uffisi comprou três quadros a Elisabeth Chaplin, mas acompanhou a encomenda do pedido de oferta de um seu auto-retrato. A pintora entregou uma obra que pintou em 1903, ainda bem jovem, o “Auto-retrato com um guarda-chuva verde” a que, mais tarde se veio juntar ainda um outro. 
É assim que, no Corredor Vasari ao lado de auto-retratos de Rembrandt, Velasquez, Delacroix ou Chagal, entre muitos outros grandes mestres da pintura, podemos apreciar também não um, mas dois de Elisabeth Chaplin. A Galeria de Arte Moderna do Palácio Pitti tem uma sala inteiramente dedicada a Elisabeth Chaplin, possuindo um acervo de largas centenas de quadros da pintora.
Ao contrário de épocas anteriores, no século XX foi possível assistir ao surgimento de pintoras consagradas, entre as quais se contam também algumas portuguesas. Devemos, no entanto, reconhecer que o merecido reconhecimento de Elisabeth Chaplin é ainda muito reduzido face a homens-pintores do mesmo tempo. E, principalmente nos dias que correm, de alguma confusão e recusa da beleza artística como algo a atingir na criação artística, precisamente a beleza da sua obra bem merece ser contemplada, conhecida e estudada.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Outubro de 2019