O “Visto de Dentro” regressa esta semana a um
tema, na verdade dois em um, que várias vezes tem abordado nestas linhas, ao
longo dos anos. Refiro-me a mulheres artistas que, por uma ou outra razão,
passam ao lado em termos do nosso conhecimento, ao contrário de homens artistas
do mesmo período que são reconhecidos por toda a gente. Das pintoras que já
aqui abordei, recordo Artemisia Gentileschi mas também Josefa de Óbidos, tão
esquecida e mesmo desconsiderada entre nós, até por grandes intelectuais.
De vez em quando, há artistas que parece virem
ter connosco, seja na música, seja na literatura, seja na pintura ou outras
manifestações artísticas. Por este ou aquele motivo, estiveram, durante toda a
nossa vida distantes de nós, por desconhecimento ou por falta nossa de
capacidade de ir descobrir tudo o que não sabemos, como devíamos fazer sempre.
Foi assim, por um acaso, que alguns quadros de Elisabeth
Chaplin, de quem nunca tinha ouvido falar, surgiram aos meus olhos
deslumbrados. A pintora não é tão antiga assim, dado que morreu em 1982, em
Florença na sua amada “Villa Il Treppiede”. Tinha 91 anos de idade, o que
significa que tendo nascido ainda no séc. XIX, teve a possibilidade de
acompanhar todo o período das primeiras dezenas de anos do séc. XX,
extraordinariamente fértil, em termos de pintura. E, apesar de ter artistas na
família, nomeadamente a mãe escultora e um tio pintor, foi autodidacta em
pintura, tendo começado muito jovem a pintar e a ser reconhecida. Depois de a
família ter vivido em vários locais desde Fontainebleau em França, onde nasceu
a pintora, acabou por se estabelecer em 1905 nas colinas de Fiesole nos
arredores de Florença. E foi aí que, passando dias e dias na Galeria Uffizi
copiando as pinturas dos grandes mestres, desenvolveu a sua própria técnica,
pelo que costumava dizer que foram eles os seus professores. Logo aos 16 anos o
seu quadro “Retrato da família no exterior” venceu a medalha de ouro num
concurso em Florença. A sua técnica de captura de cores e luz das pinturas ao ar
livre na região toscana apurou-se nesse tempo. Ao longo dos anos seguintes
participou nas principais exposições em cidades como Paris e Veneza ao lado de
Cezanne, Matisse ou Van Gogh, tendo recebido encomendas para trabalhos
importantes como, por exemplo, para a Igreja de Notre-Dame, em Paris e sido
premiada com a medalha de ouro a Exposição Internacional e recebido a Legião de
Honra em 1938.
O Corredor Vasari da Galeria Uffizi em Florença é
célebre por albergar uma das mais importantes colecções de auto-retratos do
mundo. A colecção foi iniciada por compras da família Medici mas, a certa
altura, criou-se a tradição de os pintores para lá enviarem os seus próprios
auto-retratos havendo, no entanto, um reduzido número de obras de autoria de
pintoras.
O Corredor Vasari preenche o interior de uma ponte pedonal fechada
sobre o Rio Arno construída em 1546 por Giorgio Vassari ligando o “Palazzo
Vechio” ao “Pallazo Pitti”.
Em 1946, a Galeria Uffisi comprou três quadros a
Elisabeth Chaplin, mas acompanhou a encomenda do pedido de oferta de um seu
auto-retrato. A pintora entregou uma obra que pintou em 1903, ainda bem jovem,
o “Auto-retrato com um guarda-chuva verde” a que, mais tarde se veio juntar
ainda um outro.
É assim que, no Corredor Vasari ao lado de auto-retratos de
Rembrandt, Velasquez, Delacroix ou Chagal, entre muitos outros grandes mestres
da pintura, podemos apreciar também não um, mas dois de Elisabeth Chaplin. A
Galeria de Arte Moderna do Palácio Pitti tem uma sala inteiramente dedicada a
Elisabeth Chaplin, possuindo um acervo de largas centenas de quadros da
pintora.
Ao contrário de épocas anteriores, no século XX
foi possível assistir ao surgimento de pintoras consagradas, entre as quais se
contam também algumas portuguesas. Devemos, no entanto, reconhecer que o merecido
reconhecimento de Elisabeth Chaplin é ainda muito reduzido face a homens-pintores
do mesmo tempo. E, principalmente nos dias que correm, de alguma confusão e
recusa da beleza artística como algo a atingir na criação artística,
precisamente a beleza da sua obra bem merece ser contemplada, conhecida e
estudada.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Outubro de 2019
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