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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020
«O TRIBUNAL DE CONTAS DE MENTECAPTOS»
Porventura, já pouca gente se lembrará de uma questão que
encheu os cabeçalhos dos jornais e os telejornais há bem poucas semanas. De
facto, as agendas políticas construídas para despistar os cidadãos incautos
servem para isso mesmo: inundar os media permanentemente com notícias
bombásticas, de preferência escabrosas, cujo fim último é o de provocar
escândalos e correspondentes gritarias de indignação (gatunos, são todos
iguais!) adormecendo consciências e afastando o interesse das pessoas da coisa
comum. A história do Pedro e do lobo é bem conhecida, pelo que se tornam
dispensáveis mais comentários sobre o assunto, a não ser que num dia destes o
ovo da serpente abre-se mesmo e ninguém dará conta disso.
O título desta crónica recupera o comentário de um político
socialista com grande notoriedade, logo também responsabilidades
correspondentes, sobre uma auditoria do Tribunal de Contas que se debruçou
sobre a venda de património imobiliário da Segurança Social à Câmara Municipal
de Lisboa.
A justificação para essa venda deu-a o presidente da Câmara
Municipal de Lisboa, sendo os imóveis em causa destinados a concretizar as suas
políticas de habitação social para o Município de Lisboa.
A primeira questão que se levanta com este negócio tem a ver
com a natureza da entidade pública que vendeu o património e quais os fins a
que se destina. De facto, deve o Instituto de Gestão Financeira da Segurança
Social, ao alienar património, procurar que a receita, que reverte obrigatoriamente
para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, seja a mais
elevada possível. O facto de os trabalhadores e empresas de todo o país
descontarem dos seus vencimentos para a Segurança Social tendo em vista
garantir as verbas necessárias para as prestações sociais, designadamente as
pensões dos reformados, exige o máximo rigor e cuidado na gestão desses
activos, principalmente num tempo em que a sustentabilidade da Segurança Social
é um problema nacional.
Entre os objectivos da Segurança Social não consta o
apoio à prossecução de uma política habitacional, ainda que nacional, e muito
menos de uma determinada Autarquia, mesmo que seja a capital do país, o que se
traduz, de imediato, num tratamento de favor em prejuízo das restantes
trezentas e tal autarquias.
Por outro lado, o Tribunal de Contas verificou que a venda dos
11 imóveis ficou 3,5 milhões abaixo das avaliações. Para além das próprias
avaliações que não terão sido feitas por entidades externas e sim pelo
comprador e pelo vendedor, a diferença no valor traduz um frete da Segurança
Social à Câmara Municipal de Lisboa.
Tudo isto cheira, a léguas, a compadrio político e política da
mais rasteira que pode haver, ainda por cima à custa da sustentabilidade da
Segurança Social e já seria suficiente mau se tivesse ficado por aqui. Mas não.
Perante a denúncia do Tribunal de Contas que, note-se, é um Tribunal, as
reacções foram demonstrativas de uma arrogância e demonstração de “quero, posso
e mando” inaceitáveis num regime que se quer democrático.
O presidente da Câmara Fernando Medina reagiu de forma violenta
e mesmo algo descontrolada, com acusações ao Tribunal de Contas de estar a
«fazer política», de lhe fazer perseguição política e mesmo de “fazer
relatórios de baixíssima qualidade técnica”. As reacções chegaram ao ponto de o
tal deputado socialista ter escrito na internet: "O relatório do Tribunal
de Contas sobre o negócio entre a Câmara de Lisboa e a Segurança Social deve
ter sido escrito por mentecaptos, lido por mentecaptos e sancionado por
mentecaptos…”. Fica provado que a linguagem própria das discussões
futebolísticas das televisões invadiu já a política, para o pior.
Depois disto, o Governo encontrou uma solução à medida para
resolver este e outros problemas semelhantes no futuro: retirar competências ao
Tribunal de Contas e acrescentar camadas de obscuridade à já pouco transparente
política governativa. Assim, no Orçamento Geral do Estado para 2020, o Governo
isentou de visto prévio do TdC "os contratos e demais instrumentos
jurídicos que tenham por objeto a prestação de serviços de elaboração e revisão
de projeto, fiscalização de obra, empreitada ou concessão destinada à promoção
de habitação acessível ou pública ou alojamento estudantil”. A isto
acrescentou-se ainda «as reabilitações e aquisições de imóveis».
Pode haver quem ache tudo isto muito bem e está no seu direito.
Contudo, direito ainda maior é o de todos sabermos o que se passa com
transparência, de que forma são executadas as políticas e como são utilizados
os dinheiros que não são do governo nem de um presidente de câmara e sim dos
portugueses que pagam isto tudo com os seus impostos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Fevereiro de 2020
sábado, 22 de fevereiro de 2020
Vasco Pulido Valente
Já não voltaremos a ter o prazer de ler novas crónicas de Vasco Pulido Valente.
Para recordar, aqui fica a sua análise ao grande livro «Portugal Contemporâneo» de Oliveira Martins que, em muitos aspectos, é bem contemporâneo dos nossos dias,além de o ser do sec. XIX português.
Foto levada do blogue portadaloja.blogspot.com/.
Para recordar, aqui fica a sua análise ao grande livro «Portugal Contemporâneo» de Oliveira Martins que, em muitos aspectos, é bem contemporâneo dos nossos dias,além de o ser do sec. XIX português.
Foto levada do blogue portadaloja.blogspot.com/.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020
terça-feira, 18 de fevereiro de 2020
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020
O ESTADO E A VIDA
Não se pode abordar a História da
Humanidade sem ter uma percepção clara da evolução das relações entre os
indivíduos e o poder organizado em cada momento que, a partir de certa altura
passou a ser designado por Estado. Desde os tempos dos simples chefes de clãs
até aos faraós do Egipto, imperadores chineses ou reis europeus do chamado
Antigo Regime, havia algo de comum que era a subordinação dos indivíduos
perante os chefes, incluindo a própria vida. Durou muitos séculos a redução do
poder do Estado sobre a vida dos indivíduos (que só a partir de certa altura se
podem chamar cidadãos), o que se reflectiu na evolução da pena de morte. Por
exemplo, em Portugal, a pena de morte só foi totalmente abolida com a
Constituição da República Portuguesa de 1976. Antes disso, houve um breve
período em que tal também se verificou a partir de 1911 mas, com a entrada de
Portugal na Primeira Grande Guerra em 1916, foi readmitida pelo crime de
traição em plena guerra, situação que se manteve até 1976.
Portugal costuma orgulhar-se de ter
sido o primeiro país a abolir a pena de morte, em 1867, mas tal verificou-se
apenas para crimes civis, mantendo-se a excepção dos crimes de traição em
situação de guerra.
Há muitos países onde, ainda hoje, o
Estado se arvora o direito de retirar a vida a pessoas como castigo pela
perpetração de determinados crimes de grande gravidade. Contudo, o rumar da
História tem sido no sentido de se considerar que a vida das pessoas é algo de
que os estados não podem dispor, seja a que título for.
Não foi assim há tanto tempo que a
Alemanha nacional-socialista utilizou as mais diversas razões para justificar a
retirada de vida a milhões de pessoas, fosse por razões políticas, religiosas,
pretensamente raciais, sociais ou mesmo por diferenças pessoais. Para além da
eutanásia, na altura chamada «morte misericordiosa», a eugenia foi
particularmente odiosa, pretendendo «purificar a raça», pelo que todos os que
tivessem algum pormenor pessoal tido como defeito, viam-se objecto das
«experiências médicas» mais inacreditáveis que acabavam na morte dos infelizes
em condições desumanas. Não foi apenas o Holocausto que definiu os que o
levaram a cabo, não podendo ser esquecido, antes pelo contrário, recordado como
um dos períodos mais negros da humanidade. As práticas de eugenia levadas a
cabo pelos nazis devem também ser motivo de discussão e ser levadas ao
conhecimento do maior número de pessoas de hoje. Deveriam ainda ser
clarificadas e responsabilizadas as práticas de eugenia, não tão extremas, mas
no mesmo sentido, que continuaram durante dezenas de anos em diversos países
tidos como faróis da civilização, mesmo na Europa nórdica.
Em causa está, sempre, a ideia que muitos estados
ainda hoje mantêm, de que a vida dos cidadãos é um bem de que o Estado pode
dispor. Foi só depois do fim da Segunda Grande Guerra, em 1948, que surgiu a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, subscrita pela maioria dos países. O
artigo terceiro da Declaração estipula que: «Todo o indivíduo tem direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal».
Foi este o momento histórico em que a maioria dos
estados prescindiu de dispor da vida dos indivíduos. Em vez disso, estão
obrigados a garantir a todas as pessoas aqueles direitos designados como
universais, que são a vida, a liberdade e a segurança pessoal, por esta mesma
ordem, isto é, com a vida à cabeça. Claro que, como todos os progressos
civilizacionais, pelo facto de estar no papel isso não significa que, em
primeiro lugar esteja a ser praticado por todos os que nele se comprometeram,
em segundo lugar que esteja garantido para sempre.
E é isso que temos visto nos últimos dias, em
Portugal, na discussão sobre a eutanásia. Percebemos que o direito das pessoas
à vida não está garantido para sempre, nem em todo o lado, mesmo entre nós,
como mostra a declaração por uma deputada à Assembleia da República de que «a
vida não é um direito absoluto». Isto, em Portugal, no ano de 2020. Pelo que se
percebe, em determinadas circunstâncias, o Estado pretende voltar a arrogar-se
o direito de decidir sobre matar uma pessoa, quem o pode fazer e como. Trata-se
de voltar a abrir uma porta que, para segurança de todos, mais valia continuar
fechada. E nem é preciso ir muito longe para perceber o que pode entrar por
essa porta, como já sucede na Holanda e na Bélgica. Não me venham dizer que
isso é progresso civilizacional. É exactamente o oposto, constituindo mesmo um
sinal perturbador de declínio civilizacional.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Fevereiro de 2020
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