sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

«Sociedade dividida e democracia»

 Citando Joaquim Aguiar, no Jornal de Negócios:

«Uma sociedade dividida é estruturada por polarizações (antagonismos baseados em conflitualidades de tipo étnico, de tipo religioso ou justificados pelas interpretações da origem das desigualdades sociais, que produzem visões do futuro radicalmente distintas) que geram democracias instáveis e poderes políticos débeis. (...) 


Uma sociedade dividida por polarizações políticas configura um específico campo de possibilidades, que fica mais orientado para o distributivismo interno (para reduzir a conflitualidade) do que para a comparação competitiva com as outras sociedades e, menos ainda, para a preparação da defesa contra possíveis intenções externas de dominação. Uma sociedade dividida é uma sociedade virada para dentro de si própria. E a sua preferência pelo distributivismo implica que tenha uma grande tolerância ao endividamento, que pode mesmo evoluir para uma propensão natural, e à estagnação do seu crescimento económico, que aparece como o efeito natural dessa divisão polarizada da sociedade.

O campo de possibilidades de uma sociedade dividida, que é também um sistema político de poder débil, encontra o seu obstáculo intransponível quando chega ao fim a possibilidade de recurso ao endividamento de que depende para sustentar o distributivismo que usa para reduzir a conflitualidade - mas que não serve de nada se não conseguir escapar à estagnação do seu crescimento económico e dos seus indicadores de competitividade.»

Nos últimos anos temos assistido a uma polarização que traz à tona extremismos artificiais mas que marcam fortemente o ambiente político e social, com consequências evidentes no desenvolvimento económico.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Uma sociedade em mudança, mas para onde?

 


Sinal dos tempos: quando abro o jornal de manhã, vou directamente ao obituário verificar, sempre com alguma ansiedade, se entre os numerosos óbitos está o de alguém conhecido ou amigo. Essa secção, há poucas semanas, chegou a ocupar três páginas, andando agora normalmente pelas duas.

E, como é normal que suceda numa hecatombe desta dimensão com mais de duzentas mortes diárias em Portugal durante semanas, lá aparecem mesmo notícias do falecimento de pessoas apenas conhecidas, com quem nos cruzámos uma ou outra vez ao longo da vida ou mesmo com quem mantínhamos relações de amizade. O que se passa no cemitério do Alto de S. João em Lisboa que foi recentemente notícia na comunicação social é apenas um exemplo: uma nova secção de sepulturas aberta que levaria normalmente um ano a ser preenchida foi ocupada em 50% em apenas dois meses.

Os funerais que já por si são sempre para todos nós algo de penoso em que participamos por reverência para com a pessoa falecida ou para com os seus familiares transformaram-se em cenas de um irrealismo estranho.

O vulgar uso do telefone é outra dimensão da alteração dos relacionamentos. É a medo que se liga para alguém para saber como passa, tantas são as vezes em que do lado de lá nos respondem que «fui apanhado pelo bicho» e estou a ver em que dá.

Os casais jovens com filhos em idade escolar passam também por experiências difíceis. Ter os filhos em casa em permanência com «aulas» à distância, enquanto se trabalha em casa em regime do chamado tele-trabalho é uma experiência que até pode ter alguma graça durante uma semana mas que se torna um fardo difícil de suportar durante muito tempo.

A permanência absoluta das notícias sobre a pandemia nos telejornais é cansativa, causa ansiedade generalizada e muita confusão nas mentes. As notícias diárias sobre abusos e atropelos na vacinação que deveria ser um exemplo de dignidade e respeito dada a extrema urgência na sua realização não ajudam nada a que haja confiança generalizada no sistema. Espalha-se a noção de que o tão característico «desenrascanço» português se generaliza mesmo entre responsáveis em diversas áreas, da política à administração pública, privada e social.


Verifica-se a mais completa indefinição e mesmo confusão sobre o confinamento em áreas económicas. O facto de se poder levantar refeições completas em restaurantes de take-away exceptuando bebidas, incluindo uma simples garrafa de água, é algo que não lembra a ninguém. Tal como as únicas lojas que vendem livros que estão fechadas serem as livrarias também é algo de surreal.

As proibições. Claro que se têm que aceitar limitações aos contactos pessoais para evitar os contágios ao máximo. Mas uma sociedade democrática e liberal não pode aceitar essas proibições durante muito tempo sem que tal tenha consequências graves no seu funcionamento normal futuro. Algo que já é muito evidente nos dias de hoje é uma radicalização de posições pessoais a propósito de tudo e mais alguma coisa. Desde a política até às redes sociais, passando pelo simples contacto diário entre as pessoas, uma espécie de violência endémica parece vir à tona à mínima contrariedade. A substituição do milenar aperto de mão por uns murros, ainda que pacíficos, poderá ser muito mais significativa do que à primeira vista possa parecer.

E o medo, sempre o medo omnipresente. O medo que os portugueses têm entranhado no mais fundo do seu ser, depois de centenas de anos de Inquisição, e uns tantos de ditadura política de que só agora estávamos verdadeiramente a aprender a sair. Como não se sabe onde está escondido um bufo que nos denunciará, também o maldito vírus pode estar na maçaneta da porta de casa, no saco do supermercado, no teclado do multibanco ou no ar no interior do autocarro.

Só mesmo o medo de não conseguir mais uma vez umas migalhas explica que as associações empresariais não se levantem em força contra a nova vaga de obras públicas faraónicas para gastar a chamada «bazuca» de dinheiro oferecido pela União Europeia em vez de o utilizar para capitalizar as empresas endividadas até ao tutano e promover a competitividade. O Estado todo-poderoso que temos vira uma vez mais para dentro de si mesmo os dinheiros vindos de fora em vez de apoiar firmemente a economia portuguesa. Economia essa que gera os impostos que o Estado gasta e que estão longe de ser suficientes para garantir o funcionamento do Estado Social que todos queremos sem necessidade de pedir mais dinheiro estrangeiro para o financiar. E, não nos esqueçamos, o medo é o primeiro inimigo da Liberdade.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Fevereiro de 2021
 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Vacinas: prioridades

Tendo em vista este gráfico referente às mortes até 17 de Fevereiro, as prioridades de vacinação não deviam ser as idades, sem mais tretas?



Autárquicas em Coimbra

 Recordo os resultados das autárquicas de 2017.

Somando as candidaturas do PSD/CDS e Somos Coimbra são só 5.000 votos de diferença, à partida. Só.
Claro que o PSD, ao entregar a liderança a José Manuel Silva que nas anteriores eleições teve menos 7.000 votos está por um lado a reconhecer que sozinho não chega lá e por outro, em caso de vitória, a assumir não poder contabilizar a Câmara de Coimbra como sendo sua. Porque, na verdade, não será.
Claro que, para mim, o importante é a gestão da Câmara, para bem do Concelho e dos seus munícipes.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

REVERSO

 Este é o meu Reverso, herdado de meu Pai. É do princípio da década de 60.

Foi inventado na década de 30, há quase cem anos, pela casa Jaeger-leCoultre a pedido dos jogadores de jockey na Índia para ser encontrada uma solução que evitasse a quebra dos vidros dos relógios durante os jogos.

O modelo ainda hoje é fabricado com diversas declinações de tamanhos, materiais e tipos de máquina.




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

D. Fuas Roupinho: A História melhor que o mito

 


Que atravessamos tempos difíceis e diferentes, todos nós o percebemos bem. A pandemia COVID-19 age como se fosse um autêntico aspirador social e político, pouco deixando de fora do nosso quotidiano normal. E é neste ambiente pouco saudável e propício aos mais diversos desvarios que nascem e vicejam as mais diversas teorias da conspiração e as mais desencontradas e disparatadas atitudes sociais. É obrigação de todos e cada um de nós fugir a este ambiente insalubre e encontrar caminhos para o fazer.

A História e o seu estudo e conhecimento é, certamente, uma das melhores vias para o fazer. Oportunidade para encontrar realidades passadas tantas vezes bem mais interessantes do que os mitos que prevalecem sobre elas. Não que estes não tenham interesse pelo que lhes deu origem e até por cultos populares que se entranharam culturalmente, mas acontece tantas vezes que ocultam por baixo deles toda uma vivência cujo conhecimento é extremamente interessante.

A epopeia marítima dos portugueses é bem conhecida a partir dos feitos iniciados no início do séc. XV com a Ínclita Geração. Talvez menos conhecidas são as batalhas navais em que participaram as nossas armadas, tendo algumas delas sido de grande importância para Portugal, mas também para a Europa. Relembro a grande Batalha de Diu em 1509 em que o Vice-Rei das Índias D. Francisco de Almeida vingou a morte de seu filho Lourenço mas sobretudo estabeleceu o domínio português naquelas paragens por dezenas de anos. Ou a batalha de Matapão em 18 de Julho de 1717 em que a armada portuguesa deu um apoio crucial às armadas de Veneza, Florença, Malta e França para derrotar os turcos e definitivamente travar as suas pretensões de domínio do Mediterrâneo.

Se recuarmos no tempo e pesquisarmos por D. Fuas Roupinho na internet, de imediato nos aparecerão milhares de referências com algo em comum: a famosa «Lenda da Nazaré». Em 1182, o alcaide do castelo de Porto de Mós perseguiria um veado nas proximidades do litoral quando o animal se dirigiu para uma falésia de grande altura não se tendo D. Fuas apercebido do precipício, devido ao nevoeiro. Quando o cavalo já com as patas da frente no ar estava prestes a cair, D. Fuas Roupinho apelou à Virgem Maria junto a uma gruta onde se venerava uma imagem sua e o cavalo estacou de forma miraculosa com as patas traseiras bem firmes no solo, parando aí e salvando-se a si e ao cavaleiro. O Sítio da Nazaré é até hoje motivo de veneração aí se conservando, segundo a tradição, a marca da ferradura de uma das patas do cavalo junto da Capela da Memória. E é deste modo que D. Fuas Roupinho é recordado e foi assim que o fiquei a conhecer da História de Portugal que me foi ensinada.

E no entanto…a história de D. Fuas Roupinho bem merece ser lembrada por algo mais concreto do que por uma lenda, por mais simpática que ela seja. Após a conquista de Lisboa pelos portugueses em 1147, os mouros tentaram ainda durante vários anos a reconquista daquela cidade e, não o conseguindo, passaram a realizar ataques (razias) nas suas redondezas e mesmo na costa a norte. Até porque mantiveram o importante porto de Alcácer do Sal até 1158. Por esta altura, D. Afonso Henriques tinha encarregado D. Fuas Roupinho de organizar a armada portuguesa. Foi após uma daquelas razias mouras de particular importância ocorrida em 1179, sob o comando do almirante Gamim ben Mardanis proveniente de Sevilha, que D. Fuas Roupinho reuniu uma armada e retaliou com uma surtida aos arredores de Huelva, subindo de seguida o rio Guadalquivir até às proximidades de Sevilha e destruindo a armada muçulmana, após o que regressou a Lisboa onde foi recebido da forma festiva que se pode imaginar.


No ano seguinte foi a vez de Gamim ben Mardanis retaliar e regressou à costa portuguesa com uma armada, tendo feito os habituais saques na zona de Lisboa e desembarcando seguidamente mais a Norte, em S. Martinho do Porto, com o objectivo de ir liquidar D. Fuas Roupinho em Porto de Mós. Bem avisado, D. Fuas reuniu homens e foi dar batalha aos mouros, tendo-os derrotado e morto o almirante Gamim. De seguida, foi para Lisboa e reuniu navios para dar caça aos navios mouros que entretanto fugiam para Sul. O recontro deu-se em frente ao Cabo Espichel e saldou-se com a vitória portuguesa e o apresamento de navios e homens que se renderam e foram como tal trazidos para Lisboa.

A batalha do Cabo Espichel foi a primeira batalha naval portuguesa e D. Fuas Roupinho o primeiro comandante da armada nacional, podendo chamar-se-lhe com propriedade o primeiro Almirante português. E a sua história, para além da «lenda da Nazaré» bem merece ser conhecida, já que mostra como, por vezes, a realidade pode ultrapassar a ficção.

NOTA: os pormenores das operações navais de D. Fuas Roupinho foram colhidos na obra «Grandes Batalhas Navais Portuguesas» da autoria do Capitão-de-Mar-e-Guerra José António Rodrigues Pereira, numa edição de «a esfera dos livros»
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Fevereiro de 2021