Não têm mais nada em que pensar, pois não? Já agora, o que é uma associação discreta? E, por outro lado, a Constituição não garante o direito à associação de cidadãos?
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
Não têm mais nada em que pensar, pois não? Já agora, o que é uma associação discreta? E, por outro lado, a Constituição não garante o direito à associação de cidadãos?
Contudo, esta nova multidão cibernética é, em grande parte, composta por pessoas que, quando desligam o computador ou o telemóvel, se vêem na sua realidade tantas vezes pautada por uma enorme solidão. A internet tomou conta da sua vida, quer para a informação ou para o lazer quer, sobretudo, para os contactos e relações inter-pessoais. A realidade do dia-a-dia transformou-se numa infindável sucessão de sessões de recepção de dados, sem dádiva de nada, sem partilha de nada de concreto.
A pandemia que atravessamos veio acentuar esta situação que já vinha em crescendo, de uma forma impressionante, alastrando-a a novos estratos sociais e etários. O tele-trabalho confina trabalhadores em casa, ligados com a empresa através do comutador; desde a falta de contacto humano com colegas ao abuso de horas de serviço em que horários diários e até fins-de-semana se diluem no dia dos trabalhadores, até à circunstância de se ter os filhos em casa, eventualmente com aulas pela internet, tudo contribui para um desfazer da vida «normal» e para uma situação de isolamento do exterior.
As famílias ficaram separadas. Avós não visitam filhos e quase não acompanham o crescimento dos netos que, por sua vez, crescem sem aquele equilíbrio educacional que os avós sempre proporcionam. As habituais visitas entre famílias amigas há mais de um ano que estão suspensas, fazendo-se o relacionamento por telefone ou, no melhor dos casos, por tele-conferência. Aquelas conversas e mesmo discussões que são a base da construção de amizades, solidariedades e mesmo de cumplicidades deixaram de existir.
Crianças e adultos «ligados» à net durante a maior parte do dia não fazem o necessário exercício físico, não praticam um inter-relacionamento emotivo pessoal que lhes permita um equilíbrio psicológico. São solitários em construção, se não o são já mesmo.
É sempre perigoso e delicado fazer generalizações, mas penso não ser abusivo se disser que os portugueses são usualmente tidos como sendo de uma grande afabilidade não sendo contudo, muito alegres e expansivos, como outros povos vizinhos. Não é, certamente, por acaso que o fado é a nossa música mais característica. É por isso que um ano inteiro de confinamento obrigatório em cima das nossas características próprias não pode deixar de vir a deixar sequelas na nossa sociedade, precisamente num país que, antes da pandemia, já era conhecido por ser dos que mais anti-depressivos consumia por habitante. Um exemplo de abuso notório no tratamento do que se passa é a notícia em letras garrafais de há poucos dias dando nota de que a GNR tinha acabado com um convívio ilegal de jovens na Mata do Bussaco: vai-se a ver e tratava-se de um encontro de cinco jovens naquele local ao ar livre. Será que o comando local da GNR não tinha mais nada que fazer do que alardear uma situação daquelas?
Homem esse, do mais comum que se possa imaginar que, como se costuma dizer, tinha uma catrefada de filhos, que gostava de comer e beber bem e que, muito simplesmente, vivia de compor música para acompanhar as celebrações do Domingo seguinte ou da festa litúrgica importante que se seguia. E é assim que temos as suas Cantatas, Missas e as suas Paixões, mas também os Concertos de Brandeburgo as Sonatas e Partitas, para além de muitas outras obras que o seu cérebro produzia em catadupa, para além de ele próprio as interpretar de forma virtuosa em diversos instrumentos. Agradeçamos ao compositor Felix Mendelssohn que iniciou no século XIX a recuperação da música de Bach então praticamente esquecida, para ser hoje tão amada e considerada no mundo inteiro que o compositor deixou de ser apenas representante do período Barroco para ser um dos maiores, se não o maior, da História da Música.
E não é que, sendo eu o mais comum e mais anónimo dos homens me acontece encontrar aqui um ponto de contacto com o Papa Francisco? Também eu, quando alguma ansiedade me ataca tenho o hábito, já antigo, de ouvir Bach. Adianto mesmo quais as obras do grande compositor da época barroca que uso com esse fim: a cantata BWV 106, dita Actus Tragicus ou, quando o tempo abunda mais, a Paixão Segundo S. Mateus. Já agora, partilho haver outro compositor, mais moderno, que se juntou a Bach naquele papel de ansiolítico auditivo privado que é Mahler em várias das suas composições, nomeadamente a Quarta Sinfonia e alguns Lieder maravilhosos, em particular, por Jessie Norman ou Dieter Fischer Dieskau. Dieskau, cuja audição me faz sempre recordar o excelente amigo que já não está entre nós, o Eng. Azevedo Gomes, com quem mantinha as mais amistosas discussões sobre qual a mais perfeita Paixão de Bach, sendo que ele preferia a segundo S. João, por mais intimista.
Por que caminhos nos leva a música, mesmo que seja apenas falar sobre ela sem a ouvir, embora o esteja a fazer neste momento, através de um dos novos meios que vieram transformar por completo a forma como a ouvimos. O “streaming” através dos vários fornecedores do mercado que hoje já oferecem uma qualidade de som apreciável, bem como a possibilidade de ouvir emissoras de rádio pela internet, permite-nos libertar daquilo de que gostamos menos, através da audição de emissões especializadas nos mais variados tipos de música ou mesmo em compositores ou intérpretes específicos. No caso concreto, delicio-me com Glenn Gould e a sua interpretação ao piano das Variações Goldberg, lá está, de Bach, sem ter que me maçar a trocar de CD no aparelho, já que se controla tudo pelo écran do telemóvel que, neste caso sim, se pode chamar verdadeiramente inteligente.
Em Agosto de 1940 Stefan Zweig e a sua mulher Lotte Altmann viajaram de Nova Iorque para o Brasil pela primeira vez, regressando pouco tempo depois para residirem nesse país de que Zweig tanto gostou, tendo mesmo sido o escritor a dar-lhe o epíteto que lhe ficou colado: «Brasil, país do futuro».
Stefan Zweig era um austríaco de ascendência judaica, nascido em Viena em 1881 no seio de uma família de posses. A sua obra variada e extensa é testemunho do seu amor pela dignidade humana, do seu desejo de uma sociedade respeitadora da Liberdade, da noção da necessidade da Cultura para o desenvolvimento humano, bem como da sua admiração pelos autores das mais diversas artes.
Na obra «Momentos Estelares da Humanidade» Stefan Zweig aborda, em catorze episódios, aqueles que considerava serem dos momentos mais importantes da humanidade, numa escolha assim justificada:
«O que normalmente se desenrola devagar, de maneira sucessiva ou sincrónica, comprime-se num único instante que determina e decide tudo […] Procuro aqui evocar, a partir das mais variadas épocas e regiões, alguns desses momentos estelares; chamei-lhes assim porque, resplandecentes e inalteráveis como estrelas, brilham para além da noite do efémero.»
Nos dias de hoje, em que se elege como fundamental o que é tantas vezes ligeiro e inconsequente, impressionará o que Stefan Zwieg considerava verdadeiramente fundamental, como sejam a conquista de Bizâncio pelos turcos, a descoberta do oceano Pacífico por Núñes de Balboa, como surgiu o hino A Marselhesa, a história de amor que inspirou Goethe para a «Elegia de Marienbad» ou mesmo a crise que levou Handel a compor o seu «Messias», entre outros.
De entre as numerosas biografias que Stefan Zweig escreveu, e não esquecendo a de Romain Rolland, saliento a obra «Triunfo e Tragédia de Erasmo de Roterdão» sobre Erasmo de Roterdão, grande defensor do acesso à cultura: «Aquele que sabe sugerir aos homens um novo ideal, a fé no progresso moral da humanidade, torna-se o guia dos seus contemporâneos: Erasmo foi esse homem.». Publicada em 1934, anunciava os temores do escritor perante os totalitarismos que surgiam na Europa que todos hoje sabemos iriam em breve envolver o continente e a seguir o mundo inteiro numa tragédia inominável, consequência dos fanatismos contrários à tolerância e ao diálogo.
Nesse mesmo ano de 1934 Stefan Zweig exilou-se da Áustria prevendo o que se iria seguir após Hitler ter chegado ao poder na Alemanha no ano anterior com as suas políticas anti-semitas. Apesar de a religião não ter na sua vida um papel central e assumindo que apenas por acidente de nascimento os pais eram judeus, Stefan Zweig sabia que as suas origens e o humanismo e pacifismo que adoptava não seriam tolerados pela barbárie que se afirmava.
Sendo nessa altura já um dos escritores mais famosos e vendidos do mundo, passou a viver em Inglaterra, tendo obtido a cidadania britânica. Na sequência da invasão nazi da Europa, Zweig e a sua mulher foram para os Estados Unidos em 1940 estabelecendo-se em Nova Iorque por pouco tempo, dado que após a viagem ao Brasil em Agosto desse mesmo ano, decidiram estabelecer-se no país sul-americano em Petrópolis, perto do Rio de Janeiro. Já no Brasil escreveu a obra autobiográfica «O Mundo que Eu Vi» em que se mostra nostálgico perante um mundo e uma Europa desaparecida com a Primeira Guerra Mundial.
Face à hecatombe da Grande Guerra que não suportavam ver, Stefan Zweig e a sua mulher Lotte decidiram pôr termo à vida em 1942 com uma nota de despedida em que o escritor se explicou: «Deixo saudações a todos os meus amigos: talvez vivam para ver o nascer do sol depois desta longa noite. Eu, mais impaciente, vou-me embora antes deles».
Citando Joaquim Aguiar, no Jornal de Negócios:
«Uma sociedade dividida é estruturada por polarizações (antagonismos baseados em conflitualidades de tipo étnico, de tipo religioso ou justificados pelas interpretações da origem das desigualdades sociais, que produzem visões do futuro radicalmente distintas) que geram democracias instáveis e poderes políticos débeis. (...)