segunda-feira, 28 de junho de 2021

Seriedade e OCC: Coimbra no seu melhor

 


Há poucos dias, o Diário de Coimbra comentava, como faz com regularidade, várias notícias publicadas pelo jornal há cerca de 90 anos numa rubrica chamada Diário de Coimbra/Memórias. Entre outros, publicava o seguinte comentário: «Uma das mais legítimas aspirações de Coimbra estava a caminho da realidade, noticiando-se, a 4 de Julho de 1932, que tinham começado os ensaios parciais da Orquestra Sinfónica, sob a direcção do professor Teófilo Russell, na Academia de Música de Coimbra. Santarém e Leiria já têm as suas orquestras sinfónicas subsidiadas pelos respectivos municípios, que por esse motivo têm sido alvo dos melhores elogios. A música sinfónica faz hoje parte obrigatória de todos os povos civilizados...»

Como sabemos, apesar de como lemos já há 90 anos se reconhecer a necessidade de uma orquestra dedicada à música erudita em Coimbra, na realidade o surgimento de uma orquestra clássica profissional em Coimbra aconteceu muito mais tarde, já no século XXI, o que aconteceu em 2001.

Hesitei entre titular esta crónica com o uso do termo “seriedade” ou com “maioridade”. Se “maioridade” remete para a idade, o que por si já é algo de significativo num meio cultural tão reduzido como é reconhecidamente o nosso, não deixa de ter a ver com a passagem dos anos. Já “seriedade” implica vários aspectos raros mesmo, ou sobretudo, no Portugal do improviso e dos fogos de artifício. Por um lado, refere a constância no rigor e exigência nas contas, isto é, na gestão dos parcos recursos financeiros. Mas, acima de tudo profissionalismo e exigência na actividade artística, no caso a música erudita, sempre num sentido ascendente, querendo em cada dia ser sempre melhor do que no dia anterior. E, como consequência dessa atitude, ser ao fim de vinte anos um caso sério no panorama cultural da Cidade, da Região e do País, com reflexos mesmo fora de Portugal. Tudo isto se refere, como está bom de ver, à Orquestra Clássica do Centro, com sede em Coimbra.

No passado dia 20 de Junho a Orquestra Clássica do Centro (OCC) ofereceu à Cidade um concerto especial comemorativo dos seus vinte anos de actividade ininterrupta, aproveitando a ocasião para celebrar os 250 anos de Beethoven e os 750 anos do nascimento da Rainha Santa Isabel. O concerto teve lugar na Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Sob a batuta do Maestro José Eduardo Gomes, o programa apresentou duas obras clássicas: a Primeira Sinfonia de Beethoven e o Concerto para Piano nº12, em Lá Maior, K 414 de Mozart, sendo solista a brilhante pianista Diana Botelho Vieira. Embora se trate de duas obras bem conhecidas dos amantes da música erudita, o compositor Sérgio Azevedo fez uma apresentação prévia de cada uma delas, quer do ponto de vista estritamente musical, quer na perspectiva cultural em termos latos, isto é, o seu enquadramento na História da Música e do significado de ambas na produção musical dos respectivos compositores.


Mas a participação neste Concerto de Sérgio Azevedo que é natural de Coimbra e filho do grande guitarrista Octávio Sérgio não se ficou pela apresentação daquelas duas obras. Na realidade, houve a estreia absoluta de duas composições da sua autoria, ambas por encomenda da OCC, com comentários prévios explicativos pelo próprio compositor, ocasião sempre rara e de grande significado cultural. A primeira das obras estreadas, com o título “Transcendente”, é uma composição contemporânea de enorme beleza e complexidade musical dedicada a Isabel de Aragão. A pandemia que nos tolhe a vida normal em termos sociais, laborais, mas também culturais, não permite que os 750 anos do nascimento de Isabel que foi Rainha e Santa, mas que é também a Padroeira de Coimbra, sejam condignamente celebrados pela Cidade. Tal circunstância só amplia o significado da estreia de uma composição dedicada à Rainha Santa, precisamente no templo que acolhe o seu corpo incorrupto guardado no magnífico túmulo de prata e cristal executado no Sec. XVII. A segunda estreia constitui uma homenagem a uma das figuras maiores da cultura universal, o compositor Ludwig van Beethoven. Também neste caso a epidemia impediu que os seus 250 anos que passaram em 2020 tivessem sido celebrados no ano passado, como devido. Mas, para além de incluir o grande compositor no seu repertório, a OCC encomendou uma obra para celebrar a efeméride. E Sérgio Azevedo de novo se saiu brilhantemente da tarefa, optando por, a partir das notas do “Scherzo” da Nona e chamar a participar outros compositores que, no fundo, foram todos influenciados pelo génio nascido em Bonn em 1770, através de apontamentos intrincadamente interligados numa peça que nos tira o fôlego de princípio ao fim.

O confinamento da pandemia limita o número de pessoas que podem participar em actos culturais, incluindo concertos. O que significa que a Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova não esteve à cunha no concerto memorável da noite de 20 de Junho de 2021. Mas todos os que tiveram a felicidade de poder assistir foram testemunhas de como, ao celebrar o seu vigésimo aniversário da forma como o fez, a Orquestra Clássica do Centro significou Coimbra no seu melhor.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Junho de 2021

Fotos recolhidas na internet

sábado, 26 de junho de 2021

Cultura e gestão financeira

 A ministra da Cultura demitiu mais um DG do património Cultural. Parece que não cumpria o que lhe era definido. Na realidade, o coitado não tinha dinheiro. E alguém se encarregou de explicar porquê (as cativações continuam, mesmo em pandemia, quando o Estado mais obrigação tem de cumprir as suas obrigações):



terça-feira, 22 de junho de 2021

Dia que é uma espécie de democracia

 Nuno Gonçalves Poças sobre um país que, obviamente, não é Portugal. Ou será que é?

«Imagine o leitor um país. Nesse país, os juízes do Tribunal Constitucional são nomeados pelos partidos, podendo sair directamente desse Tribunal para o Governo. O ministro da Justiça toma posse, enquanto ministro, como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, e na qualidade de ministro toma decisões sobre, por exemplo, os salários dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça.

Nesse país, um adjunto do ministro da Justiça pode sair do gabinete do Governo para ir directamente para o seu lugar de procurador e investigar, por exemplo, membros do Governo a que pertenceu por suspeitas de prática de crimes económicos. Outro adjunto pode também ser procurador e juiz e até ter sido condenado por pressionar outros procuradores para forçar o arquivamento de um processo judicial que investigava um primeiro-ministro, que veio a ser acusado de “mercadejar” a sua função, por causa de um projecto imobiliário. Um outro procurador, que trabalhou com este adjunto numa instituição internacional, foi nomeado, depois de uns “lapsos” no currículo, para uma outra entidade internacional pelo ministro da Justiça, que confirmou uma decisão de um Conselho Superior, onde já se tinha sentado o seu Secretário de Estado, depois de aquela entidade internacional ter decidido que havia outro candidato ao lugar que reunia melhores condições para ocupar o cargo. Este procurador nomeado era irmão de um antigo presidente de um instituto público que aprovou o tal projecto imobiliário que acabou investigado por suspeitas de corrupção do tal Primeiro-ministro acusado de “mercadejar” a sua função. E era ainda irmão de um outro procurador que era considerado influenciável pelo actual Primeiro-ministro para evitar a prisão de um membro do partido a que pertence este Primeiro-ministro.
A procuradora escolhida pela entidade internacional e preterida no seu país estava, por sua vez, a investigar um processo judicial em que eram arguidos um antigo secretário de Estado, um antigo presidente da Protecção Civil e um antigo adjunto de um secretário de Estado, que antes de ser membro de um gabinete governamental era padeiro e dirigente do partido na sua terra. Nesse país, este secretário de Estado que chefiava o ex-padeiro torna-se Ministro, tutelando um organismo que viu, sob a sua alçada, ser assassinado um cidadão estrangeiro. Para resolver este problema, foi demitido o director desse organismo, nomeado pelo partido incumbente, e para o seu lugar foi nomeado novo director, antigo membro do gabinete de quem o nomeou e também dirigente do partido incumbente.

Este secretário de Estado, feito ministro, era, por sua vez, casado com uma outra ministra, que depois foi nomeada pelos colegas do Governo a que pertenceu para dirigir uma nova entidade, criada para regular, de forma independente, um sector de actividade.

Nesse país, o tal procurador que passou a adjunto do ministro da Justiça pode ser casado com uma antiga assessora de um membro de um antigo Governo do mesmo partido, depois feita presidente de uma fundação pública e condecorada por um Presidente da República da mesma cor partidária. Essa mulher do adjunto do ministro da Justiça pode, enquanto presidente da fundação pública a que passou a presidir por indicação partidária, adjudicar serviços ao cônjuge do ministro da Justiça para o qual o seu marido, por sua vez, trabalha. O cônjuge do ministro pode também ser nomeado para exercer funções públicas pelo cônjuge do outro ministro, que também foi ministro e agora foi nomeado pelos seus antigos colegas de Governo para liderar uma entidade reguladora independente.»

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Do valor da amizade: os novos tempos

 


A nossa vida é caracterizada por fases calmas, mas também por momentos tempestuosos como as águas do mar tocadas pelo vento e ainda bem, se assim não fosse provavelmente não valeria a pena ser vivida. Mas, por vezes, a agitação das águas excede os limites do suportável e precisamos de uma acção de as acalme, tal como antigamente os marinheiros na tempestade atiravam azeite à água para acalmar a superfície. E esse é um papel que só os verdadeiros amigos estão em condições de cumprir, com dádiva e sem exigências em troca.

Tenho para mim que a capacidade de criar verdadeiras amizades é um dos aspectos essenciais da personalidade, que tem raízes na socialização desde criança e, essencialmente, dos bancos da escola. Daí o meu carinho para com as amizades que tenho desde essa altura da vida, que mantenho até hoje. Nos últimos tempos tenho sido testemunha do valor dessas velhas amizades, por boas e também tristes razões, que a vida não é só composta por momentos felizes e a morte faz obrigatoriamente parte dela, mais cedo ou mais tarde. Mas reencontrar amigos de infância que já não se viam há cinquenta anos, dar um abraço sentido e iniciar conversa como se se estivesse a continuar uma do dia anterior, é consequência de já se ter vivido todo esse tempo mas, sobretudo, sinal de que há sentimentos que nunca morrem. Nada disto será novidade para quem nasceu nos anos 50, 60 ou mesmo 70, sendo certamente o que escrevo partilhado pela imensa maioria desses leitores.

No entanto, os tempos que hoje vivemos vieram trazer novos significados à palavra amizade, mais exactamente ao termo «amigo». Por razões de estratégia comercial as redes sociais adoptaram o termo «amigo» em vez de utente ou mesmo de cliente, criando toda uma nova perspectiva de relacionamento pessoal, principalmente para quem cresce e desenvolve a sua personalidade dentro deste novo ambiente social. Amigo passa a ser quem faz parte uma lista de contactos na internet e não quem connosco partilhou sonhos e ilusões em conversas, olhares tantas vezes silenciosos mas tão significativos como aquelas. Algo que depende de contacto físico directo e não da presença num écran de computador, tablet ou telemóvel. Ainda por cima, os «amigos» são-no frequentemente por razões de educação ou simples cortesia, resultado de aceitação de pedidos de amizade através de «amigos de amigos» que não se conhecem de lado nenhum. Funciona aqui uma espécie de protocolo não escrito, que proporciona até o surgimento de perfis falsos que, através da utilização perfeitamente abusiva de um termo tão simpático como «amigo» é, tantas vezes, gerador dos mais diversos conflitos sociais.

Os telemóveis vieram substituir as agendas de papel onde tradicionalmente se apontavam os mais diversos compromissos, incluindo as datas de aniversário de pessoas amigas ou efemérides a recordar ou celebrar. Tratou-se de um avanço que evitava o trabalho anual de passar manualmente informação da agenda do ano velho para a do novo. Também aqui as redes sociais meteram a mão, ao apropriarem-se das agendas, fornecendo o serviço, à primeira vista simpático e prestimoso de informar «urbi et orbi» sobre as datas dos aniversários dos seus utentes. Como resultado, a maioria das pessoas passou a participar num rebanho de «parabenizadores» diários, tanto maior quanto mais alargado for o seu leque de «amigos» que chega frequentemente aos vários milhares. Resultado oposto é o de que, quem não autoriza que a data do seu aniversário seja pública na rede social, praticamente deixa de receber felicitações nessa data.


Estranhos tempos estes para a manifestação de amizade em que a simples lembrança dos aniversários é deixada ao cuidado das redes sociais, com o facebook à cabeça. Quem não se sujeita à tirania das redes sociais rapidamente passa à situação de ignorado social, quase pária, situação tanto mais bizarra quanto anos de convívio pessoal pareciam terem construído amizades que se poderia imaginar não soçobrarem aos negócios de compra e venda de informação sobre os hábitos e gostos dos utentes. A internet veio facilitar os contactos pessoais e de negócios a um nível global, algo inédito e positivo na história do mundo. A possibilidade de transmitir informação ou de fazer telefonemas com vídeo em tempo real é algo de um valor incalculável para a Humanidade. Mas não nos podemos deixar manipular pessoalmente por tudo aquilo com que nos acenam porque, como no mundo físico, também no mundo cibernético nem tudo o que reluz é ouro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Junho de 2021

Imagens retiradas da internet

É OBRA

 Em 145 concursos da CRESAP, o PS colocou 118 boys e girls nos lugares. O processo principal consiste em colocá-los previamente nos lugares em regime de substituição , ganhando assim currículo para os concursos. Portugal do seu habitual de séculos, só mais refinado.