segunda-feira, 7 de julho de 2014

O fim de um Mundo Velho



Passam este mês cem anos sobre o início da hecatombe a que se convencionou chamar Primeira Guerra Mundial. Ao assassínio do Arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono da Áustria-Hungria em 28 de Junho de 1914 pelo estudante sérvio Gavrillo Princip em Sarajevo que era então a capital da província da Bósnia, seguiram-se confusas conversações e o extremar de posição das potências. A Áustria, que só esperava um pretexto para entrar em guerra com a Sérvia, preparou-se imediatamente para a invadir. Nem os documentos a provar que o governo sérvio nada tinha a ver com a morte do Arquiduque, nem a resposta conciliatória sérvia ao ultimato austríaco serviram para diminuir a vontade guerreira da Áustria. Até o Kaiser que, durante anos tinha acicatado a Áustria contra a Sérvia no pressuposto de que a Rússia não estaria militarmente preparada para intervir, no último momento tentou acalmar os austríacos, fazendo notar que a Sérvia tinha capitulado ao ultimato em tudo o que era importante e escrevendo que “ficavam anuladas todas as razões para a guerra”.
Mas nada conseguiu parar a vontade de guerra e, em 29 de Julho, a Áustria declarou guerra à Sérvia. Nos primeiros dias de Agosto, as velhas alianças fizeram sentir a sua força e a Alemanha entrou na Bélgica para invadir a França, a Rússia apoiou a Sérvia e a Grã-Bretanha entrou igualmente na guerra. Apesar do enorme número de mortos logo nesse ano de 1914, nenhuma das partes beligerantes conseguiu de imediato os seus objectivos e o mundo assistiu, incrédulo, a uma guerra absurda de trincheiras, tão dramaticamente descrita por Erich Maria Remarque no seu “A Oeste nada de Novo”.

A guerra continuou, mortífera, só vindo a terminar quatro longos anos depois, quando os alemães assinaram o armistício em 11 de Novembro de 1918.
As consequências desta guerra foram, no entanto, muito para além dos quase dez milhões de mortos que provocou.
Aproveitando a fraqueza do Czar com os exércitos russos em guerra, Lenin e os bolcheviques minaram por dentro a sociedade russa, levando por diante a sua Revolução e construindo o primeiro Estado comunista da História. Em breve a família imperial seria assassinada pelos revolucionários e a Ditadura do Proletariado implantou-se por setenta anos, em nome de um ideal de um “Homem Novo” que na realidade revela desprezo pelos homens como eles são, mas que ainda hoje atrai tantos que fazem os possíveis por esconder a História.
A Primeira Guerra Mundial provocou o fim dos grandes impérios existentes, levando ao desenho artificial de novos estados na Europa e no Médio Oriente, cujas consequências ainda hoje se fazem sentir.
O início do desenvolvimento industrial e as novas tecnologias trouxeram a utilização de novas e terríveis armas. Ficou patente o desfasamento entre um pensamento militar formado noutros tempos e a capacidade mortífera dos novos armamentos. Muitos comandantes enviavam os seus exércitos a pé ou a cavalo, armados apenas com pistolas e espadas contra metralhadoras e morteiros que os dizimavam com a maior facilidade. O gás foi profusamente utilizado como arma, matando de forma matreira ou incapacitando para toda a vida.
O fim da guerra só foi possível depois da intervenção americana, a primeira vez que tal aconteceu na Europa, alterando definitivamente o contexto geo-político mundial.
O Tratado de Versalhes qe encerrou a guerra veio a revelar-se como um ovo da serpente, pelas duras condições impostas aos alemães, nomeadamente na cláusula da “Culpa de Guerra”. Em menos de vinte anos Hitler e os seus apaniguados gritariam “não pagamos” levando o povo alemão atrás de si para uma tragédia ainda maior.
Por fim, até Portugal entrou nesta guerra pelos piores motivos e com trágicas consequências. A vontade de Afonso Costa afirmar internacionalmente a República e vir a sentar-se à mesa dos despojos de guerra mostrou a nossa completa desorganização, falta de meios e incapacidade militar. Os milhares de portugueses que pereceram em La Lys na sequência de asneiras crassas de comando e os numerosos soldados que regressaram gaseados e com feridas para toda a vida foram o resultado triste e sombrio de uma aventura ditada por políticos cegos e sectários que rapidamente abriram o caminho a uma ditadura militar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Julho de 2014

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