Passam este mês cem anos sobre o início da hecatombe a que se convencionou
chamar Primeira Guerra Mundial. Ao assassínio do Arquiduque Francisco Fernando,
herdeiro do trono da Áustria-Hungria em 28 de Junho de 1914 pelo estudante
sérvio Gavrillo Princip em Sarajevo que era então a capital da província da
Bósnia, seguiram-se confusas conversações e o extremar de posição das
potências. A Áustria, que só esperava um pretexto para entrar em guerra com a
Sérvia, preparou-se imediatamente para a invadir. Nem os documentos a provar
que o governo sérvio nada tinha a ver com a morte do Arquiduque, nem a resposta
conciliatória sérvia ao ultimato austríaco serviram para diminuir a vontade
guerreira da Áustria. Até o Kaiser que, durante anos tinha acicatado a Áustria
contra a Sérvia no pressuposto de que a Rússia não estaria militarmente
preparada para intervir, no último momento tentou acalmar os austríacos,
fazendo notar que a Sérvia tinha capitulado ao ultimato em tudo o que era
importante e escrevendo que “ficavam anuladas todas as razões para a guerra”.
Mas nada conseguiu parar a vontade de guerra e, em 29 de Julho, a Áustria
declarou guerra à Sérvia. Nos primeiros dias de Agosto, as velhas alianças
fizeram sentir a sua força e a Alemanha entrou na Bélgica para invadir a
França, a Rússia apoiou a Sérvia e a Grã-Bretanha entrou igualmente na guerra. Apesar
do enorme número de mortos logo nesse ano de 1914, nenhuma das partes
beligerantes conseguiu de imediato os seus objectivos e o mundo assistiu,
incrédulo, a uma guerra absurda de trincheiras, tão dramaticamente descrita por
Erich Maria Remarque no seu “A Oeste nada de Novo”.
A guerra continuou, mortífera, só vindo a terminar quatro longos anos
depois, quando os alemães assinaram o armistício em 11 de Novembro de 1918.
As consequências desta guerra foram, no entanto, muito para além dos quase
dez milhões de mortos que provocou.
Aproveitando a fraqueza do Czar com os exércitos russos em guerra, Lenin e
os bolcheviques minaram por dentro a sociedade russa, levando por diante a sua Revolução
e construindo o primeiro Estado comunista da História. Em breve a família
imperial seria assassinada pelos revolucionários e a Ditadura do Proletariado
implantou-se por setenta anos, em nome de um ideal de um “Homem Novo” que na
realidade revela desprezo pelos homens como eles são, mas que ainda hoje atrai
tantos que fazem os possíveis por esconder a História.
A Primeira Guerra Mundial provocou o fim dos grandes impérios existentes,
levando ao desenho artificial de novos estados na Europa e no Médio Oriente,
cujas consequências ainda hoje se fazem sentir.
O início do desenvolvimento industrial e as novas tecnologias trouxeram a
utilização de novas e terríveis armas. Ficou patente o desfasamento entre um
pensamento militar formado noutros tempos e a capacidade mortífera dos novos
armamentos. Muitos comandantes enviavam os seus exércitos a pé ou a cavalo,
armados apenas com pistolas e espadas contra metralhadoras e morteiros que os
dizimavam com a maior facilidade. O gás foi profusamente utilizado como arma,
matando de forma matreira ou incapacitando para toda a vida.
O fim da guerra só foi possível depois da intervenção americana, a primeira
vez que tal aconteceu na Europa, alterando definitivamente o contexto
geo-político mundial.
O Tratado de Versalhes qe encerrou a guerra veio a revelar-se como um ovo
da serpente, pelas duras condições impostas aos alemães, nomeadamente na
cláusula da “Culpa de Guerra”. Em menos de vinte anos Hitler e os seus apaniguados
gritariam “não pagamos” levando o povo alemão atrás de si para uma tragédia
ainda maior.
Por fim, até Portugal entrou nesta guerra pelos piores motivos e com
trágicas consequências. A vontade de Afonso Costa afirmar internacionalmente a
República e vir a sentar-se à mesa dos despojos de guerra mostrou a nossa
completa desorganização, falta de meios e incapacidade militar. Os milhares de
portugueses que pereceram em La Lys na sequência de asneiras crassas de comando
e os numerosos soldados que regressaram gaseados e com feridas para toda a vida
foram o resultado triste e sombrio de uma aventura ditada por políticos cegos e
sectários que rapidamente abriram o caminho a uma ditadura militar.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Julho de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário