No passado mês de Junho, foram abatidos quatro aviões militares ucranianos no leste da Ucrânia pelos rebeldes (anexionistas pró-russos) que actuam naquela área. Em Julho, só até ao dia 16 foram abatidos mais quatro aviões militares nessa mesma zona.
Em 17 de Julho, os rebeldes anunciaram, com júbilo, ter abatido um avião militar ucraniano NA-26 na área de Torez, notícia imediatamente difundida nas televisões russas.
No dia 22 de Julho, mais dois aviões militares ucranianos foram abatidos na mesma zona de Torez.
Passaram cinco dias entre os dias 17 e 22 deste mês, dia em que os anexionistas pró-russos voltaram à sua tarefa de abater aviões ucranianos. O que sucedeu entretanto? Uma tragédia. Quando os rebeldes pró-russos foram verificar os restos do avião abatido no dia 17 encontraram os destroços de um avião comercial com quase três centenas de corpos espalhados por uma larga área e não um avião militar ucraniano.
Os dias que se seguiram foram de caos, quer no terreno, quer nos noticiários.
Os rebeldes que dominam militarmente o terreno tomaram conta do local e foram sendo vistas imagens chocantes de uma actuação indigna e desumana, com total falta de respeito perante os mortos que foram deixados no local por vários dias, violando mesmo os seus bens pessoais, não autorizando o trabalho de peritos internacionais e impedindo jornalistas de fazer o seu trabalho. No fim, no meio de uma algazarra vergonhosa, com bebedeiras evidentes e tiros à mistura, lá retiraram os restos mortais de grande parte dos 298 infelizes que seguiam no avião, meteram-nos em camiões e acabaram por enviá-los num comboio até uma cidade ucraniana de onde finalmente seguiram para a Holanda. Quando já se tinha percebido o que tinha acontecido, isto é que os rebeldes lançaram um míssil SAM contra um avião comercial de passageiros que voava a uma altura de segurança regulada supondo que se tratava de um avião militar de carga ucraniano, as televisões russas foram montando cenários sucessivos que pretendiam desresponsabilizar os rebeldes que apoia na Ucrânia. Falou-se na passagem do avião de Putin pelo mesmo local horas antes, quando na realidade passou a 1.200 km de distância, inventou-se um controlador aéreo espanhol com afirmações delirantes, argumentou-se com a falta de meios militares dos rebeldes para lançar um míssil a 10 km de altitude, quando esses mesmos rebeldes poucos dias antes se vangloriavam de possuir esses sistemas. Invenções de contra-informação que foram sendo completamente desmentidas pela realidade. Valha a verdade que Putin apenas culpou as autoridades ucranianas por manterem o conflito com os rebeldes (no território ucraniano) e autorizar a passagem de aviões comerciais por cima da zona de guerra, o que claramente deixa implícita a autoria de lançamento do míssil pelos rebeldes integracionistas pró-russos.
Infelizmente, este não é o primeiro avião de passageiros abatido da História. Em 1 de Setembro de 1983, um avião da Korean Air Lines com 269 pessoas a bordo que voava do Alasca para Seul foi abatido por um caça soviético sobre o mar do Japão por ter entrado no espaço aéreo soviético. Inicialmente o governo soviético começou por negar o sucedido para mais tarde assumir o abate propositado. Por seu lado, os EUA abateram um avião civil de passageiros em Julho de 1988 quando destruíram um avião da Iran Air com 290 pessoas a bordo que voava de Teerão para o Dubai. Numa zona em que na altura decorria a guerra entre o Irão e o Iraque, o navio de guerra americano Vincennes em missão de patrulha no Golfo Pérsico, terá confundido o avião comercial com um militar e abateu-o; também o governo americano tentou negar as suas responsabilidades ao princípio, tendo acabado por reconhecer a autoria do sucedido.
A tragédia do MH 17 acabou por trazer o que se passa no leste da Ucrânia para as primeiras páginas dos jornais e para os telejornais. Dificilmente a Rússia poderá continuar a suportar financeiramente e apoiar militarmente os auto denominados “separatistas pró-russos” depois do que se passou. Se tanto é ladrão o que vai à vinha como o que fica a guardar, nesta situação tão responsável é quem aperta o gatilho, como quem fornece a arma.
Mas, para os familiares dos desaparecidos nesta tragédia, relembrando os pais das três jovens crianças irmãs que viajavam no avião, pouco importa que o MH 17 tenha sido abatido por engano ou de propósito. Não tinham nada, mesmo nada a ver com o que se passa na Ucrânia, desapareceram para sempre e nada, mesmo nada pode eliminar ou diminuir a dor dos que ficam, nem recuperar o futuro dos que foram.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Julho de 2014
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