segunda-feira, 1 de junho de 2015

Josefa de Óbidos: mulher a conhecer



No tempo em que Portugal estava sob dominação filipina, nasceu em Sevilha uma menina chamada Josefa de Ayala, filha de pai português e mãe espanhola. Era ainda criança pequena quando, em 1634, os pais vieram viver para Óbidos, onde o pai Baltazar Gomes Figueira continuou a pintar os seus quadros, especialmente naturezas mortas, cuja técnica havia desenvolvido em Espanha, embora não fosse um estilo à época muito praticado por cá. Josefa aprendeu com seu pai os segredos da técnica da pintura, começando precisamente pelas naturezas mortas, mas abraçando e aperfeiçoando-se noutras temáticas.
Josefa de Óbidos, como ficou conhecida foi, a diversos títulos, uma mulher invulgar principalmente tendo em conta a época em que viveu. Quis ser e tornou-se uma mulher independente, para que não tivesse que prestar contas a ninguém. A sua fama como pintora excepcional permitiu-lhe viver, e viver muito bem, das encomendas que lhe faziam, tendo mesmo feito fortuna com o seu trabalho. As mulheres do seu tempo eram obrigadas a viver na total dependência dos maridos, algo que a personalidade de Josefa não aceitava, pelo que não casou. Mas não se ficou por aqui. Como mulher, dependeria sempre de um homem para fazer negócios, pelo que obteve a condição social de viúva, que lhe permitia ser independente. Enriqueceu com o seu trabalho que, para além da pintura, abrangia ainda outros negócios como compra e arrendamentos de propriedades para os quais demonstrou grande capacidade.

A sua pintura foi durante muitos anos desconsiderada e mesmo chamada de provinciana, sendo precursora do Barroco e caracterizando-se por uma grande profusão de pormenores delicadamente introduzidos nas suas pinturas, cujos motivos, essencialmente religiosos, reflectiam a sensibilidade artística do seu tempo. A sua produção artística e mesmo a sua circunstância faz lembrar outro grande artista do mesmo século, mas que durante muito tempo foi esquecido e relegado para um lugar secundário por a sua arte ser tida como exagerada, com demasiado referência à temática religiosa, de mau gosto e mesmo repetitiva: refiro-me a João Sebastião Bach, hoje justamente considerado um dos mais altos expoentes culturais de sempre.

Josefa de Óbidos começa hoje a ser olhada publicamente de outra forma, já que nunca deixou de ser uma artista das mais queridas e desejadas em colecções particulares no mundo inteiro.

Até 6 de Setembro, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) na Rua das Janelas Verdes em Lisboa tem aberta a Exposição “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português”. A raridade de uma exposição tão importante sobre a obra de uma pintora portuguesa do século XVII vem suscitar a curiosidade e o interesse sobre a mulher, a sua obra, mas também sobre o contexto em que viveu e trabalhou.
Esta exposição apresenta mais de 130 obras de Josefa de Óbidos, de pintura, mas também escultura e artes decorativas. As obras vieram de instituições nacionais e internacionais, de que se destacam os museus do Prado e de Bellas Artes de Sevilha e o Mosteiro do Escoria,l e ainda de colecções privadas, portuguesas e estrangeiras.
Entre as instituições que cederam peças para a exposição conta-se a Universidade de Coimbra, que enviou a imagem de Santa Catarina da Capela da Universidade, obra de Frei Cipriano da Cruz, representativa do Barroco em Portugal, estando ainda patente na entrada da exposição uma reprodução da pintura do tecto da Sala do Exame Privado da Universidade de Coimbra. Coimbra está ainda representada de outra maneira especial. 

De facto, o Director do Museu Nacional de Arte Antiga é, desde há cinco anos, um bom e velho amigo de Coimbra, António Pimentel. Não é certamente por acaso que o MNAA é hoje em dia o museu mais visitado do país, tendo recebido, só em 2014, mais de 200.000 pessoas. António Pimentel merece as nossas felicitações, não só por mais esta exposição magnífica, mas por ter transformado o MNAA numa casa viva, muito longe de um repositório de obras de arte. E o MNAA merece a nossa visita, caro leitor 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Junho de 2015

Sem comentários: