De uma
forma negra e algo tenebrosa mas excepcionalmente bem escrita descreve como,
num futuro próximo, o islamismo toma conta do poder em França através de
eleições, numa estranha aliança para evitar a vitória da Frente Nacional.
Na
realidade, a História foi-nos ensinada como uma sucessão indiscutível de
factos, todos interligados de uma forma que se diria “natural”, razão por que o
tipo de ficção acima descrito terá hoje um sucesso assinalável. Para quem, como
eu, frequentou o liceu nos anos sessenta e inícios de setenta, a História era
mesmo apresentada como uma sucessão de vidas de personagens históricos, quase
sempre imbuídos de heroísmo, muito desligada das condições concretas de vida
dos povos. No que respeita à História de Portugal, aquilo que era ensinado
divergia mesmo muito daquilo que hoje nos é permitido saber. É certo que
próprio estudo da História é hoje muito diferente do que costumava ser, embora
ainda se note muito que a análise e estudo do que aconteceu há muitos anos ou
mesmo séculos, se faz muito usando lentes comprometidas com visões ideológicas
dos historiadores. Se a História que nos era ensinada pelos historiadores
tradicionais apresentava uma versão que ia ao encontro dos valores defendidos
pelo regime do Estado Novo, há hoje historiadores que apenas veem a exploração
dos oprimidos, por aplicação automática da vulgata marxista.
Como
escreve José Mattoso na sua notável e esclarecedora “Identificação de um País”
referindo-se ao caso concreto da polémica sobre o feudalismo em Portugal que
alguns historiadores defendem nunca ter existido, os historiadores tradicionais
“limitavam o «feudalismo» às relações entre os membros da classe senhorial
decorrentes do contrato feudal, enquanto os segundos (marxistas) referiam-se
apenas à exploração do campesinato pela nobreza”.
Continuando
na Idade Média, neste caso a portuguesa, qual teria sido o rumo da História se
os apoiantes de D. Afonso Henriques tivessem sido derrotados na batalha de S.
Mamede em 24 de Junho de 1128? Sua mãe D. Teresa mantinha uma estreita ligação
com a mais alta nobreza da Galiza que, lembra-se, tinha sido atribuída por seu
pai o rei D. Afonso VI de Leão e Castela, a sua meia irmã Urraca que casou com
o conde D. Raimundo de Borgonha. Por outro lado, D. Teresa havia recebido o
novo Condado Portucalense que abrangia os anteriores de Portucale e de Coimbra,
ao casar com D. Henrique de Borgonha. No meio de tudo isto, a Igreja impunha as
suas regras e condicionava fortemente a acção dos responsáveis políticos,
fundamentalmente pela sua política de reconhecimento ou não de relações e
casamentos, através das excomunhões usadas como arma política.
E
se D. Afonso Henriques tivesse perdido a batalha de S. Mamede, como esteve
quase a acontecer segundo a IV Crónica Breve de Sta. Cruz do século XIV, que
diverge em muito dos Anais de D. Afonso Henriques do cónego de Sta. Cruz na
narrativa dos acontecimentos da época? Um dos caminhos históricos poderia ter
sido a continuação do Condado Portucalense dentro do Reino de Leão e Castela e
neste caso Portugal nunca teria existido como nação. Mas as incursões dos
almorávidas que em 1116 fizeram um violento assédio a Coimbra, foram combatidas
com o apoio dos nobres galegos, incluindo Fernão Peres de Trava que chegou a
comandar as tropas na região do rio Mondego. Isto é, uma saída alternativa
poderia ter sido a junção da Galiza ao Condado Portucalense num único reino que
teria obrigatoriamente que crescer também para sul como aconteceu com D. Afonso
Henriques e os seus sucessores, até se conquistar definitivamente o Algarve aos
muçulmanos. Aí Portugal incluiria a Galiza, a que aliás a língua de raiz comum
daria um cimento sólido.
Como
é evidente, a História é aquela que foi e não a que poderia ter sido. Mas o
conhecimento e a compreensão do que aconteceu e porquê, é vital para
percebermos o que somos hoje, porque o somos e qual o nosso papel no mundo.
Publicado
originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Junho de 2015
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