Napoleão
revelou-se desde jovem como um militar brioso mas, fundamentalmente, desenvolveu
um talento excepcional, primeiro do ponto de vista táctico, de comando de
tropas no campo de batalha, e depois também como estratega, organizando
campanhas militares de grande dimensão e criando as condições para o seu
sucesso através de soluções inovadoras que duram até hoje.
Os
seus homens seguiam-no cegamente, resultado de um carisma pessoal e de uma
coragem na batalha que lhe conferiam uma poderosa voz de timoneiro sobre todos
os que o seguiam. Conta-se o exemplo do Marechal Ney, um dos seus mais
brilhantes comandantes, que aliás esteve com Massena no Buçaco. Quando Napoleão
foi exilado para a Ilha de Elba, Ney, conhecido como “o bravo dos bravos”, prestou
juramento de fidelidade ao regime de Luis XVIII. No entanto, quando Napoleão
regressou para continuar no seu sonho louco de conquistar a Europa, Ney
juntou-se-lhe de novo entusiasticamente. Após a derrota de Waterloo, quando
colocado perante o pelotão de fuzilamento, o Marechal recusou a venda e deu a
ordem de fogo sobre ele próprio, gritando que tinha participado em muitas
batalhas, mas nunca contra soldados franceses.
A
personalidade muito própria de Napoleão, que se considerava um predestinado,
continuou a mostrar-se, mesmo depois de exilado definitivamente para a Ilha de
Sta. Helena, onde veio a morrer. Aí se dedicou obsessivamente a ditar as suas
memórias, para evitar que viessem a ser escritas de forma que, a seu ver, não
fosse verdadeira e lhe tirasse o lugar na História a que achava que tinha
direito.
Poucos
anos após a sua morte, as suas cinzas foram levadas para os Inválidos em Paris,
contando-se que as exéquias foram acompanhadas por mais de um milhão de
franceses. O seu mito continuava vivo, o que acontece até hoje, sendo das
personagens históricas mais populares entre os franceses, que recordam apenas
as glórias militares e o entusiasmo que suscitava, principalmente entre o povo,
esquecendo tudo o que de negativo teve.
Ainda
hoje, mesmo entre nós portugueses que fomos invadidos e onde as tropas
francesas praticaram os maiores desmandos, provocando sofrimento indizível, o
nome de Napoleão não provoca a repulsa que seria de esperar. Mesmo Churchill,
que detestava tudo o que tinha a ver com a revolução Francesa e a sequência que
Napoleão lhe deu, levando a guerra a toda a Europa e sagrando-se a si próprio
Imperador, tinha uma confessada admiração pelo seu génio militar.
De
facto, Napoleão exerceu sempre um fascínio sobre os que o apoiavam, mas também
sobre muitos que, não o apoiando ou mesmo guerreando-o, lhe reconheciam
qualidades excepcionais, fundamentalmente do ponto de vista militar.
Napoleão
foi talvez um exemplo à parte, por demasiado conspícuo, mas muitas pessoas,
nomeadamente políticos, se consideram predestinadas para a sua acção na
sociedade. Observam todas as circunstâncias da sua vida como concorrendo para o
seu destino excepcional, pelo que por vezes se acham mesmo no direito de
exercer a sua acção com a maior ferocidade de que se forem capazes. E é assim que,
mostrando capacidade de definir objectivos superiores e a força interior para
os conseguir seja de que maneira for, conseguem impressionar e transformar em
seguidores mesmo quem à partida não se imaginasse que estivesse disponível para
tal. Suscitam ódios, mas também uma admiração e até uma irracional e cega
submissão e mesmo crença em tudo aquilo que dizem ou que fazem. Napoleão teve
um primeiro exílio mais ou menos dourado em Elba e acabou os seus dias longe de
tudo em Santa Helena. Diz-se que a História se repete sempre, sendo a segunda
vez apenas uma farsa e bem andaríamos todos, se tivéssemos consciência dos
exemplos históricos para a nossa vida. Poupar-nos-íamos a nós e, eventualmente
aos outros, a tristes experiências.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Junho de 2015
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