No tempo
em que Portugal estava sob dominação filipina, nasceu em Sevilha uma menina
chamada Josefa de Ayala, filha de pai português e mãe espanhola. Era ainda
criança pequena quando, em 1634, os pais vieram viver para Óbidos, onde o pai
Baltazar Gomes Figueira continuou a pintar os seus quadros, especialmente naturezas mortas, cuja técnica havia desenvolvido em Espanha, embora não fosse
um estilo à época muito praticado por cá. Josefa aprendeu com seu pai os
segredos da técnica da pintura, começando precisamente pelas naturezas mortas,
mas abraçando e aperfeiçoando-se noutras temáticas.
Josefa
de Óbidos, como ficou conhecida foi, a diversos títulos, uma mulher invulgar
principalmente tendo em conta a época em que viveu. Quis ser e tornou-se uma
mulher independente, para que não tivesse que prestar contas a ninguém. A sua
fama como pintora excepcional permitiu-lhe viver, e viver muito bem, das
encomendas que lhe faziam, tendo mesmo feito fortuna com o seu trabalho. As
mulheres do seu tempo eram obrigadas a viver na total dependência dos maridos,
algo que a personalidade de Josefa não aceitava, pelo que não casou. Mas não se
ficou por aqui. Como mulher, dependeria sempre de um homem para fazer negócios,
pelo que obteve a condição social de viúva, que lhe permitia ser independente. Enriqueceu
com o seu trabalho que, para além da pintura, abrangia ainda outros negócios
como compra e arrendamentos de propriedades para os quais demonstrou grande
capacidade.
A sua
pintura foi durante muitos anos desconsiderada e mesmo chamada de provinciana, sendo
precursora do Barroco e caracterizando-se por uma grande profusão de pormenores
delicadamente introduzidos nas suas pinturas, cujos motivos, essencialmente
religiosos, reflectiam a sensibilidade artística do seu tempo. A sua produção
artística e mesmo a sua circunstância faz lembrar outro grande artista do mesmo
século, mas que durante muito tempo foi esquecido e relegado para um lugar
secundário por a sua arte ser tida como exagerada, com demasiado referência à
temática religiosa, de mau gosto e mesmo repetitiva: refiro-me a João Sebastião
Bach, hoje justamente considerado um dos mais altos expoentes culturais de
sempre.
Josefa
de Óbidos começa hoje a ser olhada publicamente de outra forma, já que nunca
deixou de ser uma artista das mais queridas e desejadas em colecções
particulares no mundo inteiro.
Até 6 de
Setembro, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) na Rua das Janelas Verdes em
Lisboa tem aberta a Exposição “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco
Português”. A raridade de uma exposição tão importante sobre a obra de uma
pintora portuguesa do século XVII vem suscitar a curiosidade e o interesse
sobre a mulher, a sua obra, mas também sobre o contexto em que viveu e
trabalhou.
Esta
exposição apresenta mais de 130 obras de Josefa de Óbidos, de pintura, mas
também escultura e artes decorativas. As obras vieram de instituições nacionais
e internacionais, de que se destacam os museus do Prado e de Bellas Artes de
Sevilha e o Mosteiro do Escoria,l e ainda de colecções privadas, portuguesas e
estrangeiras.
Entre as
instituições que cederam peças para a exposição conta-se a Universidade de
Coimbra, que enviou a imagem de Santa Catarina da Capela da Universidade, obra
de Frei Cipriano da Cruz, representativa do Barroco em Portugal, estando ainda
patente na entrada da exposição uma reprodução da pintura do tecto da Sala do
Exame Privado da Universidade de Coimbra. Coimbra está ainda representada de
outra maneira especial.
De facto, o Director do Museu Nacional de Arte Antiga
é, desde há cinco anos, um bom e velho amigo de Coimbra, António Pimentel. Não
é certamente por acaso que o MNAA é hoje em dia o museu mais visitado do país,
tendo recebido, só em 2014, mais de 200.000 pessoas. António Pimentel merece as
nossas felicitações, não só por mais esta exposição magnífica, mas por ter
transformado o MNAA numa casa viva, muito longe de um repositório de obras de
arte. E o MNAA merece a nossa visita, caro leitor
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Junho de 2015
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