segunda-feira, 28 de abril de 2014

IV.Handel Organ Concerto HWV 295 "The Cuckoo and the Nightingale" - IV.A...

MUSICA PARA ESCOLHIDOS (ou o corporativismo no seu pior)



Não foi por acaso que, na transição de um regime não democrático que se intitulava a si mesmo de “corporativista” para um regime democrático, muitos interesses instalados e outros que entretanto se instalaram encontraram grandes facilidades em continuar a garantir facilidades para si próprios. De facto, é difícil perder velhos hábitos compensadores e, pela própria natureza das coisas o Estado Democrático é muito mais permeável à actuação de corporações que se movimentam no seu interior como peixe na água. Deve assim, em Democracia, o Estado ser suficientemente forte para se defender da apropriação por alguns daquilo que é de todos.
Os casos das rendas excessivas na energia e muitas parcerias público privadas, nomeadamente na rede rodoviária, estão aí para o provar e só um cego pode afirmar não o ver.
Mas há muitas outras áreas em que o Estado foi tomado por dentro por interesses corporativos. A Cultura é, evidentemente, uma delas e desde há muito tempo. Verifica-se isso, por exemplo, no que respeita à Música, com injustiças relativas criadas e mantidas e, certamente, muito dinheiro deitado à rua com ineficiências patrocinadas e pagas pelos próprios ministérios da Cultura ao longo de muito tempo.

Os concursos do ministério da Cultura para escolher quais as “orquestras” a apoiar a nível regional cessaram subitamente em 2003: as orquestras escolhidas no último concurso antes dessa data continuam a ser apoiadas pelo Estado, sem qualquer alteração. E assim se mantém a situação, agora por razões de constrangimento orçamental, como se lê no Despacho nº 1793 de 2012, recebendo essas orquestras entre seiscentos e setecentos e sessenta mil euros por ano (esta última a Orquestra do Norte sediada em Amarante).
Orquestras como por exemplo a do Algarve, foram acumulando dívidas gigantescas e o estado o que faz? Tapou o buraco e continua a pagar. Em Guimarães houve uma Capital Europeia da Cultura e muito bem. O que já não esteve bem foi que se tivesse criado uma orquestra exclusivamente para esse ano, no que se gastaram mais de seis milhões de euros. Muito mais barato e sustentável, como hoje se diz, teria sido contratar as várias orquestras já existentes para fazer os concertos previstos, até porque só nas proximidades há duas orquestras profissionais apoiadas pelo Estado (e bem).
E em Coimbra? Na nossa cidade existe a Orquestra Clássica do Centro que recebe da Câmara Municipal um apoio anual de cento e setenta e cinco mil euros. Basta comparar com os números acima referidos para se perceber a diferença de tratamentos por parte dos Governos embora e, felizmente, a actual Câmara Municipal já tenha aprovado o apoio para este ano, garantindo o funcionamento da OCC. A qualidade do trabalho é reconhecida e a adesão do público é uma realidade, como aliás se viu no último concerto de Pascoa, com o Pavilhão Centro de Portugal completamente esgotado.
Para o conseguir, a OCC tem conseguido mobilizar o apoio de diversos mecenas e instituições com quem tem celebrado protocolos de colaboração ao longo dos anos, ultrapassando assim muitas das dificuldades.
Sabendo-se isto tudo, nos últimos anos as principais instituições da Cidade, como sejam a própria Câmara e a Universidade parecia que tinham juntado as mãos para acabar com a OCC. Só assim se compreende a enorme quantidade de concertos realizados em Coimbra pela Orquestra do Norte, pagos por essas entidades. Claro que havia responsáveis que achavam não poder Coimbra suportar uma orquestra clássica ou mesmo sinfónica, bastando uma orquestra de câmara. A política do para quem é, bacalhau basta! ou Coimbra no seu pior. Claro que também na cultura as eleições servem muitas vezes para mandar as ervas daninhas pelo Mondego abaixo.
Mas a questão dos apoios do Estado mantém-se. É insuportável que o ministério da Cultura continue a dormir na forma, garantindo os apoios sempre aos mesmos de forma corporativa, sem dar oportunidade a outros de mostrarem o que valem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Abril de 2014

segunda-feira, 21 de abril de 2014

CIDADES E FUTURO



O termo “smart city” entrou já no nosso léxico, embora não seja ainda evidente o seu significado para um cidadão comum. De facto, numa primeira abordagem, para a definição de “smart city” elegiam-se basicamente os factores clássicos de desenvolvimento das cidades com a preocupação de definir a competitividade e o desenvolvimento urbano sustentável, como sejam a economia, a mobilidade, o ambiente, a população, a qualidade de vida e a governança da cidade. Foi nesta perspectiva que, há poucos anos, um grupo de universidades europeias (Viena, Delft e Ljubljana) desenvolveram um estudo em 70 cidades médias europeias, a que chamaram “european smart cities” classificando-as de acordo com aquelas áreas. É de referir que Coimbra ficou colocada em 46º lugar, classificação não muito honrosa, mas também não humilhante, perspectivando a possibilidade de melhoria futura no ranking.
Àquela abordagem, digamos mais clássica, passou a definir-se as “TICE” (Tecnologias de Informação, Comunicações e Electrónica) como base de suporte de uma “Cidade Inteligente” (Smart City), e a abordagem desta questão tornou-se mais ampla e evoluiu para patamares de integração das várias áreas que interessam às cidades. A globalização e a rápida urbanização do mundo, em que a população urbana deverá atingir 70% dentro de poucos anos, criam a necessidade de uma nova perspectiva da evolução das cidades. A procura das cidades para viver indo procurar novas oportunidades, transforma as cidades que irradiam actividades económicas, culturais e sociais.
Recentemente, uma nova abordagem das “smart cities” foi apresentada, integrando aspectos que me parecem essenciais e que não haviam sido devidamente considerados anteriormente. O Centro de Globalização e Estratégia de Barcelona criou o Índice IESE Cities in Motion que inclui dez factores a ter em consideração quando se procura classificar uma cidade como “Smart City” e que são os seguintes: Governança, Gestão pública, Planificação Urbana, Tecnologia, Meio Ambiente, Projecção Internacional, Coesão Social, Mobilidade e Transporte, Capital Humano e Economia.
De acordo com esta análise, uma conclusão que de tão simples que é pareceria óbvia, é que “não há um modelo único de sucesso: o primeiro passo para qualquer cidade será definir o modelo de cidade a seguir e as áreas a melhorar para esse objectivo”.
A União Europeia tem também dado atenção a esta questão nos últimos anos, promovendo trabalhos conjuntos entre diferentes cidades de vários países que consideram ter problemas comuns. É o URB ACT em que Coimbra também participa com cidades como Gdynia na Polónia, Gualdo Tadino e Siracusa em Itália, Mizil na Roménia, Santurtzi em Espanha, Seinajoki na Finlândia e a Triangle Region na Dinamarca, que se juntaram para estudar e propor acções concretas no que respeita a “melhorar serviços públicos através de um processo de inovação aberta”.
A integração dos factores de desenvolvimento urbano que bem podem ser aqueles dez acima apresentados, numa base tecnológica fornecida pelas TICE, será a chave para o sucesso futuro de qualquer cidade. A recuperação dos anos de atraso endémico e ainda o induzido pela estagnação económica dos últimos anos só se poderá conseguir num trabalho que tenha esta abordagem como base. Não nos podemos esquecer que, hoje em dia, e com a integração europeia isso é cada vez mais evidente entre nós, a competição faz-se cada vez mais entre regiões e mesmo cidades e não entre países.

Publicado no Diário de Coimbra em 21 de Abril de 2014

segunda-feira, 14 de abril de 2014

BRUSSELS, WE HAVE A PROBLEM

No final da segunda guerra mundial, a URSS não largou um cm2 que fosse do território que tinha conquistado aos alemães, tendo posteriormente integrado ainda a Jugoslávia e a Albânia à sua área de influência, por detrás do que Churchill chamou a cortina de ferro.

 Como os americanos tornaram bem claro que a República Federal da Alemanha, incluindo Berlim, era a fronteira em que os comunistas de Moscovo não poderiam tocar sob pena de uma resposta nuclear imediata, assim se viveu em guerra fria até Gorbatchov tirar a tampa ao regime e a liberdade irromper, fazendo implodir o império soviético.
A fragilidade de Moscovo no fim do século XX permitiu às nações do Leste da Europa reorganizarem-se como países com base nas fronteiras que tinham sido definidas pelo poder soviético. Boa parte desses países veio mesmo a integrar, quer a União Europeia, quer a própria NATO, virando-se a Ocidente, com desagrado da Rússia, na altura impotente para impor a sua vontade.
A expansão da União Europeia para Leste entroncou numa clara estratégia alemã de dominar a Europa pela via económica facilitada pelo reposicionamento da Alemanha no centro da nova Europa e já não na fronteira a Leste. Cabe aqui dizer que mal andaram países periféricos a Sul e a Ocidente como Portugal que, aquando dessa ampliação da UE, não garantiram o seu próprio futuro na União com consequências hoje claramente visíveis.
Mas a estratégia alemã está finalmente a encontrar um obstáculo eventualmente intransponível. De facto, a Federação Russa foi-se entretanto reorganizando e cedo readquiriu algum poder económico que junta ao militar que nunca perdeu. Em particular, a Rússia exerce hoje um domínio avassalador em todo o Leste europeu no que diz respeito ao fornecimento de gás. As três grandes condutas de gás que, vindas do interior da Rússia chegam ao meridiano de Moscovo vão confluir na Ucrânia e na Bielorrússia, daí irradiando para toda a Europa central. O gás russo significa hoje em dia 24% de todo o gás consumido na Europa 28. Há países que, pela sua localização geográfica ficaram de fora do fornecimento de gás russo como Portugal, a Espanha ou a Grã-Bretanha e encontraram outros fornecedores. Mas há países como a Estónia, a Letónia, a Lituânia ou a Finlândia que dependem do gás russo a 100%. E a generalidade dos países do centro da Europa como a Hungria, a Áustria, a Polónia, a República Checa dependem do gás russo em grande percentagem. A própria Alemanha dele depende em quase 40%.
Grande parte desse gás passa pela Ucrânia. O apoio russo ao anterior presidente da Ucrânia Viktor Yanukovych passava por um grande desconto ao gás consumido pela Ucrânia em troca de este país não se aproximar da União Europeia. Depois do teste da Crimeia, Putin concluiu com facilidade que a União Europeia não tem, nem a vontade, nem os meios para impedir a Federação Russa de mais uma vez agir naquela que considera a sua zona natural de influência. Foi assim que na semana passada enviou uma carta aos 18 países da EU clientes do gás russo com as suas exigências. Putin, que já anulou o desconto ao gás para a Ucrânia, exige que este país pague de imediato a factura referente a Março e cortará mesmo o fornecimento se as dívidas em atraso não forem pagas, informando ainda que daqui para a frente vai exigir o pagamento adiantado do gás fornecido à Ucrânia.
Se a União Europeia tem alguma estratégia para responder a Putin, não parece. A dependência energética do gás russo é avassaladora e a gigantesca Gazprom “entra” com a maior facilidade nos meandros políticos europeus, como se viu pela contratação do ex-Chanceler alemão social-democrata Gerhard Schroeder que aceitou ser administrador da empresa russa assim que perdeu as eleições contra Angela Merkel.
A carta de Putin afirma com toda a clareza que os dados estão lançados. A União Europeia vai numa trajectória que pode levar a mais um grande desastre europeu, caso não seja capaz de definir uma estratégia de regresso a uma coexistência construtiva entre todas as potências europeias.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 Abril 2014

segunda-feira, 7 de abril de 2014

ABRIL



Chegou o mês de Abril em que se cumprem 40 anos sobre a Revolução dos Cravos que nos devolveu a Democracia e a Liberdade. Em República, é a primeira vez que Portugal consegue manter-se de forma duradoura com o único regime político que na História da Humanidade até hoje garantiu os direitos mínimos aos homens e mulheres, transformando-os de simples pessoas em cidadãos: a Democracia. Essa simples circunstância é suficiente para que o 25 de Abril seja justamente comemorado e que aos seus autores seja prestado o preito do nosso reconhecimento.

 
Claro que a Democracia não faz quarenta anos. À queda do anterior Regime, que praticamente ninguém defendeu, seguiu-se uma fase de instabilidade perfeitamente compreensível porque tudo se aprende na vida, até a utilização consciente e responsável da Liberdade. Menos aceitável foi a tentativa de apropriação dessa fase turbulenta para instalação de um novo regime totalitário, através da manipulação de algumas facções extremistas de militares.
Mas o povo português aproveitou bem a oportunidade que lhe foi dada para manifestar a sua vontade em eleições, logo em 25 de Abril de 1975, criando condições para que em Novembro do mesmo ano o passo fosse corrigido, orientando definitivamente Portugal para uma Democracia representativa que o levasse ao seio da Europa ocidental.
Passados quarenta anos, podemos dizer que Portugal está irreconhecível, para muito melhor. Eu frequentei a escola primária numa pequena escola localizada á beira de um pinhal na Beira Alta onde só se chegava por um caminho de terra e que tinha uma única sala para as quatro classes. Penso que basta esta pequena descrição para se perceber o quanto diferente é o Portugal de hoje. 

Naquele tempo ainda se falava em “instrução primária”, depois passou-se para “ensino” e hoje estamos no tempo da “educação”. As diferenças não são apenas semânticas, têm verdadeiro significado. Claro que o aumento exponencial de alunos que acompanhou a extensão da escolaridade obrigatória não podia deixar de trazer uma descida da qualidade, algo que se está a tentar corrigir. O acesso a cuidados de saúde era precário e caro, colocando muita gente fora dos cuidados médicos mínimos. Algo que o Serviço Nacional de Saúde corrigiu, colocando Portugal entre os países do mundo com melhores indicadores nessa área.
Nem tudo correu pelo melhor, ou como deveria ter corrido. A nossa velha pecha das más contas públicas obrigou-nos a chamar o FMI para nos tirar da bancarrota por três vezes desde 74, obrigando a grandes sacrifícios precisamente a quem menos responsabilidade terá por isso, como sucede nos dias de hoje. O crescimento económico tem sido anémico, sempre abaixo das taxas anteriores a 74, mesmo com os fundos europeus. A ocupação do território foi um desastre, muito por causa da necessária recuperação do atraso na oferta de habitação, mas também por uma inexistente política eficaz de ordenamento e de uma especulação imobiliária patrocinada por autarcas e entidades bancárias.
Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão, diz o povo na sua sabedoria. Ouvimos muitos hoje falar contra os partidos e frequentemente com carradas de razão, mas não podemos esquecer que, sem partidos, não há democracia. É nossa obrigação de cidadania sermos exigentes e castigarmos os dirigentes que se esquecem do verdadeiro motivo pelo qual são chamados pelo povo a exercer o poder: cuidar do bem comum, preparar sustentadamente o futuro e proteger os que, por um ou outro motivo, são desfavorecidos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  7 de Abril de 2014

BDP/BPN

A questão é simples, não a compliquem: se contratar alguém para guardar a sua casa e esse alguém deixar entrar o ladrão e ficar calado, vai deixar ficar tudo na mesma?

Fusão de infraestruturas rodoviárias com ferroviárias

Ainda não percebi a vantagem. São coisas completamente diferentes. Se é para poupar, tirem o cavalinho da chuva. Ideia de quem não percebe nada do que está a falar. O Eng. Cravinho começou, com a extinção da JAE para abrir caminho ao regabofe das SCUT's. Agora querem terminar, com mais disparate ainda, só pode.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O início de tudo?

Do mais longínquo fundo dos tempos chegaram até nós sinais do que aconteceu no início de tudo. Chegar até nós, é uma forma de dizer. Na realidade, os cientistas procuraram arduamente até encontrar esses sinais ténues.
Perto do Pólo Sul, longe da poluição e onde o ar fino o permite, um telescópio chamado BICEP 2 detectou umas frágeis flutuações no fundo das micro-ondas cósmicas interpretadas como “ondas gravitacionais”. Há muitas dezenas de anos que os cientistas procuravam afanosamente provas do “Big Bang”. Mesmo estas só foram tornadas públicas depois de “limpezas” sucessivas de camadas de outros sinais produzidos posteriormente e que poderiam levar os cientistas a interpretar erradamente o que haviam detectado. Muitos outros testes haverá ainda a fazer até se ter a certeza absoluta de que se trata mesmo de sinais das “ondas gravitacionais”, já previstas teoricamente por Einstein.
Qual a importância da descoberta? Ela é evidente mesmo para um leigo como eu. Trata-se de ondas formadas tão perto do momento do surgimento do Universo, como sejam milionésimos de milionésimos de segundo. Isto é, basicamente, trata-se de algo que data do próprio momento da criação do Universo. Mostra que, logo após essa criação o Universo, do nada, sofreu uma enorme expansão, a que os cientistas já tinham dado o nome de “inflação cósmica”, mas que até agora não passava de uma teoria a necessitar de confirmação.
Aquilo que a nós nos parece infinitamente pequeno ou infinitamente grande tem, até agora, duas explicações físicas diferentes, sem qualquer contacto entre si, respectivamente a teoria quântica e a teoria da relatividade. A impossível conciliação destas duas teorias dificultava uma explicação coerente do Universo.
O simples facto de o Universo poder ser “visto” naquele momento em que era infinitamente pequeno, ou pelo menos os sinais desse momento, vai permitir a aplicação da teoria quântica àquilo que logo depois só se explica pela moderna teoria da gravidade, decorrente da teoria da relatividade.

Na prática, vai poder ser possível conciliar o inconciliável, isto é as duas teorias até agora existentes.
É toda uma nova janela que se abre à Humanidade para o conhecimento do Universo em que existimos. A possibilidade de o homem poder finalmente “observar” o início do Universo traz-lhe a capacidade para compreender muito melhor a realidade e isso é uma consequência extraordinária do trabalho e do génio humano.
O leitor achará talvez estranho dedicar uma crónica a uma matéria que foge tanto ao dia-a-dia e à qual a nossa comunicação social deu zero de atenção. Mas devo dizer que, neste caso, o problema está na comunicação social que se tornou incapaz de sair das matérias a que toda ela se dedica em simultâneo.
Se há descobertas científicas destinadas a mudar o mundo ou, pelo menos a percepção dele é esta; mais até do que o “Bosão de Deus” a que se deu, e bem, tanta atenção. Provavelmente todos darão por ela quando originar um prémio Nobel e sairão nessa altura os grandes títulos sobre “a maior descoberta do século”.




Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

Guardiões do Tempo


A posição da União Europeia sobre a crise da Crimeia não tem fugido à mediocridade política a que nos tem habituado desde há uns anos a esta parte, reflexo naturalmente não só de boa parte dos governantes dos países da União, mas também e, talvez sobretudo, da incapacidade dos líderes das instituições comunitárias, com a Comissão à cabeça. Durão Barroso, actual presidente da Comissão, veio afirmar que “a anexação da Crimeia é um comportamento que não tem lugar no século XXI”. Isto é, para o responsável máximo da Comissão Europeia, ainda o segundo decénio do século XXI não vai a meio e já ele decidiu qual vai ser o carácter do século. Imagino eu que o Dr. Durão Barroso queira, com aquela sua afirmação, significar que os tempos em que os conflitos entre os países se resolviam pela via militar já lá vão e que neste século que vivemos a paz será o estado normal, com a diplomacia a substituir definitivamente as armas.
Este tipo de afirmações faz parte de uma certa ideia perigosa de evolução do mundo que acompanharia igualmente uma “apressada” evolução das próprias pessoas que, no entanto, é permanentemente desmentida pela realidade. A evolução tecnológica apenas serve melhor ou facilita a vida às pessoas que, no seu interior, evoluem de uma forma muito mais lenta, ainda que a educação consiga encobrir ou mesmo limar muitas das emoções e sentimentos ancestrais que levam às mais diversas violências.
Mais uma vez a História nos ensina muito sobre a Humanidade e os avanços e recuos civilizacionais, que deveriam ser do conhecimento dos líderes políticos, mas infelizmente parecem não o ser, provavelmente porque o seu tempo de formação humanística e cultural foi gasto noutras actividades.
Ao ouvir aquela afirmação de Durão Barroso, não pude deixar de me recordar do que se passou há menos de cem anos, após a I Grande Guerra começada, no fundo, por razões fúteis que nada levaria a pensar que pudessem levar àquela desgraça.
No rescaldo do Tratado de Versalhes, a Sociedade das Nações aprovou em 1924 o “Protocolo de Genebra” visando a abolição total e definitiva da guerra, pelo que os seus membros se comprometiam a reduzir os armamentos nacionais. Os países disponibilizavam-se mesmo a confiar a sua segurança a um órgão internacional que agiria no caso de ameaça de agressão. Tratava-se, de facto, de abolir o direito das nações a fazer a guerra, pelo que esta seria substituída por pressões económicas e financeiras.
Depois de alguns anos em que um apreciável número de países foi assinando o “Protocolo de Genebra”, chegou-se ao ano de 1929, em que a Sociedade das Nações fez entrar em vigor o “Pacto Kellog-Briand”, que bania a guerra, a que se seguiu, ainda no mesmo ano, o “Acto Geral”, para resolver os litígios internacionais pela via da conciliação.
Tudo boas e excelentes intenções, como a História nos ensina. As responsabilidades financeiras decorrentes da “culpa da guerra” previstas no Tratado de Versalhes tornavam-se cada vez mais motivo de acesas discussões e discórdias entre as nações. Hitler começava já o seu caminho na Alemanha, berrando pelo não pagamento de qualquer reparação. As forças armadas alemãs iam-se discretamente reconstruindo às escondidas, violando o Tratado de Versalhes, principalmente através das instalações militares desenvolvidas em segredo na União Soviética através de um acordo secreto com Estaline que assim conseguia importantes avanços tecnologias nessa área. Passados poucos anos, a Europa e o resto mundo desembocaram na tragédia que foi a II Grande Guerra ainda hoje tão pouco conhecida, designadamente nas suas causas e ambiente internacional em que surgiu.
Tudo isto é História e deveria servir para nos alertar sobre o que se passa hoje, não permitindo aos actuais líderes que venham a cometer erros do passado.
Infelizmente, o leitor terá certamente encontrado pontos de contacto da actual situação decorrente da anexação da Crimeia por Putin e resposta europeia e americana com sanções económicas, com o que se passava há quase cem anos. Nada de novo, porque as emoções primordiais que levam aos conflitos entre as nações continuam vivas, bem como a necessidade de muitos políticos as utilizarem para os seus fins.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de março de 2014

segunda-feira, 17 de março de 2014

Reabilitar ou construir

Até ao eclodir da crise internacional de 2008, à qual se seguiu a nossa própria crise de que ainda não saímos, a construção constituía um dos sectores mais importantes da economia portuguesa. Reflexo da descida abrupta das taxas de juro e da abertura ao crédito fácil que se seguiram à entrada na zona do euro, pode-se considerar que a construção explodiu em Portugal. É mesmo uma das causas do elevado endividamento externo privado, dado que os Bancos iam lá fora buscar o dinheiro que cá dentro emprestavam à construção.
As Autarquias também ajudaram à festa, satisfeitas com as receitas que tal actividade lhes proporcionava. Aproveitando um regime legal facilitador das operações de loteamento, as cidades cresceram em mancha de óleo, muitas vezes de forma desordenada e fazendo subir os custos sociais inerentes ao afastamento habitacional dos serviços necessários, como escolas, hospitais e até empregos.
Enquanto isso se passava e o país corria alegremente para o precipício, ignorando olimpicamente os avisos em contrário que os houve e muitos, os centros das cidades foram sendo abandonados à sua sorte. Mesmo os comerciantes dos centros que viviam nos prédios onde tinham as suas lojas no rés do chão, foram no canto da sereia e usaram os rendimentos dos bons tempos de vendas fáceis, para construírem as suas moradias nos arrabaldes das cidades. Assim contribuíram de forma poderosa para o vazio residencial em que os centros urbanos se foram tornando e ajudando a criar as condições para a falta de clientes de que hoje se queixam, com razão.
Mas a crise trouxe a oportunidade de olhar hoje de forma diferente para os centros das cidades e não me refiro apenas aos centros históricos. Muitos jovens olham para esses centros como uma boa alternativa de escolha de local para viver, evitando os custos das longas deslocações casa/emprego, uma vantagem importante quando tantas funções exigem hoje muito mais horas de trabalho do que as clássicas “nove às cinco”.
Sucede, no entanto, que grande parte do edificado antigo não oferece as condições de conforto ou mesmo de habitabilidade exigíveis como mínimas nos dias de hoje. É, assim, necessário fazer obras para adaptar esse edificado antigo às actuais necessidades. A legislação reguladora da construção também acompanhou, e bem, os bons tempos do ilusório progresso das últimas décadas, tendo ido buscar tudo o que de melhor e de mais sofisticado existe no mundo rico, no que diz respeito, por exemplo, às condições de isolamento acústico e térmico, acessibilidades a quem não possui as habitiais condições de mobilidade, etc. Poder-se-à, com razão, afirmar mesmo que fomos longe demais na regulamentação que foi sendo feita de forma parcial e não como um todo, esquecendo por vezes os elevadíssimos custos inerentes, mas não é disso que trato nestas linhas. O pior foi que se esqueceu o edificado existente, cujas obras de remodelação teriam que seguir os regulamentos da construção nova, complicando desajustadamente os projectos (que por vezes são mesmo inexequíveis face aos regulamentos) e aumentando extraordinariamente os custos dessas intervenções. Tudo isto contribui para que, em Portugal, a reabilitação do edificado represente apenas uns parcos 6,5% da actividade da construção, contra os 37% da restante Europa.
Foi assim com grande satisfação que se soube da intenção governamental de isentar durante sete anos a reabilitação dos edifícios localizados em Áreas de Reabilitação Urbana e, talvez ainda mais importante, dos edifícios construídos há mais de trinta anos, de cumprir a regulamentação técnica que entretanto foi surgindo. A condição é que as obras de reabilitação não introduzam desconformidades nem agravem as condições existentes. É certamente uma medida poderosa para impulsionar a reabilitação dos centros das nossas cidades, pelo que aqui se saúda, enquanto se ajuda ao necessário conhecimento geral.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Março de 2014